terça-feira, 20 de outubro de 2015

BOY, o 1º álbum dos U2, editado há 35 anos.


Sempre achei interessante o início de carreira de bandas ou artistas consagrados, com um longo percurso percorrido, inúmeros álbuns e um estatuto que poucos atrever-se-ão a pôr em causa. Mas toda esta fama e glória, faz com que a maioria do público esqueça ou desconheça o tempo em que tudo começou. Há de tudo, desde inícios fulgurantes que depois se eclipsam com o tempo a começos mais discretos que se transformam em grandes carreiras. Os irlandeses U2 são o melhor exemplo destes últimos, e cujo primeiro álbum, Boy, foi editado há 35 anos. 
Se há bandas ou artistas cujos primeiros álbuns foram marcantes para a afirmação de carreiras, os U2, que hoje em dia estão na primeira divisão da música, em 1980, aquando do lançamento de Boy, nada previa que se tornassem no fenómeno (não apenas musical) que são hoje. Não estando a pôr em causa a qualidade do álbum de estreia, do qual resultaram excelentes temas como I Will Follow, Into the Heart, Out of Control, Stories for Boys ou A Day Without Me, o que é certo é que apesar da critica favorável não terá sido o " clic " para o sucesso imediato. O que por vezes não é o mais importante já que inícios de carreira fulgurantes rapidamente se esgotam em vazios criativos. A carreira dos irlandeses, pelo contrario, foi feita de passos seguros, culminando no mega-álbum The Joshua Tree, sete anos mais tarde. Prova de que o sucesso e o reconhecimento podem demorar... mas perduram. Voltando a Boy, estamos perante um bom registo rock marcado ainda pela atmosfera cinzenta do post-punk, com a guitarra de The Edge a voz de Bono a imporem-se. Produzido pelo consagrado Steve Lillywhite (Peter Gabriel, Morrisey, Big Country, Simple Minds, entre outros), Boy não conseguiu melhor do que um 52º lugar no top britânico. O single de apresentação I Will Follow, escrito por Bono na sequência do falecimento da sua mãe, falhou a presença na tabela de vendas britânica mas continua a ser um dos temas mais marcantes e preferidos dos fãs, o único tocado em todos os espectáculos realizados pela banda. Deixo-vos então com o primeiro video de I Will Follow...
1º Álbum - Boy - 1980
  1. I Will Follow
  2. Twilight
  3. An Cat Dubh
  4. Into The Heart
  5. Out Of Control
  6. Stories For Boys
  7. The Ocean
  8. A Day Without Me
  9. Another Time, Another Place
  10. The Electric Co.
  11. Shadows And Tall Tree

domingo, 18 de outubro de 2015

Laurie Anderson: Os 33 anos de Big Science

Big Science, o álbum de estreia de Laurie Anderson, foi editado há 33 anos e, em 2015, a autora completou 68. A influência de Anderson ultrapassa as fronteiras da música, já que sempre explorou os efeitos da tecnologia nas relações interpessoais e na comunicação humana.

“Boa noite, fala o capitão… estamos prestes a fazer uma aterragem de emergência…” Assim começava o disco de 1982, Big Science, álbum que surgiu na sequência do êxito de «O Superman». O single foi uma edição da autora, destinada à venda direta pelo correio.
O preço era 3,98 dólares (incluindo portes). “Como é que as pessoas sabiam que tinha sido editado? Escreviam-me ou telefonavam-me, perguntando se eu tinha uma cópia. E eu punha um selo e enviava.”
A cantora explica que recebeu um telefonema de um inglês que lhe pediu diversas cópias do single. “Eu perguntei, ‘quantas?’. Ele disse, ‘40 mil até ao fim desta semana e outras 40 mil na semana que vem…’ Respondi, ‘ok… já lhe ligo!…’”
Adotando uma perspetiva comercial, a produtora Roma Baran achou que era altura de aproveitar o momento e realizar um projeto mais ambicioso. A reação dos produtores que ouviam o tema era: “Adoro. É a coisa mais fantástica que já ouvi. Mas o que hei-de fazer com isto? Dura oito minutos e meio, não tem bateria nem baixo, ninguém o vai tocar na rádio.”


No entanto, depois da resposta positiva da Warner Brothers, Anderson e Baran começaram a trabalhar num álbum, sem as restrições dos estúdios pagos à hora. “Foi empolgante fazer um disco para uma grande editora”, reflete Laurie.
O método de trabalho de Anderson começava com algo nada parecido com uma canção, mas sim, com um som ou um “loop”. «From the Air», por exemplo, baseia-se num padrão de vocoder, um analisador e sintetizador de voz.

LAURIE É UM VÍRUS

Artista multifacetada e enigmática, Laura Phillips Anderson sempre foi original: O seu primeiro trabalho artístico, em 1969, foi uma sinfonia tocada em buzinas de automóveis.
Nasceu no Illinois, a 5 de Junho de 1947 e licenciou-se em História da Arte na Califórnia. No início dos anos 70, foi crítica de arte em revistas e ilustrou livros para crianças. Em 1972, obteve um Master’s Degree in Fine Arts em escultura, na Universidade de Columbia. Durante os anos 70, atuou em Nova Iorque, tornando-se conhecida pela sua performance Duets on Ice, em que tocava violino ao som de uma gravação, com os patins dentro de um bloco de gelo. A atuação só terminava quando o gelo derretia.
«O Superman» alcançou o número dois das tabelas de vendas inglesas. O tema era apenas parte de um trabalho intitulado United States I-IV. O som exótico de Big Science resultou do uso revolucionário de diversas tecnologias e instrumentos. O álbum obteve ótimas críticas em publicações como o New York Times, em que o crítico John Rockwell exaltou o disco: “O trabalho de Anderson é diferente de tudo na música e altamente recomendado.” Não deixa de ser irónico que, anos antes, Rockwell tenha sido um dos alvos de Lou Reed nas provocações de Live: Take no Prisoners: “John Rockwell diz que sou inteligente. Fuck you! Não preciso que mo digas.”
Ao longo dos anos 80, o trabalho avant-garde de Anderson obteve quase sempre o consenso entre as vendas e a crítica. Realizou e participou no filme Home of the Brave, em 1986, e compôs diversas bandas sonoras. Em 1989, Strange Angels, um dos seus álbuns mais acessíveis, dividiu opiniões, com os críticos a aplaudirem a vertente mais melodiosa de Laurie, (cujas lições de voz atrasaram a edição do álbum) e os fãs indecisos perante o novo caminho.

O SUPERWOMAN

Nos anos 90, Anderson prosseguiu a sua carreira multifacetada. Descreveu os seus primeiros espetáculos ao vivo no livro Stories From the Nerve Bible, publicado em 1993. Deu voz a um filme animado, editou Bright Red, co-produzido por Brian Eno, e criou diversas apresentações multimédia, entre as quais, uma inspirada por Moby Dick. Depois de um interregno, regressou com Life on a String, de 2001.
No mesmo ano, Anderson fez uma digressão, interpretando as suas peças mais conhecidas e confirmando a contemporaneidade do seu trabalho. Interpretou «O Superman», uma semana após o 11 de Setembro. A letra diz, “aí vêm os aviões; são aviões americanos; feitos na América…”. O concerto foi retratado no álbum Live in New York, editado em 2002.
Ao longo dos anos, Anderson colaborou com artistas tão diferentes como Peter Gabriel, David Sylvian, Jean-Michel Jarre, Brian Eno, Bobby McFerrin ou Dave Stewart. No novo milénio, Laurie Anderson narrou um documentário sobre Andy Warhol e atuou em Came So Far For Beauty, um tributo a Leonard Cohen, em 2006.

LAURIE E LOU

Desde meados dos anos 90, Anderson é companheira de Lou Reed, tendo ambos colaborado musicalmente diversas vezes: Anderson participou em «Call On Me» do álbum The Raven, em «Rouge» e «Rock Minuet» de Ecstasy, e «Hang On To Your Emotions» de Set the Twilight Reeling. Lou Reed, por seu lado, participou em «In Our Sleep», do álbum Bright Red e «One Beautiful Evening» de Life on a String.




































No 11 de Setembro, Reed estava separado de Anderson. A primeira coisa de que se lembrou foi da companheira, escrevendo-lhe o poema «Laurie Sadly Listening», publicado na New York Times Magazine a 6 de Outubro de 2001: Laurie if you’re sadly listening/The birds are on fire/The sky glistening/While I atop my roof stand watching.

ESTRANHAMENTE ATUAL

Tanto a nível temático como musical, Anderson sempre esteve adiantada em relação aos tempos, embora cantasse, em 1982, “this is the time, and this is the record of the time”. Mas a “grande ciência” de Laurie é do nosso tempo também. Na época, Laurie apercebeu-se da ansiedade sociopolítica da sociedade americana e do anseio quase obsessivo por segurança, numa época de ofensivas militares por parte de um país que nunca esqueceu as cicatrizes do Vietname.
O conforto gélido da tecnologia que aproxima e afasta os seres humanos parece prever a Era da Internet.
Em «The It Tango», explora a dificuldade que os homens e mulheres encontram em falar a mesma linguagem.


O material bónus da reedição de Big Science – Enhanced (2007), inclui «Walk the Dog» o lado b de «O Superman», o vídeo do tema e apontamentos de Laurie Anderson acerca do álbum. Ao longo dos anos, o encanto hipnótico das composições de Anderson deu bastante trabalho aos críticos, que se esforçaram por traduzir a sua música em palavras. Andy Gill escreveu, no New Musical Express: “Há uma qualidade onírica e subconsciente nas suas composições, que as faz trabalhar a um nível psicológico mais profundo.”

Paul Simon - Graceland

Editado em 1986, vendeu 14 milhões de cópias em todo o mundo. Venceu o Grammy por Melhor Álbum e, no ano seguinte, o de Melhor Canção, algo sem precedentes. Os seus três singles foram um sucesso e Paul Simon promoveu o álbum na estrada durante cinco anos, cantando com a lendária Miriam Makeba e os Ladysmith Black Mambazo, entre outros.
paul simon under african skies (6)

RAÍZES

Apesar do título remeter para um “estado de graça”, mais do que para a famosa mansão de Elvis – coincidência que só lhe ocorreu depois –, o álbum foi despoletado por uma fase má. Hearts and Bones, de 1983, foi o primeiro projeto de Paul Simon que fracassou comercialmente, embora hoje seja visto a outra luz. No mesmo ano, Paul formaliza a relação com a atriz Carrie Fisher (a ‘Princesa Leia’ de Star Wars), mas o casal divorcia-se seis meses depois.
Simon e Carrie Fisher.
Simon e Carrie Fisher.

Nas palavras de Simon, “quando se tem um fracasso pessoal aliado a um fracasso artístico, pode-se entrar em parafuso. Foi o que me aconteceu. As coisas só melhoraram quando comecei a ouvir música sul-africana. Um amigo emprestou-me uma cassete que eu ouvia no carro.”
“Ninguém achou grande ideia. Disseram, ‘vai usar ritmos africanos para revitalizar a carreira’. Mas, quando sabemos que ninguém está a observar, podemos fazer o que nos apetecer.”

IDEIAS E REALIDADES

Graceland causou polémica quando Paul Simon foi a Joanesburgo gravar com músicos locais. “Isso não é nada a não ser roubar!”, acusou um estudante negro numa conferência que Simon deu. O músico respondeu, nervoso: “Achas que é fácil criar um disco assim? É só dizer, ‘vou até lá, arranjo uns músicos, faço umas letras, edito isto e já está’? Achas que conseguias fazer um sucesso disto?” As letras foram escritas com base nos ritmos e nas músicas, mas foi a conjugação de poesia urbana, amores falhados, problemas de comunicação e a ânsia por chegar a um entendimento com uma pessoa ou uma cultura, que fizeram de Graceland um disco universal.
A cassete que um amigo emprestou ao músico e que despertou nele o interesse pela música africana.
A cassete que um amigo emprestou ao músico e que despertou nele o interesse pela música africana.
Paul Simon foi também acusado de quebrar o boicote cultural das Nações Unidas à África do Sul, algo que fez inadvertidamente. “Eu achava que era só para músicos que lá fossem tocar. Não penso que esse boicote se destinasse a impedir que a cultura e a arte sul-africanas fossem divulgadas no mundo.” De resto, foi assim que os músicos negros encararam a questão, apreciando o gesto apolítico de Simon e agradecendo a exposição internacional que deu à cultura musical africana.
O Apartheid causou-lhe inúmeros transtornos; deu concertos sob ameaça de bomba e atuou com uma rede entre o palco e público. O irmão de Joseph Shabalala, (líder dos Ladysmith Black Mambazo) foi assassinado de maneira violenta: Um tiro na cara. Perturbado com o que considerou um crime racista, o cantor chorou em palco. Mas Shabalala apoiou Paul Simon: “Não o considero um amigo. Considero-o um ser humano. Um irmão.”
Para Simon, o projeto era “o mesmo que dizer, ‘entendemo-nos musicalmente. Porque não passar isto para o plano da realidade’?” No entanto, em 1992, já na digressão Rhythm of the Saints, as ameaças prosseguiram e o escritório do promotor de um concerto foi alvo de um ataque à granada.

IN MY LITTLE TOWN

paul simon under african skies (2)Um dos raros cantores/compositores que conjuga quase sempre o reconhecimento da crítica com o sucesso comercial, Paul Simon nasceu em Newark, New Jersey, em 1941, e cresceu em Queens, Nova Iorque. Conheceu Art Garfunkel em 1956. Decidem atuar sob o nome “Tom and Jerry” e gravam o single «Hey, Schoolgirl», número 49 nas tabelas de vendas, sucesso assinalável para dois adolescentes, mas que não teve continuidade. Simon queria seguir a carreira musical, mas licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas. Era um autodidata, embora fosse já um guitarrista exímio. No início da década de 60, escrevia canções para outros artistas, gravando as “demos” sob pseudónimos. Entretanto, o duo tenta novamente o mundo da música.
Quando gravaram o primeiro disco “sério”, Wednesday Morning 3 A.M. (1964), a denominação “Tom and Jerry” não se adequava. A solução foi usar os apelidos. Como disse Mike Nichols, realizador de The Graduate, “naqueles tempos, nenhum artista tinha um nome como Garfunkel… era preciso lata”. Mas o álbum não vendeu e Simon partiu, desanimado, para Inglaterra. 1965 foi o ano do folk-rock de Bob Dylan. A Columbia decidiu lançar o single «The Sounds of Silence» adicionando guitarras elétricas e bateria, com o desconhecimento da dupla. A canção chegou a número 1 do top, e Simon regressou aos EUA, gravando, com Garfunkel, o álbum homónimo, dando continuidade ao sucesso inesperado.
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Simon e Garfunkel eram amigos, mas, com as pressões e as constantes digressões, a relação começou a desagregar-se. Simon era pacato, reservado e metódico; sentia-se mais à vontade no estúdio, onde era perfecionista. Ao vivo, custava-lhe lidar com a atenção. “Nesse aspeto, o Art deu-me a autoconfiança que me faltava.” Garfunkel explica que “Paul não pareceu muito divertido com o nosso sucesso”. De facto, as canções sobre suicidas, solidão e alienação refletiam o humor de Simon, o que veio a provocar algumas batalhas com a depressão.
A dupla conquistou o Grammy para melhor álbum do ano com Bookends, em 1966, e The Graduate, em 1969, mas o auge do sucesso foi Bridge Over Troubled Water, vencedor absoluto dos Grammies de 1970. Ironicamente, foi o fim; a tensão acentuara-se, com Garfunkel a querer seguir uma carreira no cinema e Simon a querer enveredar por outros estilos musicais.
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Simon começa uma fulgurante carreira a solo, com o álbum homónimo de 1971. Durante a década de 70, lançou êxitos como «Kodachrome» ou «Me and Julio Down By the Schoolyard». As ligações com o cinema pareciam fortes, chegando a entrar em Annie Hall de Woody Allen. No final da década, os problemas contratuais obrigaram a um afastamento, mas regressou em 1980, escrevendo o argumento e compondo a banda sonora de One-Trick Pony.
O filme foi um flop, mas a banda sonora integrava temas como «Late in the Evening». No ano seguinte, Simon e Garfunkel reúnem 500 mil pessoas no Central Park para um concerto histórico. Planeavam lançar um disco de inéditos, mas os desentendimentos do passado reavivaram-se, e Simon lançou o álbum a solo: Hearts and Bones.

CURIOSIDADE SOBRE OUTRAS CULTURAS

Quem conhece a carreira de Paul Simon, sabe que esta curiosidade por outros ritmos começou no final dos anos 60, com «El Condor Pasa», ainda num álbum de Simon & Garfunkel. No primeiro álbum a solo, arriscou o reggae e ritmos brasileiros. Estudou a música de Tom Jobim e saiu-se com Still Crazy After All These Years, em 1975, vencendo o Grammy de Melhor Álbum.
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Recentemente, tem gravado poucos álbuns, mas mantido um nível de qualidade notável. Ainda assim, não conseguiu evitar polémicas. No musical The Capeman, acusaram-no de “glorificar um assassino”, por exemplo.
Há 20 anos, Philip Glass disse: “Temos de ouvir “Gershwin, Cole Porter e Irving Berlin para encontrar um talento comparável ao de Simon.”
Nos anos 90, perguntaram a Carrie Fisher quais as canções que o ex-marido mais apreciava. “Ela não gostava nada do «I Am a Rock» e outras coisas… mas de Graceland, sim. Orgulhava-se disso. De todo esse trabalho.”

Mark Knopfler

No Hurlingham Club londrino a 9 de setembro de 2009.

Mark Knopfler é dos poucos músicos veteranos que consegue inspirar curiosidade pelo seu regresso. Já deram o seu nome a um dinossauro – Masiakasaurus knopfleri –, o que o divertiu, até porque os investigadores estavam a ouvir Dire Straits quando o descobriram. Desde o início, Knopfler foi a prova de que um grupo pode ser interessante apenas pela música e não pelas declarações bombásticas, pelo visual espampanante ou o exibicionismo.
mark knopfler dire straits (39)O quarteto que surgiu em 1977 era composto por um ex-baterista de jazz introvertido, um baixista que movia os pés como um pinguim e um jovem silencioso de cabelo comprido. A este trio juntava-se um guitarrista que entrava em palco de impermeável e cabelo despenteado – parecia ter passado o dia a trabalhar como estafeta. O frontman deste belo ramalhete era filho de um arquiteto judeu, cujas simpatias comunistas o obrigaram a fugir da Hungria. Os pais estabeleceram-se em Glasgow, na Escócia, onde Mark nasceu, tendo passado a infância na cidade inglesa de Newcastle, de onde a mãe era originária.
A voz grave de Knopfler contrastava com os sons líricos que extraía da guitarra, característica que mantém. Os tons de diamante da Stratocaster pontuam a beleza das melodias. Mark tem tido sempre uma dualidade: Temas românticos contrapostos a análises mais sombrias e irónicas dos tempos. Um cronista musical com influências literárias, criou temas em que o tom resignado se associa a frases de guitarra melodiosas.

OS QUATRO DO APOCALIPSE

«Dire Straits» significa «Mark Knopfler». Com uma imagem que faria estremecer qualquer publicitário nos dias de hoje, o grupo passara meses a ensaiar num cubículo fumarento de um apartamento minúsculo em Deptford, Londres. «Dire Straits» (terríveis apertos) foi o comentário de um amigo às condições em que os quatro viviam. Mark era, já nessa altura, o génio por detrás do som. Um dos guitarristas mais elegantes de sempre, criou uma sonoridade fluída, versátil e veloz, inspirando-se em Chet Atkins e J.J. Cale. “As pessoas mais criativas são esponjas”, disse certa vez. “Absorvem uma coisa e expulsam outra.” Usava poucos efeitos, apenas um compressor e um pedal de volume.
Depois de absorver o boogie-woogie, a country e os blues, o canhoto Knopfler foi obrigado a tocar violino como um destro. Mais tarde, ao dormir em casa de amigos, pegou numa guitarra acústica com cordas finas e descobriu que, ao apoiar dois dedos na caixa com a mão direita, conseguia extrair um som diferente. Adormeceu a tocar guitarra e a ver Once Upon a Time in the West. E o estilo foi-se desenvolvendo.
Quando era jornalista, passava as noites a tocar guitarra. Primeiro, um acorde, depois outro. Quando eram cinco da manhã, deitava-se e, de manhã, alguém da redacção dizia, “telefonem ao Knopfler”. Os colegas estranhavam o ar sonolento. De início, era lento na máquina de escrever, mas começou a acertar com as teclas, “tal como acertava com as notas da guitarra”.
“Não canto bem. Tentei fazer da guitarra a minha voz.” Desde que deixou de fumar, Knopfler fez progressos vocais, que se podem notar em todos os álbuns a partir de Shangri-La. Em All the Roadrunning, álbum de duetos com Emmylou Harris, compôs quase todos os temas e canta harmonias sem problema, o que é um feito, já que está ao lado da rainha da country.

NÃO HÁ DEMOCRACIA NAS BANDAS

mark knopfler dire straits (53)Os quatro músicos gravaram uma “demo” enviada para o DJ Charlie Gillett, que reconheceu algo de inovador numa canção chamada «Sultans of Swing». Utilizando a guitarra como extensão e complemento da voz, Knopfler tornou conhecido o seu apelido húngaro. Assistira a um grupo de músicos de jazz a tocar num pub londrino e fez disso uma história. Adicionou-lhe um solo matemático sobreposto a três acordes, que, apesar de não ser uma pirotecnia, provou ser eficaz.
Os Dire Straits fizeram várias digressões longas e esgotantes pelos Estados Unidos, com Knopfler a acabar, a maior parte do tempo, num dos lugares da frente da camioneta, incapaz de comunicar com a banda ou com o público, mergulhado numa depressão. Motivo: Holly Beth Vincent, a vocalista dos Holly and the Italians. Os Straits regressaram com o seu melhor álbum Making Movies, em 1980. «Romeo and Juliet», uma das suas melhores canções, foi diretamente inspirada na relação com Holly Vincent, que o guitarrista sempre se escusou a comentar. A cantora disse, numa entrevista, “oh, Knopfler, yes, I used to have a scene with him”, afirmação que o feriu e que é citada no tema.
O irmão, David, incentivou-o a escrever algo sobre o tempo em que eram miúdos em Newcastle, e iam ao parque de diversões. O resultado foi «Tunnel of Love». O produtor Jimmy Iovine comentou: “O álbum parece uma música inteira.” Mark desentende-se com David durante as gravações e despede o irmão. Começa a ser considerado um mastermind, mas também um indivíduo calculista.
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“Os grupos não funcionam com base na democracia. É raro. Tem de existir alguém que lidere. E o Mark era indiscutivelmente essa pessoa”, comentou um observador. “Isso trouxe-lhe muitos dissabores.”
Em 1983, produziu Infidels, de Bob Dylan. As coisas nem sempre correram bem e Knopfler terá abandonado uma das sessões bastante perturbado. Quando entrevistei Mick Taylor, ex-guitarrista dos Rolling Stones, perguntei-lhe como correram as gravações. Este respondeu que gostou imenso de trabalhar com Dylan, mas que Knopfler lhe inspirou uma certa antipatia, já que se comportava de modo “ditatorial”. Contudo, há muitos anos que Dylan não tinha um álbum tão bem produzido.
O baterista Pick Withers foi a baixa seguinte. “Se continuasse nos Dire Straits, seria milionário por esta altura, mas não sei que tipo de pessoa seria.” A partir daqui, Knopfler começou a contratar músicos e a dizer-lhes exatamente o que tocar.
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“TUDO TEM DE SE ENCAIXAR”

A principal característica de Mark Knopfler é a diversidade do seu talento enquanto guitarrista, compositor, letrista, produtor, alguém que possui uma visão global da música. As palavras que utiliza são musicáveis, perfeitamente enquadradas na melodia como um tiquetaque, ao estilo da música brasileira. Escolhe guitarras de determinado ano para um solo e regozija-se com esses desafios. “Tudo tem de se encaixar. Adoro fazer digressões, gravar, ensaiar, todos os aspetos desta profissão. Se assim não for, acaba em lágrimas. É preciso um grande ímpeto para lançar uma banda de garagem. Se não o tens, esquece”, referiu numa entrevista.
mark knopfler dire straits (40)Em 1988, antes do concerto de homenagem a Nelson Mandela, afirmou: “Tudo isto, atrás de mim [apontando para as guitarras e equipamento] não significa nada. Tive os meus filhos e apercebo-me que tocar num palco é entusiasmante, mas não deixa de ser uma treta completa.”
Contudo, Mark Knopfler faz discos porque quer, já é multimilionário desde meados dos anos 80. Não queria ressuscitar os Dire Straits para o último disco e digressão de On Every Street. Foi pressionado pelas dificuldades económicas dos outros elementos e também pelo interesse dos fãs.
“Um executivo da editora diz-nos que quer um novo álbum. Mas é diferente quando um tipo nos vem arranjar o vídeo a casa e diz, ‘olá, Mark, para quando um novo disco?’”
Com o renascimento de Golden Heart, em 1996, Knopfler começou a utilizar mais a Gibson Les Paul, explorando uma sonoridade densa. A sua costela escocesa revelou-se na música que compôs. “Pensei que era irlandesa. Mas um dos músicos disse-me, ‘não, é escocesa’. E perguntei-lhe, ‘como sabes?’ E ele respondeu, ‘nota-se pelos intervalos’.” Colaborou com os Chieftains e, no DVD A Night In London, agradeceu a colaboração de alguns elementos, depois de um tema: “Vemo-nos no bar…”
O fim dos Straits coincidiu com a estabilidade emocional que encontrou com a atriz Kitty Aldridge, há mais de 15 anos, embora Mark continue a abordar o romantismo do ponto de vista de um Gershwin. O trilho de migalhas de pão – citado em «True Love Will Never Fade» – conduz o narrador ao sítio onde deveria estar. Um tema sobre um artista de tatuagens assume, deste modo, um significado ambivalente.

O REPÓRTER MUSICAL

As suas canções, embora se tenham tornado estandartes do rock FM, baseiam-se sempre em ideias. Ao ouvir os reparos de um lojista acerca das estrelas da MTV, Knopfler escreveu «Money for Nothing». «Calling Elvis» inspira-se numa frase do cunhado, “quando tentas telefonar à tua mulher, parece que estás a ligar ao Elvis”.
«Brothers in Arms» foi inspirada por uma frase do pai, durante a guerra nas Falkland:
“Disse-me que os russos e os argentinos eram camaradas de armas. Que a Rússia comunista era ‘camarada de armas’ com a ditadura militar da Argentina. E o termo ficou-me, embora a canção não seja sobre isso. Lembrei-me de um soldado a morrer no campo de batalha, talvez com alguns camaradas à volta… e a ideia de mundos antagónicos dentro de um só mundo. Julgo que deve ter passado pela cabeça de muitas pessoas, quando estão à beira do penhasco… é estúpido. Somos estúpidos em participar em qualquer guerra.”
Mark Knopfler escreveu «Private Dancer», durante as sessões de Love Over Gold, mas achou que o tema precisava de uma vocalista. Encontrou-a em Tina Turner, ofereceu-lhe a canção e deu um impulso decisivo ao relançamento da cantora, nos anos 80. Foi distinguido em 1993 pela Universidade de Newcastle e, em 1995, pela Universidade de Leeds. Recebeu uma terceira honra da Universidade de Sunderland, reconhecendo o seu trabalho excecional enquanto músico.
O detetive Marlowe, de Raymond Chandler, inspirou «Private Investigations». «Your Latest Trick» baseia-se num dia em que regressava do estúdio, em Nova Iorque. “Os taxistas, uma canção no rádio… sempre gostei da ideia dos camiões de lixo nova-iorquinos. São gigantescos, monstruosos e fazem um ruído incrível. São bestas pré-históricas. Uma coisa leva à outra. Temos fragmentos e, muitas vezes, construímos as canções a partir disso.”
Escreveu sobre dois paparazzi em «Vic and Ray», sobre as mulheres viciadas em compras em «Imelda», sobre um fã fanático em «Rüdiger», ou sobre os excessos dos “roadies” em «Heavy Fuel». Descreveu o West End londrino, e relatou “um penoso espetáculo de cabaré gay” em Munique, no tema «Les Boys». Muito do álbum On Every Street, que marcou o regresso dos Dire Straits em 91, é negro e opressivo, o que se deve à fase terminal do seu segundo casamento.

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O HOMEM NÃO MUDOU MUITO

«Ticket to Heaven» é uma crítica mordaz aos evangelistas televisivos, enquanto «Devil Baby», em tom irónico, descreve os tristes espetáculos dos reality shows de Jerry Springer. Os Estados Unidos sempre fascinaram o músico a vários níveis. Porém, Mark observa o país a três dimensões. Nem Ray Kroc – fundador da McDonalds – escapa à ironia de Knopfler, que lhe dedicou «Boom Like That», equiparando-o a um crocodilo… Em «Don’t Crash the Ambulance», Knopfler imagina vários conselhos que Bush pai terá dado a Bush filho, elaborando uma crítica sarcástica à agressiva política externa da presidência e à intervenção no Iraque:
“We don’t like accidents/Major or minor/You don’t want yourself an incident/don’t ever invade China.” Na voz de Bush pai, afirma: “You can’t move the barriers/You can’t mess with oil and gas/Had to go down there/Stick a couple/Aircraft carriers/In his ass…”
Outro tema, «Secondary Waltz», foi inicialmente gravado nas sessões de Golden Heart, antes de surgir em Kill to Get Crimson, sendo divulgado em discos piratas. Originalmente, possuía um estilo sincopado, reaparecendo com uma sonoridade folk. O tema foca o antigo professor de ginástica de Knopfler, um escocês, ex-militar e rígido, que ensina os alunos a dançar. As crianças “dançam a valsa com medo nos corações”. Knopfler demorou anos a encontrar a música certa. “Não me preocupo demasiado se a melodia não surge. Espero que aconteça, nem que demore 40 anos”. A letra de «Rüdiger», por exemplo, foi escrita aquando do assassínio de John Lennon, mas a canção só seria gravada 16 anos depois.
Em «Iron Hand», a “mão de ferro” remete para “dama de ferro”. O tema é resultado de mais uma reflexão. Ao assistir, na TV, à carga violenta das tropas montadas a manifestantes, durante o governo de Margaret Thatcher, Knopfler lembrou-se da época medieval e concluiu que o Homem não mudou muito.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

THE BEATLES editaram "Love Me Do" há 53 anos

THE BEATLES - ‘LOVE ME DO’

Parlophone, 1962

Foi há 53 anos. A 5 de outubro de 1962 um grupo de quatro rapazes de Liverpool editava um single, nascido depois de três sessões de gravação em estúdios de Londres. Animado pela presença da harmónica tocada por John Lennon, 'Love Me Do’ está longe de ser um dos maiores sucessos da obra dos Beatles, mas transporta aquela carga mítica de ter sido o primeiro. E começaram muito bem, convenhamos…