terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Frank Sinatra faria hoje 102 anos

“The Voice” calou-se a 14 de Maio de 1998

Falar de Frank Sinatra é falar de um dos maiores cantores do século XX. Um verdadeiro ícone, que dividiu a sua actividade entre os palcos e o cinema, sempre com aquela voz inconfundível. Se fosse vivo, Frank Sinatra faria hoje 100 anos, pois nasceu em Hoboken a 12 de Dezembro de 1915, mas faleceu a 14 de Maio de 1998, em West Hollywood (Los Angeles).
Frank Sinatra interpretou uma carreira recheada de êxitos, uma das mais gloriosas da História da Música Popular. Mesmo antes dos Beatles já Frank Sinatra se tinha cruzado com a “histeria” da sua multidão de fãs. Cantor idolatrado, mas também actor em plena época glamourosa de Hollywood, Frank Sinatra coleccionou sucessos discográficos, sobretudo no período do pós-guerra. Uma das suas mais famosas canções “My Way” detém ainda o recorde britânico do single que mais tempo se aguentou nos “charts”: 136 semanas!
A carreira do jovem Sinatra começou em 1935, muito por culpa da sua mãe que convenceu um grupo vocal local, os 3 Flashes,  a aceitá-lo como membro. O grupo iria então tornar-se conhecido por The Hoboken Four. Mas também nesse mesmo ano, aos 19 anos de idade, Frank Sinatra iria ter a sua primeira participação no cinema como actor. Mas este episódio quase que foi apagado da biografia do actor, pois o filme em questão era pornográfico. Frank Sinatra terá recebido 100 dólares para aparecer na fita como um bandido mascarado. Já depois de se ter tornado um artista famoso, Frank Sinatra terá tentado junto de influentes amigos impedir a distribuição e exibição do filme pornográfico, então chamado de “blue movie”. Ao todo, ente 1944 e 1984, “The Voice”, como ficou conhecido Frank Sinatra, participou como vedeta principal em 56 filmes e programas especiais de televisão.
“Entertainer” maior da América, pago a peso de ouro, capaz de arrastar multidões, Frank Sinatra tomou a decisão de não actuar em qualquer casino ou hotel de Las Vegas enquanto estes não aceitassem artistas negros, numa clara manifestação contra o racismo reinante no Estado do Nevada. Contudo, mais tarde, na década de Frank Sinatra60 Frank Sinatra iria estabelecer a sua residência em Las Vegas. A sua figura ultrapassava claramente o mundo do “show business”, com importante influência no mais alto meio político norte-americano. As suas relações com a Máfia, nunca totalmente esclarecidas, fazem também parte da vida ímpar deste ímpar cantor.
Em plena época dominada pelo Rock ‘n’Roll, Frank Sinatra não escondeu a sua aversão a este novo estilo musical, considerando-o “a mais brutal, feia e viciosa forma de expressão que tive o desagrado de ouvir”. Sobre a canção “Light My Fire” dos Doors disse mesmo que “foi o pior disco que ouvi!”. Expressões que mostram bem a forma como Frank Sinatra odiava o novo ritmo que tinha conquistado a juventude. Mas as gerações mais velhas, os seus fãs de sempre, mantiveram-se fiéis ao “crooner” – um dos maiores do século XX. Ao longo da sua carreira, Sinatra vendeu mais de 150 milhões de discos.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

"Hotel California" dos Eagles, lançado a 8 de dezembro de 1976.

Houve uma época em que os álbuns ganharam muito mais importância em relação aos singles. Se for necessário situar esse tempo mais especificamente, diria que a década de 70 foi a mais prolífera em se tratando de voltar as atenções do público para um trabalho como um todo, ao invés de canções em separado. Discos como Rumours (Fleetwood Mac), IV (Led Zeppelin) Boston (Boston), The Dark Side of the Moon (Pink Floyd) e Bat Out of Hell (Meat Loaf) venderam dezenas de milhões de cópias e ajudaram a solidificar esse status. Mesmo os singles ou músicas de mais sucesso extraídas desses álbuns fugiam de formatos mais convencionais. Não raro eram longas, e mesmo assim eram muitas vezes executadas sem edição nas rádios. Entre esses artistas também estava o grupo norte-americano Eagles, que, em se tratando do seu país de origem, foram os soberanos da década.

Em 1976 a situação dos Eagles não poderia ser melhor. A banda vinha de uma sequência de álbuns de sucesso, sendo que os seus dois últimos lançamentos, One of These Nights (1975) e a recente colectânea "Their Greatest Hits (1971-1975)" (que se tornaria o segundo álbum mais vendido da história nos EUA) haviam ocupado o posto mais elevado da Billboard. Dos seus quatro últimos singles, dois haviam chegado à primeira posição nas tabelas norte-americanas ("Best of My Love" e "One of These Nights"), um alcançara a segunda colocação ("Lyin' Eyes") e outro beliscou o quarto posto ("Take It to the Limit"). Além do gigantesco reconhecimento por parte do público, "Lyin' Eyes" havia conquistado o prémio Grammy como melhor performance pop por uma dupla ou grupo com vocais. Por outro lado, a banda tinha acabado de sofrer a primeira baixa na sua formação; mas até nisso os Eagles não foram azarados, pois para o lugar do vocalista e multi-instrumentista Bernie Leadon entrou um dos mais habilidosos guitarristas da época: Joe Walsh (ex-The James Gang), que também era multi-instrumentista e vocalista.
Mesmo com tudo a seu favor, a banda entrou no estúdio Criteria, em Miami, com a intenção de consolidar ainda mais o seu nome, como a atracção número um dos Estados Unidos. Oito meses foram passados, tanto no Criteria como no Record Plant, em Los Angeles, até que o grupo tivesse encerrado o processo de produção desse álbum que, durante as gravações, se encaminhou para um rumo conceptual. Os Eagles já tinham feito um disco semi-conceptual em 1973 com o excelente Desperado, que mesmo não seguindo uma narrativa linear, versa sobre histórias ambientadas no oeste norte-americano durante o século XIX, expressando as influências musicais que tinham as suas mais profundas raízes fincadas nessa época.

Entretanto, em Hotel California a banda foi mais além. Ao invés de escreverem letras de temática distante da realidade, resolveram olhar para os próprios umbigos e retratar a realidade que rodeava os cinco músicos, que, saídos de diversas regiões do país, acabaram por se unir em busca de fama e fortuna na "terra prometida", a Califórnia. Talvez com a excepção de "Pretty Maids All in a Row" e "Try And Love Again", os Eagles buscaram, através de diversas metáforas focadas no universo californiano de excessos que a banda vivenciava, apresentar as benesses e as agruras, a pujança e a decadência dos Estados Unidos como um todo. Não à toa as mais mirabolantes teorias surgiram a respeito da temática utilizada nas letras do álbum, especialmente tratando-se da faixa-título. O "hotel" em questão já foi tido como um hospital psiquiátrico, uma igreja tomada por satanistas e até mesmo a mansão de Aleister Crowley, entre outras coisas. As letras sugerem referências diversas, e esse é um dos pontos positivos de Hotel California, colocar os ouvintes a reflectirem, ao mesmo tempo sugerindo interpretações diversas. Claro que, mesmo mais de 40 anos após o lançamento do disco, os membros da banda ainda são inquiridos constantemente a respeito do significado das letras, facto que já os irritou por diversas vezes, dada a grande insistência e a quantidade de perguntas já respondidas em diversas oportunidades.
Don Henley

Não foi apenas liricamente que o grupo deu um passo em frente nesse álbum. Musicalmente, os Eagles mostraram-se ainda mais amadurecidos do que no já sofisticado One of These Nights. Rotulado por muitos como apenas um empacotador da fórmula criada anteriormente por grupos como The Byrds e The Flying Burrito Brothers, polindo o seu rock infectado de country até que esse se tornasse mais palatável para o ouvinte médio norte-americano, os Eagles soam mais sólidos do que nunca em Hotel California. A adição de Joe Walsh no lugar de Bernie Leadon (que fez parte do The Flying Burrito Brothers) trouxe um approach mais hard rock à banda, e a performance do baterista e vocalista Don Henley e do baixista e vocalista Randy Meisner é a mais roqueira de toda a discografia do grupo até então. O guitarrista e vocalista Glenn Frey concentrou-se mais nas bases, enquanto Joe Walsh e Don Felder solaram com bom gosto, e brilharam para o grupo.

Outro diferencial importantíssimo foi a ascensão de Don Henley como principal vocalista do grupo, cantando cinco das nove canções do álbum (uma é instrumental). Até então, havia uma distribuição quase igualitária do número de faixas que cada um dos músicos cantaria, dependendo também da autoria das canções, geralmente equilibrada, com excepção do guitarrista Don Felder, que na sua carreira com os Eagles cantou apenas a faixa "Visions", de One of These Nights. Talvez essa tenha sido uma das razões para acirrar a guerra de egos que se reforçaria no grupo dali em diante e resultaria no final da banda em 1980 de maneira nada pacífica, culminando com um concerto que teve lugar em Long Beach, no qual Glenn Frey e Don Felder trocaram ameaças inclusive sobre o palco.

Lançado após meses de trabalho e com o perfeccionismo de Don Henley chegando a raias quase intoleráveis pelos outros integrantes, Hotel California chegou às lojas no dia 8 de dezembro de 1976. Em apenas cinco dias, a 13 do mesmo mês, o álbum chegou a disco de ouro (500 mil cópias comercializadas), e dois dias depois alcançou a platina (1 milhão de cópias). O disco não apenas chegou à primeira posição na Billboard como permaneceu nesse posto durante oito semanas, chegando à impressionante marca de 16 milhões de cópias vendidas apenas nos Estados Unidos. No futuro o álbum seria sempre um dos protagonistas de todo o tipo de lista que se prestou a agregar os melhores e mais importantes discos já lançados na história da música moderna, tanto no rock quanto na música pop em geral.
Beverly Hills Hotel, o "Hotel California"
da capa do álbum
Mas será que o conteúdo do disco é suficiente para justificar todo esse sucesso e reconhecimento conquistado pelos Eagles, uma banda que, apesar de todo o seu êxito comercial e da forte presença na cultura popular do seu país, não incutiu tanta influência musical a nível mundial? É o que pretendo discutir nos próximos parágrafos.

"Hotel California", a música, pertence ao rol de canções que foram executadas até à exaustão, e por isso, já não conseguem ser escutadas da mesma maneira por muita gente, tendo praticamente expirado o seu "prazo de validade". Outros não a apreciam devido aos rótulos com os quais a música foi tachada (brega, auto-indulgente), seguindo a maré. Contudo, é inegável que se trata de uma música antológica, carregada das mais diversas histórias a respeito dos seus mais de seis minutos o quanto é possível. Aliás, o facto de, mesmo com a sua longa duração ter alcançado o topo da tabela de singles, remete à introdução deste texto e à época atípica em que o álbum foi lançado. "Hotel California" não é nada convencional, mesmo para os padrões dos Eagles. Foi Don Felder quem teve a ideia inicial e mostrou o esqueleto da canção para Don Henley e Glenn Frey, quando ela contava com o título provisório de "Mexican Reggae". Henley e Frey ajudaram a arranjar a música, criaram o refrão, e Henley escreveu a letra que suscitaria tantas interpretações posteriores. Não vou citar aqui todas as diversas teorias que foram criadas com o passar dos anos sobre "Hotel California", pois elas são muitas e em grande parte bastante infundadas. Porém, trago uma curiosidade: nos seus versos, apenas como uma brincadeira, Henley incluiu uma referência à dupla Steely Dan, no trecho "they stab it with their steely knives / but they just can't kill the beast". A citação deve-se ao facto de que os Steely Dan também fizeram uma referência à banda na faixa "Everything You Did", do álbum The Royal Scam (1976), no verso "turn up the Eagles, the neighbours are listening", onde é descrita uma briga entre o autor e a sua namorada, com o autor a pedir para que a mulher aumentasse o volume da música que estava a ser ouvida (do Eagles), para que os vizinhos não escutassem a discussão. Supostamente, a namorada de Walter Becker dos Steely Dan, seria uma grande fã da banda, facto que teria inspirado o verso. Contudo, não existem declarações que confirmem esse rumor. O que existe é o facto de que os dois grupos compartilhavam o mesmo empresário (Irving Azoff) e mantinham uma rivalidade amigável nos anos 70.
Glenn Frey

Como está explícito no título provisório da faixa, um andamento próximo do mais famoso dos ritmos jamaicanos conduz a maior parte da canção, bastante swingada, levando ao refrão cheio das harmonias vocais tão características do grupo. A introdução, tocada numa viola de 12 cordas, remete imediatamente, mesmo aos ouvintes mais leigos, a esta música que ficou gravada na mente de milhões de pessoas espalhadas por todo o mundo. A letra, mais do que apenas um amontoado de estrofes que causam tanta discussão até hoje, constitui uma muito inteligente escolha de palavras, contribuindo para a construção das lindas melodias vocais de Don Henley. Mas nada em "Hotel California" é tão marcante quanto a longa sequência de solos que se inicia aos quatro minutos e vinte de música e se encaminha até ao final da faixa. Don Felder e Joe Walsh trocam belíssimos e melodiosos solos com as suas Gibson SG e Fender Telecaster, respectivamente, mas soam especialmente maravilhosos quando executam as suas linhas em dueto, cunhando um dos solos mais memoráveis da história do rock.

Glenn Frey é o vocalista da seguinte, a semi-acústica "New Kid in Town", provavelmente a mais próxima do passado recente do grupo. A música, que também chegou ao primeiro posto da Billboard, é uma perfeita configuração daquilo que passou a ser denominado como "soft rock" na época. Uma balada pop rock com o tempero country precioso para a banda nos seus primórdios, denotando a influência dos pioneiros do género, além de um toque latino, mas com um esmero muito especial em se tratando das harmonias vocais, que inclusive renderiam em 1977 um Grammy na categoria "melhor arranjo para vozes" a essa faixa. Tudo funciona na perfeição nessa música que mostrou a capacidade dos Eagles em transformar uma canção simples, num festival de arranjos, mas sem soarem auto-indulgentes em momento algum.

O então recentemente aflorado lado hard rock dá as caras em "Life in the Fast Lane", com um fantástico riff inicial, cortesia de Joe Walsh, e uma carga de distorção não experimentada anteriormente pelo grupo, casando perfeitamente com a letra, que versa sobre o estilo de vida cheio de excessos de um hipotético casal, mas que certamente se refere às experiências que a fama e o dinheiro trouxeram aos cinco integrantes, incluindo festas, carros, mulheres e drogas, muitas drogas, explícitas no verso "there were lines on the mirror, lines in her face", uma clara alusão à cocaína. É importante destacar nessa faixa a afirmação do baterista Don Henley, também cantor da faixa, e do melódico baixista Randy Meisner como uma cozinha capacitada para explorar com propriedade as plagas mais pesadas do rock.
Don Felder
"Wasted Time" traz Glenn Frey no piano e Joe Walsh no órgão, além de arranjos de cordas, embelezando essa ambiciosa canção que traz Don Henley na excelente interpretação de um lamento sobre tempo perdido, provavelmente na estrada, sina de um músico, sem poder se prender a relacionamentos. Contando com a faixa seguinte, "Wasted Time (Reprise)", uma espécie de "cauda" para a canção, trazendo os arranjos do condutor Jim Ed Norman em evidência, são pouco mais de seis minutos de um épico compacto, contando com uma característica especial na discografia do grupo, a presença mais discreta das harmonias vocais, relegadas a um segundo plano. Ponto para Henley, que cada vez mais tomava as rédeas do grupo e se mostrava um fantástico vocalista.

Canção mais convencional, "Victim of Love" é a única motivação que alguém pode ter para não rotular Hotel California como um álbum perfeito de cabo a rabo. Mesmo assim trata-se de outra óptima canção a explorar a veia hard rock da banda, dessa vez de maneira mais simples, mas sem jamais descuidar os esmerados arranjos, contando com Joe Walsh executando o slide e Don Felder descendo o braço de maneira mais displicente na sua guitarra. É necessário destacar a perfeita timbragem dos instrumentos em todo o álbum, mérito do perfeccionismo do grupo e do produtor Bill Szymczyk.
Joe Walsh

A voz fanhosa de Joe Walsh é a condutora da faixa seguinte, "Pretty Maids All in a Row", numa veia mais melódica do que o seu trabalho anterior, tanto em carreira a solo como nos The James Gang. Além de cantar, Joe toca piano e sintetizador na música, conduzida por estes dois instrumentos e pontuada por belas intervenções guitarrísticas, além de contar com uma discreta, mas perfeita base de violão, baixo e bateria. O Walsh por diversas vezes agressivo do The James Gang revela a sua faceta mais sensível, algo difícil de se imaginar levando em conta o seu comportamento selvagem na estrada, onde era famoso por carregar consigo uma moto-serra, a fim de "abrir portas" quando fosse necessário. Isso sem falar na destruição de banheiros e outros cómodos com o auxílio dos seus companheiros de estrada, em especial o baterista dos The Who, o falecido Keith Moon.

"Try and Love Again" é a filha única do baixista Randy Meisner, que deixaria o grupo após alguns meses de tournée, cansado da vida de estrada, recolhendo-se à sua casa no estado do Nebraska junto com a sua família. Randy, sempre o mais pacífico e amigável membro da banda, seria substituído por Timothy B. Schmitt, ex Poco, grupo original do próprio baixista. Meisner, autor e cantor da faixa, demonstra em "Try and Love Again" toda a sua sensibilidade lírica, unindo uma letra de romantismo explícito, mas não exacerbado, ao perfeito instrumental, contando com uma introdução que traz uma guitarra muito bem timbrada executando uma linda melodia. As suas linhas mais agudas trariam um problema aos Eagles após a sua saída, tanto que as canções originalmente cantadas por Randy seriam pouco tocadas ao vivo em épocas posteriores, com exceção do hit "Take It to the Limit", cantado por Glenn Frey.
Randy Meisner
Se a faixa-título e "Wasted Time" já possuíam tons épicos, é em "The Last Resort" que reside a gravação mais ambiciosa do grupo até então. Escrita em forma de narrativa mais linear, a música conta a história do crescimento da civilização branca norte-americana no oeste do país sob uma óptica crítica e actualizada à época. Narra a destruição dos Estados Unidos pelas mãos daqueles que, ao mesmo tempo em que buscavam um sonho, arruinavam a vida dos nativos e a própria terra na qual habitavam, satisfazendo as suas necessidades e ambições em nome de um suposto Deus que os espera no paraíso, enquanto destruíam o seu paraíso na terra. Musicalmente, a climática faixa leva o ouvinte a uma etérea viagem que merece ser acompanhada pela leitura da belíssima letra, para assim compreender melhor sobre o que Don Henley canta. Sintetizadores tocados por Joe Walsh e Henley dão uma maior sofisticação à canção, que também conta com certeiras intervenções de Don Felder tocando o pedal steel guitar. Devo admitir que, mesmo não sendo a minha favorita, "The Last Resort" talvez seja a maior realização de toda a carreira dos Eagles.

Ao término desta avaliação, não tenho como deixar de dar razão a todos os que apontam Hotel California como um dos mais importantes discos já lançados na história da música popular, retrato de uma época diferente, mostrando uma banda no auge, que apesar de todos os excessos, conseguiu focar todo o seu talento na criação de um documento histórico musical e lírico, de maturidade experimentada raras vezes e de um bom gosto que transcende décadas. Não é por causa da sua extrema popularidade que deve ser rejeitado pelos exploradores das obscuras plagas musicais. Trata-se de um item obrigatório na discoteca de qualquer um interessado em boa música, sem rótulos.

Track list:

1. Hotel California
2. New Kid in Town
3. Life in the Fast Lane
4. Wasted Time
5. Wasted Time (Reprise)
6. Victim of Love
7. Pretty Maids All in a Row
8. Try and Love Again
9. The Last Resort

domingo, 3 de dezembro de 2017

JIM DIAMOND (1951 - 2015)

Chamaram-lhe "a resposta escocesa a Ray Charles" pela forma ritmada de tocar piano e pelo estilo carregado de sentimento, próximo da soul, com que cantava, fosse sobre amores desavindos ou sobre a vida das classes trabalhadoras, a que pertenciam a mãe e o pai, uma costureira carinhosa e um bombeiro conhecido em Glasgow (onde James "Jim" Diamond nasceu a 28 de Setembro de 1951) por se levantar a meio das festas para cantar. A sua primeira influência musical foi ele - e o seu gosto pelas raízes celtas, que viria a marcar a própria ruptura de Jim Diamond com o êxito comercial quando, depois do mega-sucesso de I Should Have Known Better, em vez de gravar a pop que a editora queria, decidiu fazer um álbum de folk. 
Porém, foram os discos de soul que o irmão mais velho levava para casa que definiram o seu estilo. Em 2011, recordou esse tempo à revista Blues and Soul: "Ouvi pela primeira vez Sam Cooke na rádio e foi uma revelação. Também adorava Otis Redding e Ray Charles e lembro-me de pensar que não havia canção mais feliz que Mockingbird, de Inez e Charlie Foxx. Naturalmente, quando decidi ser cantor, escolhi o género que amava." 
Eram os anos 60 e Jim Diamond queria ser como os seus ídolos americanos, mas também como os tipos cool de Glasgow, que tocavam em bares e andavam de um lado para o outro montados em scooters. Aos 14 anos fundou a primeira banda, The Method, e aos 15 tornou-se vocalista dos Jade, que abrilhantavam festas universitárias e pubs. Não satisfeito, respondeu a um anúncio que pedia um cantor para os Gully Foyle, com os quais fez a primeira parte de alguns concertos dos Procol Harum, então estrelas do rock progressivo, e foi aí que Alexis Korner, considerado o fundador do blues britânico, deu por ele e o contratou. 
O blues não era, porém, a cena de Diamond, que em 1976 se virou para o rock com os Bandit (que integravam também Cliff Williams, mais tarde dos AC/DC), mas a banda não singrou por causa da concorrência do punk, então recém-nascido. Ele não se ficou e, no início dos anos 80, resolveu fundir a sua amada soul com a new wave da moda e teve o seu primeiro sucesso, com os Ph.D: I Won't Let You Down. Por azar (ou terá sido sorte?) apanhou hepatite quando a banda estava prestes a embarcar numa digressão mundial e ficou de cama. 
Reapareceu a solo, em 1984, com I Should Have Known Better, êxito estrondoso, como não voltou a ter - mas também não o desejava. Marido e pai extremoso (de Sara e Lawrence, que receberam os nomes dos seus próprios pais, cuja vida difícil lhe incutiu arreigada ideologia política de esquerda), preferiu a partir daí viver longe dos holofotes, dedicando-se a projectos humanitários e a ajudar jovens músicos, tanto no seu estúdio como no programa de rádio que teve e que deixou por causa da "ditadura da publicidade". 
"Todos os que o conheceram sabiam que ele não era um pai normal ou, sequer, uma pessoa normal", escreveu emocionado o filho (teclista dos Citizens!) no Facebook, em reacção à sua morte (enquanto dormia, na sua casa de Londres, aos 62 anos) na madrugada de sábado, 10 de Outubro de 2015.

sábado, 18 de novembro de 2017

Morreu Malcolm Young, um dos fundadores dos AC/DC...

Malcolm Young (1953 - 2017)

Foi um dos fundadores dos AC/DC: o guitarrista Malcolm Young faleceu no dia 18 de Novembro em Elizabeth Bay, Sydney, Australia — contava 64 anos.
Com o seu irmão Angus Young, tal como ele nascido em Glasgow, Escócia, Malcolm criou a banda australiana AC/DC, em 1973, concretizando uma peculiar associação de rock, blues e heavy metal. Desde o primeiro álbum, High Voltage (1975), o seu som, ao mesmo tempo vibrante e ritualizado, conferiu-lhes uma enérgica imagem de marca, em particular nas performances ao vivo. Apesar de diversas alterações na formação do grupo, os dois irmãos mantiveram-se como as suas personalidades emblemáticas, até ao álbum Black Ice (2008). Considerado um dos mais brilhantes músicos de guitarra rítmica da sua geração, Malcolm afastou-se dos AC/DC em 2014 para ser tratado da demência que o atingiu — já não participou no álbum Rock or Bust (2014), tendo sido substituído pelo seu sobrinho Stevie Young.

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

JANIS JOPLIN (1943 - 1970)

Estamos em 1943, na cidade texana de Port Arthur quando nasce Janis Lyn Joplin. Sensível e solitária, de baixa auto-estima, esta rapariga de grande propensão artística marcou a história da música e é hoje relembrada, muitos anos depois da sua morte, pelo estilo ousado que tanto destoava do dos seus colegas. Com uma atração visceral pela cultura negra, Janis Joplin chegou a ser apelidada de nigger lover (‘amante de negros‘). O seu fascínio veio da leitura de autores beats como Jack Kerouac e Allen Ginsberg. E também por parte de um colega, outro desajustado socialmente, que lhe apresentou alguns discos alternativos, coisas que não tocavam nas rádios locais. Foi assim que Janis Joplin conheceu o blues, blues de raiz, tipo Leadbelly e a voz de Bessie Smith (1894-1937). O desejo e a certeza de que seria uma cantora de blues começa então a florir por esta altura. Depois de uma adolescência também solitária, dentro do quarto ouvindo discos de Bessie e de outras divas do blues, ou fazendo selectas e peculiares amizades com jovens negros da área, principalmente músicos, Janis Joplin deixa a família e faz-se à estrada. Em bares começa a cantar em troca de bebidas e de outras substâncias alucinógenas, a que já se tinha habituado.
No início da década de 60, muda-se para Los Angeles, encontrando os seus pares na cena beatnik local: músicos, poetas e artistas underground. Começa a cantar rock encharcado de blues, ou vice-versa e a criar a sua reputação. Em 1967 teve sua grande hipótese de brilhar no Primeiro Festival Pop de Monterey – o mesmo que catapultou Jimi Hendrix às estrelas – e cantou um dilacerante e obscuro blues da gaitista, baterista e cantora negra Willie Mae, “Ball and Chain”. Até então, provavelmente ninguém jamais tinha ouvido uma rapariga de origem caucasiana cantar com tanta sofreguidão e sensualidade um blues. Seguem-se álbuns, concertos e festas. Rica e famosa, sempre rodeada de pessoas, Janis Joplin continuou a exorcizar/cantar blues, trocando de bandas e amantes. Tinha uma terrível e angustiante instabilidade emocional, reforçada por doses cavalares de álcool, erva, anfetaminas, ácido, tabaco, cocaína, metadona e heroína, aquele que foi o seu vício mais nocivo e o passaporte para o fim precoce. Em 1970, passou um inusitado, exótico e até então pouco conhecido período no Brasil, mais precisamente no Carnaval do Rio de Janeiro. Este foi também o ano que marcou uma fase de amadurecimento profissional no meio do caos. Janis Joplin criou uma nova banda, sugestivamente intitulada Full-Tilt Boogie, que faria um ”loud electric funky country blues”, e preparava-se para dar à luz o seu melhor trabalho, Pearl, lançado postumamente, em 1971.

Janis Joplin: o funeral que foi uma festa

No dia 4 de outubro de 1971, foi encontrada morta e sozinha, vítima de uma overdose de heroína num quarto de hotel em Los Angeles. Tinha 27 anos. No seu testamento, deixou mais de 2500 dólares para serem gastos pelos seus amigos numa homenagem fúnebre, num bar noturno que reuniu cerca de 250 pessoas, que tinham em mãos convites a dizer: “Bebidas por conta de Pearl”. Pearl, para quem não sabe, era a alcunha pela qual a artista era conhecida entre os amigos. A voz de Janis Joplin é quase um regresso ao grito negro dos primórdios do blues. Uma estranha e bela herança musical: uma branca que cantava e que teve um estilo e um final de vida como os trágicos negros do blues. Pouco antes de morrer, Janis mandou ainda construir um túmulo de mármore negro para Bessie Smith, a imperatriz do blues e a sua maior heroína, que morreu na sequência de um acidente de aviação que gerou polémica, especialmente porque acredita-se que a artista poderia ter sobrevivido se tivesse sido admitida num hospital reservado apenas a brancos. No novo túmulo da cantora negra, enterrada num cemitério em Filadélfia, Janis Joplin mandou escrever: “A maior cantora de blues do mundo jamais deixará de cantar”. Um epitáfio justo que tão bem se aplica à própria Joplin.

domingo, 15 de outubro de 2017

Bronski Beat lançam "The Age of Consent" há 33 anos...

(Lançamento: 15 de outubro de 1984)

Contemporâneos do momento em que os New Order e os Dead or Alive encontravam pontes de diálogo entre a canção pop e as formas de música de dança e antecessores dos Pet Shop Boys na integração de elementos hi-nrg e heranças do disco num quadro pop, os Bronski Beat são hoje, estranhamente, um nome quase esquecido. Destino injusto para, sobretudo, o álbum de estreia da banda que, editado em 1984, merece morar entre a lista dos grandes momentos pop dos oitentas. E por várias razões. Se ainda hoje os sinais de homofobia cruzam os noticiários e relatos de comportamentos de todos os dias, imaginemos então como seria o cenário em 1984. E quando, em junho desse ano, uma banda nova entra em cena com Smalltown Boy, um single que canta, sob matriz hi-nrg e uma irresistível composição pop, uma história de discriminação e alienação sem medo de chamar as coisas pelos nomes, os Bronski Beat começaram a fazer a diferença. O single que, tal como o sucessor (e igualmente claro na sua agenda temática) Why? Se transformaram em claros êxitos, alcançando posições de destaque nas tabelas de vendas de vários países, fazia do trio britânico um dos “casos” do ano. 
Cedo ficou todavia claro que a ideia do grupo não se esgotava numa postura ativista, aliando a toda uma marcante ação política uma visão musical que promoveu o que então eram ainda pouco frequentes expressões de visibilidade pop para formas e sons que respiravam sobretudo na cultura da noite. A voz em falsete de Jimmy Sommerville (que dividiu opiniões), o recurso às electrónicas como ferramentas de trabalho, uma produção atenta a uma necessidade de manter vivo o viço das estruturas rítmicas e uma mão cheia de belíssimas canções pop completam os ingredientes de The Age Of Consent. O álbum inclui, além dos dois singles acima citados, uma versão de It Ain’t Necessairly So de Gershwin e uma outra de I Feel Love de Donna Summer, momentos que expandem os horizontes de um alinhamento de vistas largas onde cabem ainda episódios dignos de um reencontro como Need A Man Blues, Heatwave ou o retrato sobre a cultura normalizadora na idade do grande consumo que escutamos em Junk. 28 anos depois, o disco é um caso estranho de silêncio. Perante a multidão de edições e repackages que moram nas agendas de lançamentos, este é um disco ainda à espera de uma revisitação. 
E depois do disco: 
Tensões internas levaram ao afastamento de Jimmy Sommerville em 1985, que então parte para formar os Communards, partindo depois para uma carreira a solo. Steve Bronski e Larry Steinbachek mantém ativos os Bronksi Beat através de uma sucessão de vocalistas, editando mais dois álbuns e uma mão cheia de singles que em nada repetem nunca o patamar habitado pelo seu álbum de estreia.

sábado, 30 de setembro de 2017

Faça já o download da nossa aplicação para o seu Android, e venha lembrar bons tempos com grandes canções!



Agora já é possível ouvir a Rádio Nostalgia-Elvas em Sistema Operativo Android! Para isso, basta clicar AQUI, fazer o download da aplicação e respectiva instalação no seu dispositivo. 

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Morreu DANIEL BACELAR, o primeiro músico de rock português

"Fui Louco Por Ti”, 1960. Daniel Bacelar foi o autor daquele que é considerado o primeiro tema de rock em Portugal, cantado em português. O músico de 74 anos morreu esta sexta-feira, 29 de setembro. Sofria de um cancro.
O músico começou por se destacar aos 17 anos quando venceu o concurso “Caloiros da Canção” da Rádio Renascença. Nessa década de 60, gravou vários discos e dava concertos regularmente no Teatro Monumental, em Lisboa.
Entretanto retirou-se dos palcos e estúdios, mas foi aparecendo aqui e ali. Em 2009, foi convidado por Rita Redshoes para interpretar ao vivo “Lonesome Town”, de Ricky Nelson, no Festival dos Oceanos, em Lisboa. Daniel Bacelar preferia fazer estas versões cover e deixou para trás temas próprios como “Sem Ti”, “Porque Será” ou “Um Mundo Sem Amor”.
Parte da sua história foi contada em 2011 no documentário “Meio Metro de Pedra”, realizado por Eduardo Morais, sobre a evolução e os primeiros passos do rock português.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

THE BEATLES editaram "Abbey Road" há 48 anos.

Entre aspirantes a músicos é comum dizer-se que a prova de fogo advém de se saber interpretar um tema dos Beatles. Normalmente, a escolha recai em "Help" ou "Revolution" assumindo-se, e bem, que a partir daí não serão necessários muitos acordes para obter resultados artísticos satisfatórios. O meu contacto inicial com os Fab Four aconteceu com a colectânea "20 Greatest Hits", de 1982. Os primeiros afloramentos do mito vieram ao som de "She Loves You" e "A Hard Day´s Night", mas ainda não eram suficientes para um chamamento total.
 Seriam precisos sete anos e a descoberta do LP "Abbey Road", para entender o que eram os Beatles e o porquê da sua longevidade. À partida, o álbum de 1969 representava a derradeira gravação do conjunto, embora "Let It Be" fosse o último trabalho a ser editado. O acontecimento, por si só, conferia um estatuto especial ao disco da famosa passadeira londrina e lançava uma questão pertinente: Seria possível repetir a magia dos álbuns anteriores ?
A ideia inicial do produtor George Martin, mas também de Paul McCartney, consistia em fazer com que a banda pensasse em termos sinfónicos e numa combinação de uma ou mais músicas tocadas em conjunto, visando a obtenção de uma peça musical única. Para John Lennon, tudo se resumia a uma série de temas lineares e a condensação em diferentes vinhetas era pouco satisfatória. Tudo se resolveria e a solução de compromisso seria adoptada, contemplando as duas linhas de pensamento.
A edição ocorreu a 26 de Setembro de 1969 e o produto final era convincente. As honras de abertura caberiam a Lennon com o excelente blues rock de "Come Together", que incluía uma notável linha de baixo de McCartney e um elegante refrão pop. Por seu turno, George Harrison fazia progressos assinaláveis, compondo uma das mais belas baladas de sempre, "Something", encontrando a inspiração na sua mulher Pattie Boyd. A alternância às várias canções Lennon/McCartney e às duas de Harrison seria quebrada pelo único tema de Ringo Starr, "Octopus´s Garden". Nele, encontramos um agradável exercício country com um solo de guitarra encantador. Um dos pontos altos de um trabalho que não tem pontos baixos é "Because". A inspiração de Lennon para compor o tema foi a Moonlight Sonata de Beethoven, tocada ao contrário por Yoko Ono. Realce para a belíssima harmonia vocal e letras simples, abrilhantadas por um sintetizador moog.
A parte de leão do outrora lado B caberia a McCartney com o seu medley, juntando pequenas melodias conjugadas entre si. Dentro desse notável segmento da arte popular do século XX, não há como escapar a "You Never Give Me Your Money" e a "Golden Slumbers". A primeira peça representava a tradução musical de uma separação eminente e de negociações sem vista à vista: "You never give me your money / You only send me your funny papers". O fundo musical consisitia numa balada ao piano a que se juntariam harmonias vocais, para irromper numa torrente de guitarras.
Para compor "Golden Slumbers", McCartney inspirou-se numa canção de embalar do século XVII, de Thomas Dekker, criando uma melodia original e intemporal. É impossível ficar indiferente a "Abbey Road" e aos seus momentos de pura beleza, vide o solo de guitarra de Harrison em "Carry That Weight". Na realidade, os Beatles nunca tocaram ou cantaram juntos com tanto brilhantismo e coesão depois de "Revolver". As diferentes sensibilidades e as circunstâncias que o envolveram fazem dele o mais apropriado canto do cisne da melhor banda de sempre.

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Os pioneiros do rock português

Eles fizeram o motim do rock cantado em português. Na recessão do canto-livre pós-revolucionário, Portugal descobriu que os sons do rock podiam ser cantados na língua cá da terra. Entra-se nos anos 80 e, com eles, rebentam dezenas de bandas num mercado discográfico em que valia tudo. Tudo se gravava desde que soasse a rock e em português. Louco e explosivo como foi, não durou mais do que dois anos este "boom". Depressa lhe sucedeu o "bum!" inverso. Quase todas estas bandas se perderam pelo caminho. Fosse por ingenuidade, falta de solidez nos projectos, escolha voluntária ou desencanto.
A vida corria bem para o Grupo de Baile naquele ano de 1981. Já não eram apenas o grupo de amigos que se conheciam desde a infância, dos tempos em que tocavam na filarmónica da terra, nem sequer aquela banda que corria pelo circuito dos bailes com umas rocalhadas importadas do estrangeiro. As 99 mil cópias do single "Patchouly/Já Rockas à Toa", lançadas em Janeiro no mercado, foram consumidas vorazmente. As que traziam o "piiiiii" sobre a palavra "pentelho" e as em que se ouvia tudo. O Grupo de Baile fez disco de ouro em apenas um mês. Foi tiro e queda. Primeiro o tiro, depois a queda. Quase dois anos depois, mesmo tendo gravado um novo single, "Estória Linda", o Grupo de Baile não voltou a ter o mesmo sucesso. Volatizaram-se. Viveram a mesma história que muitas outras bandas nascidas durante o "boom" do rock português, na euforia daqueles anos de 1980 a 1982, em que o panorama musical explodiu de uma tal forma que só podia mesmo vir depois a implodir. Foram poucos os que, depois do sucesso atingido neste período, se aguentaram à impulsão dos anos que se seguiram.
 Os GNR, com uma formação já bem diferente da original, os UHF, nos quais só mesmo António Manuel Ribeiro permanece desde a origem, e o pioneiro de todos os pioneiros, Rui Veloso, não chegam sequer para fazer uma mão cheia. Todos os outros, dezenas deles, ficaram-se pelo caminho.O "boom" surgiu naquela altura e não só não poderia ter aparecido antes como dificilmente se fundamentaria mais tarde. "O aparecimento de muitas bandas naquela mesma onda e no mesmo momento tem também a ver com o 25 de Abril, com o facto de já ter passado um bocado aquela euforia revolucionária e já se viver numa democracia consolidada. As pessoas começaram a ter mais dinheiro, para comprar instrumentos como para comprar discos, e havia uma abertura que não tinha havido antes, mesmo em relação àquilo que vinha de fora. Alguns anos antes e nunca se poderia ter gravado em Portugal uma música como o 'Patchouly'", explica o ex-vocalista do Grupo de Baile, Carlos Tavares.
"O 'boom' foi também muito incentivado pelas editoras, porque isso lhes dava uma maior escolha sobre aquilo que decidiam gravar ou não. Quantas mais houvesse, mais havia por onde escolher", afirma Carlos Tavares. Esta ideia é corroborada pelo guitarrista, Vicente. "Em Portugal as coisas funcionam assim: alguém experimenta uma coisa com sucesso e, de repente, parece que se descobriu a pólvora. Foi assim com o 'boom'. Apareceu o Rui Veloso com o 'Chico Fininho' e de repente percebeu-se que era possível fazer rock em português". Toda a gente andava a querer e a conseguir gravar, e o Grupo de Baile recebeu o bilhete que os transportaria para o sucesso. "Embarcámos naquilo sem qualquer pretensiosismo, mas com a intenção de ir ver no que é que dava", esclarece o baterista, Luís Rosado. A Valentim de Carvalho convidou-os a gravar alguns dos temas originais que já tinham composto. "Tivemos hipóteses de impôr logo ali as nossas regras, mas não o fizemos", recorda Carlos Tavares. "Já éramos adultos nessa altura, mas nas coisas da música éramos mesmo uns miúdos" desabafa Luís Rosado. Quando o quiseram fazer, pouco mais de um ano depois, perceberam que não podiam. Não eram essas as regras do jogo.  
 "A certa altura quisemos deixar de ser os tais meninos e impôr as nossas escolhas à editora. Dissemos quais as canções que queríamos pôr num LP e quais é que queríamos que fossem lançadas em singles e a resposta foi um peremptório não. 'Nós é que sabemos disto, vocês editam aquilo que nós vos dissermos', foi a resposta", recorda Carlos Tavares. "Aquilo era espremer o limão até dar. Fomos chupados até ao tutano", reitera Vicente, defendendo que o Grupo de Baile teria tido, eventualmente, maior longevidade "se tivesse sido lançado um bocadinho mais por baixo e lhe tivesse sido dado tempo e estruturas de produção para crescer". Mas os tempos não se compadeciam com apostas a longo prazo. Estava-se a desbravar terreno, olhava-se para tudo com um horizonte curto: o do sucesso imediato, o das vendas retumbantes, o de "chegar, ver e vencer" nos tops nacionais, o dos discos de ouro conquistados em 30 a 60 dias.
Foi assim também com os NZZN, a banda acrónima de Necas, Zica e Zé Nuno, que foi a primeira em Portugal a enveredar pelos sons do "heavy metal". Havia até quem augurasse um futuro dourado àqueles que ousassem romper as malhas e se assumissem como pioneiros da onda mais pesada do rock em Portugal. A verdade é que o sucesso, uma vez mais, durou apenas dois anos. Os NZZN ganharam lugar na história como criadores do primeiro single português de "heavy metal" - "Vem Daí" - lançado em 1980 e que disparou para o primeiro lugar do top do popularíssimo programa radiofónico Rock em Stock. Mas para finais do ano seguinte já a banda se dissolvia por falta de contratos. "Estávamos na contra-maré", dispara Necas, o ex-guitarrista da banda. "O que fazíamos e que sempre fizemos foi um hard-rock pesado, mas o que estava mesmo a dar era o new wave", explica. O ex-baixista do grupo, Zé Nuno, deixa as coisas claras: "Os discos tinham que vender, se não se vendiam a editora deixava de apostar na banda. Nós estivemos em cima com o primeiro single, não estivemos mal com o segundo, mas depois, com o álbum, que já não vendeu o que se esperava, sentimos logo isso". "Na época até achei ingenuamente que o meu esforço de dez ou 20 anos como músico ia ser finalmente recompensado. E embarquei idioticamente naquilo, só percebendo mais tarde que as coisas não eram assim tão lineares. Senti algum desencanto mas não desisti. Continuo a tocar e até me estou a cagar para os tops", afirma Necas. "É mesmo assim", brinca Zica, "a certa altura sentimos que nunca mais voltaríamos a ser estrelas do rock'n'roll".De resto, o ex-guitarrista dos NZZN defende mesmo que este "boom" do rock português "foi algo criado artificialmente e a prova é que não durou mais do que dois ou três anos. Não havia circuito, não tínhamos mercado para termos aí umas 50 mil bandas a gravar". Mas, ainda assim, os NZZN embarcaram também na euforia. "É claro que optámos logo por cantar em português. Caramba, se somos portugueses porque é que não havíamos de cantar na nossa língua? ...Para além de que já vinham lá de fora coisas mais do que suficientes em inglês", diz Zica. 
De carreira ainda mais curta foram os CTT, designação que este grupo adoptou durante o período do "boom" sem querer renegar a origem de Conjunto Típico Torrense. Tinham também uma sonoridade pesada e foi com "Destruição, Destruição, Destruição" que entraram a matar nos tops nacionais. Vinham dos circuitos dos bailes, conheceram o mesmo sucesso rompante e fulminante, a mesma loucura de gravação contra-relógio. "Tinha-se pouco, pouquíssimo tempo de estúdio", recorda Luís Plácido, o ex-vocalista dos CTT: "Aquilo era entrar já com tudo muito bem ensaiado e toca a andar. Não havia tempo para experimentações em estúdio ou para testar fossem quais fossem as possibilidades". Ainda no mesmo ano de 1981, os CTT gravaram um álbum, "Oito Encomendas", mas já havia desencanto no ar. O ex-baixista dos CTT, Nani Teixeira, de todos o único que ainda permanece como músico profissional", aponta que "viveu-se ali uma época de grande evolução, uma evolução de qualidade e de diversificação, mas em nome da qual foram justamente as bandas que abriram as portas do 'boom' do rock português que depois acabaram por pagar a factura". O líder do grupo, Augusto Alves, recorda que os CTT tinham "uma história muito diferente da maioria das bandas que apareceram naquela altura": "Já existíamos antes, já tocávamos todos juntos como Conjunto Típico Torrense muito antes de toda aquela loucura acontecer. Já tínhamos clientela antes, a certa altura fizemos aquilo, e depois regressámos ao público que tínhamos". Recusando-se a acreditar que os CTT tenham sido "um fenómeno de época balnear", o ex-baterista da banda, Gabriel Matos, afirma que os CTT "ainda continuaram mais uns anos, mas deixou-se de acreditar nas gravações". Esta foi uma década marcada pela constante edição de singles, que constitui, aliás, o maior emblema que ficou do "boom" do rock português. A popularidade pertencia aos singles. Poucas foram as bandas que chegaram a editar álbuns. E das que o fizeram, contam-se pelos dedos de uma mão aqueles que tiveram vendas que se vissem. Quem o fez, porém, fê-lo com estrondoso sucesso. Não causa grandes surpresas, por isso, que essas bandas que tiveram maiores sucessos comerciais no formato LP durante o período do "boom" sejam justamente aqueles que ainda hoje se mantêm à tona e em actividade. Senão com os projectos nascidos naquela época, como é o caso dos UHF, dos GNR e até de Rui Veloso, pelo menos com outras bandas, até de maior projecção comercial ainda, como é o caso do ex-Heróis do Mar e líder dos Madredeus, Pedro Ayres Magalhães. A projecção destas bandas nascidas nos primeiros anos da década de 80 não se sustentava, porém, unicamente, no lançamento dos vinis no mercado discográfico. Tudo começava com o circuito pelas "capelinhas" da época: "A Febre de Sábado de Manhã" e "O Passeio dos Alegres", ambos de Júlio Isidro, assim como o "Rock em Stock", de Luís Filipe Barros, e o "Rotação", de António Sérgio, programas de grande audiência, em rádio e em televisão, que serviram de rampa de lançamento a todas estas bandas do "boom" do rock português. O filão de ouro foi descoberto com "Ar de Rock" de Rui Veloso, editado em princípios de 1980. De repente, o rock'n'roll falava de figuras às quais os portugueses eram familiares. Aqui e além viam-se "chico fininhos" a subir as ruas de muitas cidades do país, de um momento para o outro dava-se conta de inúmeras "rapariguinhas do shopping" a deambular pelos corredores dos grandes espaços comerciais portugueses.
O rock começava a falar de nós, das nossas coisas, das pessoas com que nos cruzávamos todos os dias. José Nogueira, o ex-saxofonista dos Já Fumega, encontra aqui uma das primeiras razões do "boom" do rock português. "Foi absolutamente inevitável. Estava a começar-se a falar dos sítios onde todos vamos, onde pelo menos já fomos uma vez, das pessoas que conhecemos ou que já vimos", explica. Curiosamente, os Já Fumega não começaram por gravar em português. A primeira edição da banda foi em inglês, mas a grande notoriedade junto do público só se conseguiu um pouco depois, na Primavera de 1981, com "Ribeira", uma canção inspirada pela zona ribeirinha do Porto que fez um sucesso estrondoso na rádio. Mas, os Já Fumega tiveram a particularidade de já serem bem conhecidos mesmo antes da primeira edição em vinil, "Estamos Aí", em 1980. Tinham um público fiel, conquistado nos concertos ao vivo, desde há alguns anos. "Fazíamos para aí uns 100 mil quilómetros por ano, já tínhamos concertos em Espanha, mesmo antes de sequer termos editado qualquer disco", aponta o ex-baterista Álvaro Marques. Os Já Fumega duraram seis anos, durante os quais editaram três álbuns e um single, todos de reconhecida qualidade e maturidade musical. A banda dissolveu-se, porém, num momento em que tinham praticamente todo o material pronto para gravar um novo álbum. "A questão essencial é que [depois da edição de "Recados", em 1983] já tinha passado o 'boom' e toda aquela euforia das editoras. Já não queriam gravar tudo o que lhes era proposto e começaram a surgir exigências de comercialismos fáceis e imediatos com que nunca tínhamos pactuado e com os quais não iríamos passar a compactuar", afirma José Nogueira. Mário Barreiros explica também que a "suspensão" dos Já Fumega se deveu ao facto de "começar a tornar-se difícil juntar todos para os ensaios": "Já andávamos a ensaiar por sectores e cada um começava a seguir rumos muito diferentes, até musicalmente. Chegou um momento em que a situação se tornou óbvia". Outro dos irmãos Barreiros, Pedro, recorda que os Já Fumega "nunca foram um grupo temerário": "a banda sempre viveu muito dos ensaios, do trabalho conjunto e era só nesse sentido que os Já Fumega faziam sentido". Eugénio Barreiros vai ainda mais longe: "Os Já Fumega eram aqueles seis músicos, juntos, naquela altura. Foi apenas um episódio na longuíssima história musical de qualquer um de nós". Todos parecem partilhar este entendimento, parecendo quase impossível alguma vez se vir a assistir a uma reunião dos Já Fumega. "Só se for para um concerto pela paz" brinca Eugénio Barreiros. Como afirma José Nogueira, "nenhum deixou de ser músico, nenhum parou, não ficou nenhum fio solto no qual pegar outra vez, não ficou nada lá solto para se pegar agora".
Inevitavelmente marcados pelo tempo, embora com percursos posteriores bem diferentes, estão também os Trabalhadores do Comércio. Imagem de marca do Porto, esta banda nadou livremente nas ondas do "boom" do rock português, fazendo sucesso com o elogio ao sotaque nortenho e uma ironia muito peculiar. "Ter os Trabalhadores do Comércio a cantar em português não aconteceu por acontecer. Tivemos perfeitamente consciência do momento e da vaga de aceitação que esse fenómeno estava a ter", aponta o ex-baterista do grupo, Álvaro Azevedo. "E o sotaque do Porto era algo mesmo muito assumido. Muita gente pensava que esta nossa atitude era de gozo com o sotaque nortenho, quando na verdade era justamente o contrário", esclarece Sérgio Castro. Músicos experimentados, vindos de projectos anteriores bem sucedidos, Sérgio Castro e Álvaro Azevedo juntaram a si a graça e o talento de palco de um garoto de sete anos, o vocalista João Médicis. Foi assim que nasceram os Trabalhadores do Comércio em 1980. A primeira interrupção na carreira da banda - a que o guitarrista Sérgio Castro chama "o coito interrompido" - deu-se em finais da vaga do "boom", em 1982, mais pelo facto de o jovem cantor João ter entrado numa fase mais exigente da sua vida escolar, do que por algum desgaste da banda. Os Trabalhadores voltariam outra vez à carga, já dissociados do "boom", com uma presença no Festival da Canção de 1986, a que Sérgio Castro gosta de chamar "a grande queca". "Pensámos que se era para ir ao grande circo mas valia que fôssemos para ser os maiores palhaços de todos, os palhaços com maior piada", diz. Daí todo o aparato feito em "Tigres de Bengala" em que a banda, segundo o baterista Álvaro Azevedo, "também apostava numa repercussão internacional". Nesse mesmo ano ainda prepararam um novo LP, mas não chegaram a gravar. Em 1990 entregaram um disco totalmente pronto à Polygram, "Sermões a Todo o Rebanho", o qual foi o último registo gravado pela banda. Só que, entretanto, diz Sérgio Castro, "os Trabalhadores do Comércio tinham deixado de ser uns gajos críticos com graça e passaram a ser vistos como uns gajos desagradáveis". Se a presença num Festival da Canção não foi irremediavelmente desgastante para os Trabalhadores do Comércio, o mesmo não se pode dizer em relação aos Da Vinci. 
É verdade que a banda de Pedro Luís e Iei Or nunca foi vista com bons olhos como integrante do movimento do "boom", mas a verdade histórica é que esteve lá e que durante esse período editou trabalhos com enorme êxito de vendas. E até foram o único grupo português a contribuir, neste período, com um avanço pelas sonoridades da pop electrónica e dos grupos neo-românticos britânicos. Os Da Vinci permanecem em actividade, mas o sucesso - ou antes, a falta de popularidade - que hoje conhecem, está quase no extremo oposto do êxito que viveram no início dos anos 80. Seja como for, Iei acredita que "a imagem dos Da Vinci se sobrepôs à música": "com aquele ar quase fantasmagórico, aquele visual tão pouco vulgar, as pessoas não acreditavam que éramos portugueses". E fosse qual fosse o risco que assumiram por ir fora da maré da altura, Pedro Luís defende que não poderia ter sido de outra forma. "Estávamos perfeitamente à vontade naquele estilo, não nos passava pela cabeça virarmo-nos para outro lado", afirma. Talvez uma das maiores heranças deixadas pelo "boom", e que bandas surgidas já numa segunda vaga souberam tão bem aproveitar, é justamente o culto da diversidade. Apesar de todos aparecerem no mesmo saco do "boom" do rock português, houve abordagens tão diferentes que o panorama musical mudou para sempre. Muito, porém, já vinha sido feito antes do "boom". O trabalho anterior de algumas outras bandas serviu de rastilho para que estas explodissem já só na década de 80. E outras, como os Rádio Macau e os Xutos & Pontapés, que já existiam mas só ganharam popularidade depois, o fizessem também a partir de meados dos anos 80. Foi a "Ar de Rock", o álbum de estreia de Rui Veloso, que coube o título de marco inaugural do período de euforia pelo rock português. 
Mas o primeiro disco feito nesta fórmula já datava de 1967, da autoria do Quarteto 1111, que furou o bloqueio à música portuguesa com o EP "A Lenda de El Rei D. Sebastião". Só que as atenções então dadas à nova canção e ao canto livre, que emergiram no período pós-25 de Abril, lançaram para a sombra praticamente todo o movimento do rock de língua portuguesa. E foi já só num pré-"boom", em finais dos anos 70, que a tendência se inverteu, com o surgimento de bandas como os Tantra, prenunciadores de que a explosão não iria tardar muito mais.
Nenhuma imagem mais forte ficou na história dos Tantra como a de Frodo, o alter-ego do vocalista Manuel Cardoso, que quase ganhou personalidade própria durante a carreira da banda. Logo desde os finais dos anos 70, os Tantra apareceram a fazer um rock progressivo cantado em português e a encenar espectaculares concertos ao vivo no Coliseu dos Recreios, em Lisboa. "Havia muito mais músicos a tentar furar logo naquela altura. Nós tivemos a sorte de acontecer connosco", afirma Manuel Cardoso. "Desbravámos caminho, abrimos a estrada", junta ainda. Num período em que pouco se conhecia do que por cá se fazia, os músicos tinham ainda um trabalho extra: "Nos concertos por esse país fora tínhamos que contar sempre com algum tempo para convencer as pessoas que não íamos lá tocar nada de outras bandas, nem Pink Floyd nem nada que se parecesse. Íamos para tocar as nossa músicas, os nossos originais. Não tínhamos vocação de ensinadores, mas tivemos mesmo que ser um pouco educadores das massas", brinca o ex-baterista dos Tantra Tó Zé Almeida.
Não se percebe facilmente, por isso, como é que os Tantra depois de terem a lição aprendida foram cometer um erro tão grande poucos anos depois. Porque é que em 1981, já em plena euforia do "boom", os Tantra viraram costas ao português usado nos dois álbuns anteriores e editaram "Humanoid Flesh" em inglês? Simples: "Pensámos que se já estava toda a gente a cantar em português, então, nós, agora, podemos ir às raízes do rock e decidimos cantar em inglês", explica Manuel Cardoso. Erro fatal esse. Mal recebida pelo público e pela crítica, a audácia dos Tantra valeu-lhes a dissolução. E equívoco igual estavam a ter na mesma altura os Roxigénio, banda com uma curta carreira de dois anos, liderada por António Garcez, o qual sempre teimou em não ornar o rock'n'roll com as sonoridades do idioma português. Os Roxigénio foram a banda com estreia mais ansiada em 1980 e apesar da qualidade musical do projecto, nunca viram ser-lhes reconhecido o estatuto de pioneiros da nova vaga musical no país. Garcez era considerado então o melhor cantor rock em Portugal, e entre os músicos estava também aquele a quem ninguém recusava o título de melhor guitarrista português, Filipe Mendes. Mas nada disso lhes valeu quando o país decidira fechar ouvidos a todo o rock'n'roll que não fosse cantado em português.

in "Público", 1999

sábado, 18 de março de 2017

Morreu CHUCK BERRY...

Charles Edward Anderson Berry, melhor conhecido pelo seu nome artístico Chuck Berry, nasceu no dia 18 de Outubro de 1926 e construiu uma reputação graças ao seu trabalho como guitarrista, cantor e compositor. No entanto, por ter sido um dos pioneiros do rock and roll, o seu nome nunca será esquecido.
Criador das célebres músicas “Maybellene”, “Roll Over Beethoven”, “Rock and Roll Music” e “Johnny B. Goode”, Chuck Berry aperfeiçoou e desenvolveu o rhythm and blues, incorporando-o num género emergente e garantido que o rock and roll se tornava no conjunto de sonoridades distintas pelo qual hoje o conhecemos. As suas canções, que se centravam na vida adolescente e realçavam temas como o consumismo, foram uma forte influência no género de rock que se repercutiu nas décadas seguintes.
Vindo de uma família da classe média, em St. Louis, Missouri, Chuck Berry era ainda muito pequeno quando demonstrou interesse pela música, fazendo a sua primeira apresentação musical na escola. No entanto, em 1944, quanto se dedicava ainda aos estudos, uma reviravolta dá-se na vida do artista: é preso por assalto à mão armada, ficando encarcerado entre 1944 e 1947.
Ao ser libertado, Berry decide constituir uma família, casando-se com Themetta Suggs e consegue um emprego fixo numa fábrica de montagem de automóveis. Ainda assim, enquanto constituía uma vida e assentava, Berry ia mantendo o seu interesse pela música. Em 1953, influenciado pela música e estilo musical de T-Bone Walker, Berry começou a fazer alguns concertos à noite ao lado de Johnnie Johnson.
A vida do jovem desconhecido guitarrista começou assim a mudar em Maio de 1955, quando  se cruzou com Muddy Waters, que o pôs em contacto com a editora Chess: é esta a oportunidade que dá a Chuck Berry o momento da sua vida e de fazer aquilo de que realmente gosta. Nos anos que se seguem vai-se consagrando como artista, viajando pelo país para inúmeros concertos onde faz fervilhar a audiência com Roll Over Bethoveen, Sweet Little Sixteen e School Days.
A maioria dos grandes hits de Berry foram gravados na própria Chess, com as participações do pianista Johnnie Johnson, o baixista Willie Dixon e o baterista Fred Below, dando base ao que viria a ser a constituição básica de uma banda de rock and roll. De resto, Chuck preferia tocar sozinho, especialmente durante os seus tours: por norma, procurava e encontrava bandas locais que o acompanhassem em palco.
No entanto, quando começa a ganhar ritmo no seu trabalho musical, é novamente preso, desta vez em 1959, acusado de se envolver com uma empregada de mesa com apenas 14 anos. Condenado a pagar uma multa na ordem dos 5 mil dólares, é mantido atrás de grades até 1963. Ao sair da prisão, espera-o uma nova jornada. Ainda que não tenha conseguido alcançar o sucesso de que usufruía antes de ser preso, o artista continua a viver uma vida razoável de sucesso, focando-se nos clássicos melhor aplaudidos pelos fãs do que em criar novas canções.
No início da sua carreira, Chuck Berry foi fortemente influenciado por grandes artistas como King Cole, Louis Jordan, além de, claro, Muddy Waters, que o ajudou a lançar. Mais tarde, foi ele que se tornou na influência, ajudando a definir a voz de bandas como Beatles, Animals e Rolling Stones. E se há ainda dúvidas quanto à posição e impacto de Chuck Berry no panorama musical norte-americano, temos a prova da revista Rolling Stone que elegeu o artista como o 5.º maior nome da música de todos os tempos, considerando-o ainda o 7.° melhor guitarrista do mundo.
No dia 18 de março, Chuck Berry faleceu devido a uma paragem cardíaca, com 90 anos. Os seus últimos anos tinham sido dedicados à reprodução dos clássicos que marcaram o seu repertório – como dissemos anteriormente, o artista não se dedicou à gravação de novas músicas – e o seu tempo enquanto artista era especialmente preenchido com concertos no clube Blueberry Hill. Todavia, o artista parece ter repensado a sua decisão de não gravar novos conteúdos porque chega agora o álbum CHUCK que traz dez novas gravações, das quais oito são totalmente compostas pelo próprio Chuck Berry.
CHUCK é o primeiro álbum do músico desde “Rock It”, lançado originalmente em 1979.  O novo disco foi gravado e produzido pelo próprio Chuck Berry em vários estúdios em St. Louis, nos EUA, e inclui participações do seu grupo de sempre – incluindo os filhos Charles Berry Jr. (guitarra) e Ingrid berry (harmónica, voz), e ainda Jimmy Marsala (baixista de Berry durante 40 anos), Robert Lohr (piano) e Keith Robinson (bateria) – que tocaram consigo durante quase duas décadas em mais de 200 concertos na residência que teve no célebre clube Blueberry Hill.
O álbum também inclui participações de convidados como Gary Clark Jr., Tom Morello, Nathaniel Rateliff e Charles Berry III, neto do próprio Chuck Berry. Já o aclamado escritor e historiador Douglas Brinkley escreveu um artigo que é agora incluído nesta edição de CHUCK.
Este novo álbum é apresentado pelo single Big Boys, que conta com as colaborações de Tom Morello e Nathaniel Rateliff, e que Brinkley descreve como “um hino nacional para os guitarristas”.

domingo, 12 de março de 2017

The Velvet Underground & Nico... há 50 anos!

(Lançamento: 12 de março de 1967)

Se não é o disco mais influente de sempre, não deve andar lá longe.: The Velvet Underground & Nico, o "álbum da banana".
Era um lugar dedicado à arte, às experiências, à subversão, pelo que a Factory era o lugar perfeito para os Velvet Underground, escrevia John Cale, co-fundador do grupo, na sua autobiografia (What"s Welsh For Zen?) lançada em 2011. É isso. O nome dos Velvet Underground haverá de estar sempre ligado a um tempo, a uma cidade e a um homem - a segunda metade dos anos 1960, quando a Nova Iorque boémia e artística pulsava na Factory, o espaço imaginado por Andy Warhol. E se existe um disco capaz de personificar, melhor do que qualquer outro, esse turbilhão criativo ele é The Velvet Underground & Nico, o "álbum da banana", como haveria de ficar conhecido, por causa da icónica capa da autoria de Warhol. Haverá álbuns dos Beatles, Stones, Dylan, Cohen ou Doors, tudo nomes mais consensuais do que os Velvet, que figurarão na lista dos mais influentes de sempre para a generalidade dos mortais. Mas para uma parcela muito significativa dos melómanos e para a mais estimulante música dos últimos trinta anos, esse álbum foi determinante enquanto farol, influência, símbolo.
Sem ele não teria havido David Bowie, Stooges, Can, Roxy Music, pelo menos da forma como os conhecemos. É impossível pensar na Nova Iorque artística da segunda metade dos anos 1970, personificada na música pelos Talking Heads, Television ou Patti Smith, sem passar por este disco. É difícil imaginar o punk e o pós-punk simbolizado pelos Sex Pistols e Clash ou pelos Joy Division e Echo & The Bunnymen sem vislumbrar a silhueta desse álbum. É impraticável não vislumbrar esse espectro no melhor rock do final dos anos 1980 e início dos anos 1990 (Sonic Youth, My Bloody Valentine) ou no renascimento rock impulsionado, nos anos 2000, por Strokes ou Interpol. Como é difícil acordar num domingo de manhã solarengo sem pensar em Sunday morning.
Algumas notas celestiais, uma voz de hippie andrógina, uma balada envolvente, uma luz transparente, uma canção delicada. Essa canção, que saiu em single antes do álbum, é viciante, a aparente antítese de uma tripe ao inferno. Mas depois dessa canção, que abre o álbum de estreia dos Velvet, nada parece normal. Há a voz de Lou Reed, espécie de vampiro cantante que seduz as mais belas melodias em "I"m waiting for the man" ou "Heroin". Existe o contracanto espectral e cândido da loira Nico em Femme fatale, "I"ll be your mirror" ou "All tomorrow's parties". Ouvem-se as mantras espaçosas impostas pelo piano ou pelo violino de John Cale em "The black angel's death song", e as guitarras ruidosas em estado de putrefacção em "Venus in furs".
Pela primeira vez uma banda soava niilista, ou parecendo provir do lado errado dos sonhos psicadélicos, com qualquer coisa de transcendente. É um disco onde tudo é obscuro, extremo, tóxico, desencantado, mais próximo das ideias percorridas pelos espíritos livre do jazz do que dos modelos mais convencionais do rock. Esse lado mais primitivo e alienado pode ter sido diluído pela passagem do tempo, mas ainda está lá, imune às circunstâncias. É uma música intensa aquela que é proposta, seja quando as arestas parecem mais polidas, num registo de balada pop, ou deixadas em aberto, guiadas pelas descargas de energia.
O disco saiu em Março de 1967, em pleno "Verão do amor", e era uma anomalia desse tempo. Os Velvet não eram hippies, nem queriam nada com eles. As letras não tinham nada de All you need is love, preferindo abordar paranóias, heroína, sadomasoquismo, desejo, morte, o lado B dos anos 1960. Também não havia longos e virtuosos solos de guitarra à Hendrix, apenas solos curtos e acordes básicos. E o visual era fora de época: todos de negro, óculos escuros, atitude distante. Claramente os hippies não gostavam deles. Quando tocaram em São Francisco, ao lado dos Jefferson Airplane e Frank Zappa, foram vaiados. Eram a banda certa, na cidade certa, na época errada. A retórica da paz & amor, da meditação e do sexo livre, passava-lhes ao lado. Eles viviam e cantavam o submundo de Nova Iorque. Só podiam resultar em qualquer coisa de diferente. Tão distintos que nenhuma multinacional se veio a interessar. Em 1966 receberam uma nota da Columbia dizendo que ninguém no seu perfeito juízo se viria a importar com aquilo.
Tudo começou quando o galês John Cale conheceu Lou Reed em 1964, quando foi estudar música clássica para Nova Iorque. Cale já trabalhara com compositores das vanguardas como Cornelius Cardew e La Monte Young, mas também se interessava por rock e Reed era essa porta de entrada. Mais tarde haveriam de juntar-se-lhes o guitarrista Sterling Morrison e a baterista Moe Tucker, que mal sabia tocar. Em Dezembro de 1965 um grupo de boémios, liderado por Warhol, acabou por assistir a um concerto do grupo no Café Bizarre. Encantado pela prestação demoníaca dos quatro, Warhol felicitou-os, propôs que actuassem na Factory e sugeriu que integrassem a loira alemã Nico para cantar algumas canções. A reputação de Warhol deu-lhes maior visibilidade, acabando a tocar na Factory. Enquanto Warhol apresentava slides e filmes e alguns bailarinos criavam performances com chicotes e cruzes, os Velvet tocavam uma música repleta de ruído e reverberação. Apesar de creditado como produtor, Warhol pouco agiu sobre a música, cotando-se como o homem que lhes atribuiu o sentido de liberdade, a caução artística, a visibilidade mediática e uma capa icónica - uma das mais célebres de sempre. Ainda recentemente um juiz nova-iorquino indeferiu o processo levado a cabo por Lou Reed e John Cale contra a Fundação Warhol pela utilização da imagem da banana criada por Warhol. Os dois músicos invocavam licenciamento ilegal da imagem para utilização comercial indevida e enganosa para iPads e acessórios.
Aliás, as histórias que rodeiam esse álbum, e a vida do grupo que se viria a desintegrar em 1973, estão recheadas de contendas, não só entre os dois principais obreiros do grupo (Cale e Reed) como entre estes e o mundo exterior. O que é curioso é que quando o álbum saiu poucos deram por ele. Nos primeiros cinco anos foram vendidas 30 mil cópias, insuficiente para a época mas essencialmente pouco se pensarmos na sua influência posterior. Nem sempre é pelo sucesso comercial que se aquilata da ascendência de um disco. Um dia o músico e produtor Brian Eno afirmou, realçando o seu efeito, que poucos o terão comprado quando saiu, mas de entre todos os que o fizeram terão sido poucos os que não foram logo de seguida formar uma banda.
Ouvir um álbum destes, quase meio século depois, pode levar alguns a pensar em anacronismos. Mas é difícil encontrar um outro disco que tenha sobrevivido ao tempo de forma tão imparável. Não é uma peça triste de museu. É uma peça viva. Os Velvet foram, à sua maneira, a primeira banda "alternativa" do rock, colocando em causa os modelos normativos da época, ao mesmo tempo que construíram o seu próprio espaço. Não foram apenas o lado B dos anos 60. Com a sua acção, cantando o não visível, o não enunciado, a viscosidade do existir, tornaram-se também, à sua maneira, na banda sonora das últimas décadas do mundo contemporâneo.