sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

"Hotel California" dos Eagles, lançado a 8 de dezembro de 1976.

Houve uma época em que os álbuns ganharam muito mais importância em relação aos singles. Se for necessário situar esse tempo mais especificamente, diria que a década de 70 foi a mais prolífera em se tratando de voltar as atenções do público para um trabalho como um todo, ao invés de canções em separado. Discos como Rumours (Fleetwood Mac), IV (Led Zeppelin) Boston (Boston), The Dark Side of the Moon (Pink Floyd) e Bat Out of Hell (Meat Loaf) venderam dezenas de milhões de cópias e ajudaram a solidificar esse status. Mesmo os singles ou músicas de mais sucesso extraídas desses álbuns fugiam de formatos mais convencionais. Não raro eram longas, e mesmo assim eram muitas vezes executadas sem edição nas rádios. Entre esses artistas também estava o grupo norte-americano Eagles, que, em se tratando do seu país de origem, foram os soberanos da década.

Em 1976 a situação dos Eagles não poderia ser melhor. A banda vinha de uma sequência de álbuns de sucesso, sendo que os seus dois últimos lançamentos, One of These Nights (1975) e a recente colectânea "Their Greatest Hits (1971-1975)" (que se tornaria o segundo álbum mais vendido da história nos EUA) haviam ocupado o posto mais elevado da Billboard. Dos seus quatro últimos singles, dois haviam chegado à primeira posição nas tabelas norte-americanas ("Best of My Love" e "One of These Nights"), um alcançara a segunda colocação ("Lyin' Eyes") e outro beliscou o quarto posto ("Take It to the Limit"). Além do gigantesco reconhecimento por parte do público, "Lyin' Eyes" havia conquistado o prémio Grammy como melhor performance pop por uma dupla ou grupo com vocais. Por outro lado, a banda tinha acabado de sofrer a primeira baixa na sua formação; mas até nisso os Eagles não foram azarados, pois para o lugar do vocalista e multi-instrumentista Bernie Leadon entrou um dos mais habilidosos guitarristas da época: Joe Walsh (ex-The James Gang), que também era multi-instrumentista e vocalista.
Mesmo com tudo a seu favor, a banda entrou no estúdio Criteria, em Miami, com a intenção de consolidar ainda mais o seu nome, como a atracção número um dos Estados Unidos. Oito meses foram passados, tanto no Criteria como no Record Plant, em Los Angeles, até que o grupo tivesse encerrado o processo de produção desse álbum que, durante as gravações, se encaminhou para um rumo conceptual. Os Eagles já tinham feito um disco semi-conceptual em 1973 com o excelente Desperado, que mesmo não seguindo uma narrativa linear, versa sobre histórias ambientadas no oeste norte-americano durante o século XIX, expressando as influências musicais que tinham as suas mais profundas raízes fincadas nessa época.

Entretanto, em Hotel California a banda foi mais além. Ao invés de escreverem letras de temática distante da realidade, resolveram olhar para os próprios umbigos e retratar a realidade que rodeava os cinco músicos, que, saídos de diversas regiões do país, acabaram por se unir em busca de fama e fortuna na "terra prometida", a Califórnia. Talvez com a excepção de "Pretty Maids All in a Row" e "Try And Love Again", os Eagles buscaram, através de diversas metáforas focadas no universo californiano de excessos que a banda vivenciava, apresentar as benesses e as agruras, a pujança e a decadência dos Estados Unidos como um todo. Não à toa as mais mirabolantes teorias surgiram a respeito da temática utilizada nas letras do álbum, especialmente tratando-se da faixa-título. O "hotel" em questão já foi tido como um hospital psiquiátrico, uma igreja tomada por satanistas e até mesmo a mansão de Aleister Crowley, entre outras coisas. As letras sugerem referências diversas, e esse é um dos pontos positivos de Hotel California, colocar os ouvintes a reflectirem, ao mesmo tempo sugerindo interpretações diversas. Claro que, mesmo mais de 40 anos após o lançamento do disco, os membros da banda ainda são inquiridos constantemente a respeito do significado das letras, facto que já os irritou por diversas vezes, dada a grande insistência e a quantidade de perguntas já respondidas em diversas oportunidades.
Don Henley

Não foi apenas liricamente que o grupo deu um passo em frente nesse álbum. Musicalmente, os Eagles mostraram-se ainda mais amadurecidos do que no já sofisticado One of These Nights. Rotulado por muitos como apenas um empacotador da fórmula criada anteriormente por grupos como The Byrds e The Flying Burrito Brothers, polindo o seu rock infectado de country até que esse se tornasse mais palatável para o ouvinte médio norte-americano, os Eagles soam mais sólidos do que nunca em Hotel California. A adição de Joe Walsh no lugar de Bernie Leadon (que fez parte do The Flying Burrito Brothers) trouxe um approach mais hard rock à banda, e a performance do baterista e vocalista Don Henley e do baixista e vocalista Randy Meisner é a mais roqueira de toda a discografia do grupo até então. O guitarrista e vocalista Glenn Frey concentrou-se mais nas bases, enquanto Joe Walsh e Don Felder solaram com bom gosto, e brilharam para o grupo.

Outro diferencial importantíssimo foi a ascensão de Don Henley como principal vocalista do grupo, cantando cinco das nove canções do álbum (uma é instrumental). Até então, havia uma distribuição quase igualitária do número de faixas que cada um dos músicos cantaria, dependendo também da autoria das canções, geralmente equilibrada, com excepção do guitarrista Don Felder, que na sua carreira com os Eagles cantou apenas a faixa "Visions", de One of These Nights. Talvez essa tenha sido uma das razões para acirrar a guerra de egos que se reforçaria no grupo dali em diante e resultaria no final da banda em 1980 de maneira nada pacífica, culminando com um concerto que teve lugar em Long Beach, no qual Glenn Frey e Don Felder trocaram ameaças inclusive sobre o palco.

Lançado após meses de trabalho e com o perfeccionismo de Don Henley chegando a raias quase intoleráveis pelos outros integrantes, Hotel California chegou às lojas no dia 8 de dezembro de 1976. Em apenas cinco dias, a 13 do mesmo mês, o álbum chegou a disco de ouro (500 mil cópias comercializadas), e dois dias depois alcançou a platina (1 milhão de cópias). O disco não apenas chegou à primeira posição na Billboard como permaneceu nesse posto durante oito semanas, chegando à impressionante marca de 16 milhões de cópias vendidas apenas nos Estados Unidos. No futuro o álbum seria sempre um dos protagonistas de todo o tipo de lista que se prestou a agregar os melhores e mais importantes discos já lançados na história da música moderna, tanto no rock quanto na música pop em geral.
Beverly Hills Hotel, o "Hotel California"
da capa do álbum
Mas será que o conteúdo do disco é suficiente para justificar todo esse sucesso e reconhecimento conquistado pelos Eagles, uma banda que, apesar de todo o seu êxito comercial e da forte presença na cultura popular do seu país, não incutiu tanta influência musical a nível mundial? É o que pretendo discutir nos próximos parágrafos.

"Hotel California", a música, pertence ao rol de canções que foram executadas até à exaustão, e por isso, já não conseguem ser escutadas da mesma maneira por muita gente, tendo praticamente expirado o seu "prazo de validade". Outros não a apreciam devido aos rótulos com os quais a música foi tachada (brega, auto-indulgente), seguindo a maré. Contudo, é inegável que se trata de uma música antológica, carregada das mais diversas histórias a respeito dos seus mais de seis minutos o quanto é possível. Aliás, o facto de, mesmo com a sua longa duração ter alcançado o topo da tabela de singles, remete à introdução deste texto e à época atípica em que o álbum foi lançado. "Hotel California" não é nada convencional, mesmo para os padrões dos Eagles. Foi Don Felder quem teve a ideia inicial e mostrou o esqueleto da canção para Don Henley e Glenn Frey, quando ela contava com o título provisório de "Mexican Reggae". Henley e Frey ajudaram a arranjar a música, criaram o refrão, e Henley escreveu a letra que suscitaria tantas interpretações posteriores. Não vou citar aqui todas as diversas teorias que foram criadas com o passar dos anos sobre "Hotel California", pois elas são muitas e em grande parte bastante infundadas. Porém, trago uma curiosidade: nos seus versos, apenas como uma brincadeira, Henley incluiu uma referência à dupla Steely Dan, no trecho "they stab it with their steely knives / but they just can't kill the beast". A citação deve-se ao facto de que os Steely Dan também fizeram uma referência à banda na faixa "Everything You Did", do álbum The Royal Scam (1976), no verso "turn up the Eagles, the neighbours are listening", onde é descrita uma briga entre o autor e a sua namorada, com o autor a pedir para que a mulher aumentasse o volume da música que estava a ser ouvida (do Eagles), para que os vizinhos não escutassem a discussão. Supostamente, a namorada de Walter Becker dos Steely Dan, seria uma grande fã da banda, facto que teria inspirado o verso. Contudo, não existem declarações que confirmem esse rumor. O que existe é o facto de que os dois grupos compartilhavam o mesmo empresário (Irving Azoff) e mantinham uma rivalidade amigável nos anos 70.
Glenn Frey

Como está explícito no título provisório da faixa, um andamento próximo do mais famoso dos ritmos jamaicanos conduz a maior parte da canção, bastante swingada, levando ao refrão cheio das harmonias vocais tão características do grupo. A introdução, tocada numa viola de 12 cordas, remete imediatamente, mesmo aos ouvintes mais leigos, a esta música que ficou gravada na mente de milhões de pessoas espalhadas por todo o mundo. A letra, mais do que apenas um amontoado de estrofes que causam tanta discussão até hoje, constitui uma muito inteligente escolha de palavras, contribuindo para a construção das lindas melodias vocais de Don Henley. Mas nada em "Hotel California" é tão marcante quanto a longa sequência de solos que se inicia aos quatro minutos e vinte de música e se encaminha até ao final da faixa. Don Felder e Joe Walsh trocam belíssimos e melodiosos solos com as suas Gibson SG e Fender Telecaster, respectivamente, mas soam especialmente maravilhosos quando executam as suas linhas em dueto, cunhando um dos solos mais memoráveis da história do rock.

Glenn Frey é o vocalista da seguinte, a semi-acústica "New Kid in Town", provavelmente a mais próxima do passado recente do grupo. A música, que também chegou ao primeiro posto da Billboard, é uma perfeita configuração daquilo que passou a ser denominado como "soft rock" na época. Uma balada pop rock com o tempero country precioso para a banda nos seus primórdios, denotando a influência dos pioneiros do género, além de um toque latino, mas com um esmero muito especial em se tratando das harmonias vocais, que inclusive renderiam em 1977 um Grammy na categoria "melhor arranjo para vozes" a essa faixa. Tudo funciona na perfeição nessa música que mostrou a capacidade dos Eagles em transformar uma canção simples, num festival de arranjos, mas sem soarem auto-indulgentes em momento algum.

O então recentemente aflorado lado hard rock dá as caras em "Life in the Fast Lane", com um fantástico riff inicial, cortesia de Joe Walsh, e uma carga de distorção não experimentada anteriormente pelo grupo, casando perfeitamente com a letra, que versa sobre o estilo de vida cheio de excessos de um hipotético casal, mas que certamente se refere às experiências que a fama e o dinheiro trouxeram aos cinco integrantes, incluindo festas, carros, mulheres e drogas, muitas drogas, explícitas no verso "there were lines on the mirror, lines in her face", uma clara alusão à cocaína. É importante destacar nessa faixa a afirmação do baterista Don Henley, também cantor da faixa, e do melódico baixista Randy Meisner como uma cozinha capacitada para explorar com propriedade as plagas mais pesadas do rock.
Don Felder
"Wasted Time" traz Glenn Frey no piano e Joe Walsh no órgão, além de arranjos de cordas, embelezando essa ambiciosa canção que traz Don Henley na excelente interpretação de um lamento sobre tempo perdido, provavelmente na estrada, sina de um músico, sem poder se prender a relacionamentos. Contando com a faixa seguinte, "Wasted Time (Reprise)", uma espécie de "cauda" para a canção, trazendo os arranjos do condutor Jim Ed Norman em evidência, são pouco mais de seis minutos de um épico compacto, contando com uma característica especial na discografia do grupo, a presença mais discreta das harmonias vocais, relegadas a um segundo plano. Ponto para Henley, que cada vez mais tomava as rédeas do grupo e se mostrava um fantástico vocalista.

Canção mais convencional, "Victim of Love" é a única motivação que alguém pode ter para não rotular Hotel California como um álbum perfeito de cabo a rabo. Mesmo assim trata-se de outra óptima canção a explorar a veia hard rock da banda, dessa vez de maneira mais simples, mas sem jamais descuidar os esmerados arranjos, contando com Joe Walsh executando o slide e Don Felder descendo o braço de maneira mais displicente na sua guitarra. É necessário destacar a perfeita timbragem dos instrumentos em todo o álbum, mérito do perfeccionismo do grupo e do produtor Bill Szymczyk.
Joe Walsh

A voz fanhosa de Joe Walsh é a condutora da faixa seguinte, "Pretty Maids All in a Row", numa veia mais melódica do que o seu trabalho anterior, tanto em carreira a solo como nos The James Gang. Além de cantar, Joe toca piano e sintetizador na música, conduzida por estes dois instrumentos e pontuada por belas intervenções guitarrísticas, além de contar com uma discreta, mas perfeita base de violão, baixo e bateria. O Walsh por diversas vezes agressivo do The James Gang revela a sua faceta mais sensível, algo difícil de se imaginar levando em conta o seu comportamento selvagem na estrada, onde era famoso por carregar consigo uma moto-serra, a fim de "abrir portas" quando fosse necessário. Isso sem falar na destruição de banheiros e outros cómodos com o auxílio dos seus companheiros de estrada, em especial o baterista dos The Who, o falecido Keith Moon.

"Try and Love Again" é a filha única do baixista Randy Meisner, que deixaria o grupo após alguns meses de tournée, cansado da vida de estrada, recolhendo-se à sua casa no estado do Nebraska junto com a sua família. Randy, sempre o mais pacífico e amigável membro da banda, seria substituído por Timothy B. Schmitt, ex Poco, grupo original do próprio baixista. Meisner, autor e cantor da faixa, demonstra em "Try and Love Again" toda a sua sensibilidade lírica, unindo uma letra de romantismo explícito, mas não exacerbado, ao perfeito instrumental, contando com uma introdução que traz uma guitarra muito bem timbrada executando uma linda melodia. As suas linhas mais agudas trariam um problema aos Eagles após a sua saída, tanto que as canções originalmente cantadas por Randy seriam pouco tocadas ao vivo em épocas posteriores, com exceção do hit "Take It to the Limit", cantado por Glenn Frey.
Randy Meisner
Se a faixa-título e "Wasted Time" já possuíam tons épicos, é em "The Last Resort" que reside a gravação mais ambiciosa do grupo até então. Escrita em forma de narrativa mais linear, a música conta a história do crescimento da civilização branca norte-americana no oeste do país sob uma óptica crítica e actualizada à época. Narra a destruição dos Estados Unidos pelas mãos daqueles que, ao mesmo tempo em que buscavam um sonho, arruinavam a vida dos nativos e a própria terra na qual habitavam, satisfazendo as suas necessidades e ambições em nome de um suposto Deus que os espera no paraíso, enquanto destruíam o seu paraíso na terra. Musicalmente, a climática faixa leva o ouvinte a uma etérea viagem que merece ser acompanhada pela leitura da belíssima letra, para assim compreender melhor sobre o que Don Henley canta. Sintetizadores tocados por Joe Walsh e Henley dão uma maior sofisticação à canção, que também conta com certeiras intervenções de Don Felder tocando o pedal steel guitar. Devo admitir que, mesmo não sendo a minha favorita, "The Last Resort" talvez seja a maior realização de toda a carreira dos Eagles.

Ao término desta avaliação, não tenho como deixar de dar razão a todos os que apontam Hotel California como um dos mais importantes discos já lançados na história da música popular, retrato de uma época diferente, mostrando uma banda no auge, que apesar de todos os excessos, conseguiu focar todo o seu talento na criação de um documento histórico musical e lírico, de maturidade experimentada raras vezes e de um bom gosto que transcende décadas. Não é por causa da sua extrema popularidade que deve ser rejeitado pelos exploradores das obscuras plagas musicais. Trata-se de um item obrigatório na discoteca de qualquer um interessado em boa música, sem rótulos.

Track list:

1. Hotel California
2. New Kid in Town
3. Life in the Fast Lane
4. Wasted Time
5. Wasted Time (Reprise)
6. Victim of Love
7. Pretty Maids All in a Row
8. Try and Love Again
9. The Last Resort

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