sábado, 18 de março de 2017

Morreu CHUCK BERRY...

Charles Edward Anderson Berry, melhor conhecido pelo seu nome artístico Chuck Berry, nasceu no dia 18 de Outubro de 1926 e construiu uma reputação graças ao seu trabalho como guitarrista, cantor e compositor. No entanto, por ter sido um dos pioneiros do rock and roll, o seu nome nunca será esquecido.
Criador das célebres músicas “Maybellene”, “Roll Over Beethoven”, “Rock and Roll Music” e “Johnny B. Goode”, Chuck Berry aperfeiçoou e desenvolveu o rhythm and blues, incorporando-o num género emergente e garantido que o rock and roll se tornava no conjunto de sonoridades distintas pelo qual hoje o conhecemos. As suas canções, que se centravam na vida adolescente e realçavam temas como o consumismo, foram uma forte influência no género de rock que se repercutiu nas décadas seguintes.
Vindo de uma família da classe média, em St. Louis, Missouri, Chuck Berry era ainda muito pequeno quando demonstrou interesse pela música, fazendo a sua primeira apresentação musical na escola. No entanto, em 1944, quanto se dedicava ainda aos estudos, uma reviravolta dá-se na vida do artista: é preso por assalto à mão armada, ficando encarcerado entre 1944 e 1947.
Ao ser libertado, Berry decide constituir uma família, casando-se com Themetta Suggs e consegue um emprego fixo numa fábrica de montagem de automóveis. Ainda assim, enquanto constituía uma vida e assentava, Berry ia mantendo o seu interesse pela música. Em 1953, influenciado pela música e estilo musical de T-Bone Walker, Berry começou a fazer alguns concertos à noite ao lado de Johnnie Johnson.
A vida do jovem desconhecido guitarrista começou assim a mudar em Maio de 1955, quando  se cruzou com Muddy Waters, que o pôs em contacto com a editora Chess: é esta a oportunidade que dá a Chuck Berry o momento da sua vida e de fazer aquilo de que realmente gosta. Nos anos que se seguem vai-se consagrando como artista, viajando pelo país para inúmeros concertos onde faz fervilhar a audiência com Roll Over Bethoveen, Sweet Little Sixteen e School Days.
A maioria dos grandes hits de Berry foram gravados na própria Chess, com as participações do pianista Johnnie Johnson, o baixista Willie Dixon e o baterista Fred Below, dando base ao que viria a ser a constituição básica de uma banda de rock and roll. De resto, Chuck preferia tocar sozinho, especialmente durante os seus tours: por norma, procurava e encontrava bandas locais que o acompanhassem em palco.
No entanto, quando começa a ganhar ritmo no seu trabalho musical, é novamente preso, desta vez em 1959, acusado de se envolver com uma empregada de mesa com apenas 14 anos. Condenado a pagar uma multa na ordem dos 5 mil dólares, é mantido atrás de grades até 1963. Ao sair da prisão, espera-o uma nova jornada. Ainda que não tenha conseguido alcançar o sucesso de que usufruía antes de ser preso, o artista continua a viver uma vida razoável de sucesso, focando-se nos clássicos melhor aplaudidos pelos fãs do que em criar novas canções.
No início da sua carreira, Chuck Berry foi fortemente influenciado por grandes artistas como King Cole, Louis Jordan, além de, claro, Muddy Waters, que o ajudou a lançar. Mais tarde, foi ele que se tornou na influência, ajudando a definir a voz de bandas como Beatles, Animals e Rolling Stones. E se há ainda dúvidas quanto à posição e impacto de Chuck Berry no panorama musical norte-americano, temos a prova da revista Rolling Stone que elegeu o artista como o 5.º maior nome da música de todos os tempos, considerando-o ainda o 7.° melhor guitarrista do mundo.
No dia 18 de março, Chuck Berry faleceu devido a uma paragem cardíaca, com 90 anos. Os seus últimos anos tinham sido dedicados à reprodução dos clássicos que marcaram o seu repertório – como dissemos anteriormente, o artista não se dedicou à gravação de novas músicas – e o seu tempo enquanto artista era especialmente preenchido com concertos no clube Blueberry Hill. Todavia, o artista parece ter repensado a sua decisão de não gravar novos conteúdos porque chega agora o álbum CHUCK que traz dez novas gravações, das quais oito são totalmente compostas pelo próprio Chuck Berry.
CHUCK é o primeiro álbum do músico desde “Rock It”, lançado originalmente em 1979.  O novo disco foi gravado e produzido pelo próprio Chuck Berry em vários estúdios em St. Louis, nos EUA, e inclui participações do seu grupo de sempre – incluindo os filhos Charles Berry Jr. (guitarra) e Ingrid berry (harmónica, voz), e ainda Jimmy Marsala (baixista de Berry durante 40 anos), Robert Lohr (piano) e Keith Robinson (bateria) – que tocaram consigo durante quase duas décadas em mais de 200 concertos na residência que teve no célebre clube Blueberry Hill.
O álbum também inclui participações de convidados como Gary Clark Jr., Tom Morello, Nathaniel Rateliff e Charles Berry III, neto do próprio Chuck Berry. Já o aclamado escritor e historiador Douglas Brinkley escreveu um artigo que é agora incluído nesta edição de CHUCK.
Este novo álbum é apresentado pelo single Big Boys, que conta com as colaborações de Tom Morello e Nathaniel Rateliff, e que Brinkley descreve como “um hino nacional para os guitarristas”.

domingo, 12 de março de 2017

The Velvet Underground & Nico... há 50 anos!

(Lançamento: 12 de março de 1967)

Se não é o disco mais influente de sempre, não deve andar lá longe.: The Velvet Underground & Nico, o "álbum da banana".
Era um lugar dedicado à arte, às experiências, à subversão, pelo que a Factory era o lugar perfeito para os Velvet Underground, escrevia John Cale, co-fundador do grupo, na sua autobiografia (What"s Welsh For Zen?) lançada em 2011. É isso. O nome dos Velvet Underground haverá de estar sempre ligado a um tempo, a uma cidade e a um homem - a segunda metade dos anos 1960, quando a Nova Iorque boémia e artística pulsava na Factory, o espaço imaginado por Andy Warhol. E se existe um disco capaz de personificar, melhor do que qualquer outro, esse turbilhão criativo ele é The Velvet Underground & Nico, o "álbum da banana", como haveria de ficar conhecido, por causa da icónica capa da autoria de Warhol. Haverá álbuns dos Beatles, Stones, Dylan, Cohen ou Doors, tudo nomes mais consensuais do que os Velvet, que figurarão na lista dos mais influentes de sempre para a generalidade dos mortais. Mas para uma parcela muito significativa dos melómanos e para a mais estimulante música dos últimos trinta anos, esse álbum foi determinante enquanto farol, influência, símbolo.
Sem ele não teria havido David Bowie, Stooges, Can, Roxy Music, pelo menos da forma como os conhecemos. É impossível pensar na Nova Iorque artística da segunda metade dos anos 1970, personificada na música pelos Talking Heads, Television ou Patti Smith, sem passar por este disco. É difícil imaginar o punk e o pós-punk simbolizado pelos Sex Pistols e Clash ou pelos Joy Division e Echo & The Bunnymen sem vislumbrar a silhueta desse álbum. É impraticável não vislumbrar esse espectro no melhor rock do final dos anos 1980 e início dos anos 1990 (Sonic Youth, My Bloody Valentine) ou no renascimento rock impulsionado, nos anos 2000, por Strokes ou Interpol. Como é difícil acordar num domingo de manhã solarengo sem pensar em Sunday morning.
Algumas notas celestiais, uma voz de hippie andrógina, uma balada envolvente, uma luz transparente, uma canção delicada. Essa canção, que saiu em single antes do álbum, é viciante, a aparente antítese de uma tripe ao inferno. Mas depois dessa canção, que abre o álbum de estreia dos Velvet, nada parece normal. Há a voz de Lou Reed, espécie de vampiro cantante que seduz as mais belas melodias em "I"m waiting for the man" ou "Heroin". Existe o contracanto espectral e cândido da loira Nico em Femme fatale, "I"ll be your mirror" ou "All tomorrow's parties". Ouvem-se as mantras espaçosas impostas pelo piano ou pelo violino de John Cale em "The black angel's death song", e as guitarras ruidosas em estado de putrefacção em "Venus in furs".
Pela primeira vez uma banda soava niilista, ou parecendo provir do lado errado dos sonhos psicadélicos, com qualquer coisa de transcendente. É um disco onde tudo é obscuro, extremo, tóxico, desencantado, mais próximo das ideias percorridas pelos espíritos livre do jazz do que dos modelos mais convencionais do rock. Esse lado mais primitivo e alienado pode ter sido diluído pela passagem do tempo, mas ainda está lá, imune às circunstâncias. É uma música intensa aquela que é proposta, seja quando as arestas parecem mais polidas, num registo de balada pop, ou deixadas em aberto, guiadas pelas descargas de energia.
O disco saiu em Março de 1967, em pleno "Verão do amor", e era uma anomalia desse tempo. Os Velvet não eram hippies, nem queriam nada com eles. As letras não tinham nada de All you need is love, preferindo abordar paranóias, heroína, sadomasoquismo, desejo, morte, o lado B dos anos 1960. Também não havia longos e virtuosos solos de guitarra à Hendrix, apenas solos curtos e acordes básicos. E o visual era fora de época: todos de negro, óculos escuros, atitude distante. Claramente os hippies não gostavam deles. Quando tocaram em São Francisco, ao lado dos Jefferson Airplane e Frank Zappa, foram vaiados. Eram a banda certa, na cidade certa, na época errada. A retórica da paz & amor, da meditação e do sexo livre, passava-lhes ao lado. Eles viviam e cantavam o submundo de Nova Iorque. Só podiam resultar em qualquer coisa de diferente. Tão distintos que nenhuma multinacional se veio a interessar. Em 1966 receberam uma nota da Columbia dizendo que ninguém no seu perfeito juízo se viria a importar com aquilo.
Tudo começou quando o galês John Cale conheceu Lou Reed em 1964, quando foi estudar música clássica para Nova Iorque. Cale já trabalhara com compositores das vanguardas como Cornelius Cardew e La Monte Young, mas também se interessava por rock e Reed era essa porta de entrada. Mais tarde haveriam de juntar-se-lhes o guitarrista Sterling Morrison e a baterista Moe Tucker, que mal sabia tocar. Em Dezembro de 1965 um grupo de boémios, liderado por Warhol, acabou por assistir a um concerto do grupo no Café Bizarre. Encantado pela prestação demoníaca dos quatro, Warhol felicitou-os, propôs que actuassem na Factory e sugeriu que integrassem a loira alemã Nico para cantar algumas canções. A reputação de Warhol deu-lhes maior visibilidade, acabando a tocar na Factory. Enquanto Warhol apresentava slides e filmes e alguns bailarinos criavam performances com chicotes e cruzes, os Velvet tocavam uma música repleta de ruído e reverberação. Apesar de creditado como produtor, Warhol pouco agiu sobre a música, cotando-se como o homem que lhes atribuiu o sentido de liberdade, a caução artística, a visibilidade mediática e uma capa icónica - uma das mais célebres de sempre. Ainda recentemente um juiz nova-iorquino indeferiu o processo levado a cabo por Lou Reed e John Cale contra a Fundação Warhol pela utilização da imagem da banana criada por Warhol. Os dois músicos invocavam licenciamento ilegal da imagem para utilização comercial indevida e enganosa para iPads e acessórios.
Aliás, as histórias que rodeiam esse álbum, e a vida do grupo que se viria a desintegrar em 1973, estão recheadas de contendas, não só entre os dois principais obreiros do grupo (Cale e Reed) como entre estes e o mundo exterior. O que é curioso é que quando o álbum saiu poucos deram por ele. Nos primeiros cinco anos foram vendidas 30 mil cópias, insuficiente para a época mas essencialmente pouco se pensarmos na sua influência posterior. Nem sempre é pelo sucesso comercial que se aquilata da ascendência de um disco. Um dia o músico e produtor Brian Eno afirmou, realçando o seu efeito, que poucos o terão comprado quando saiu, mas de entre todos os que o fizeram terão sido poucos os que não foram logo de seguida formar uma banda.
Ouvir um álbum destes, quase meio século depois, pode levar alguns a pensar em anacronismos. Mas é difícil encontrar um outro disco que tenha sobrevivido ao tempo de forma tão imparável. Não é uma peça triste de museu. É uma peça viva. Os Velvet foram, à sua maneira, a primeira banda "alternativa" do rock, colocando em causa os modelos normativos da época, ao mesmo tempo que construíram o seu próprio espaço. Não foram apenas o lado B dos anos 60. Com a sua acção, cantando o não visível, o não enunciado, a viscosidade do existir, tornaram-se também, à sua maneira, na banda sonora das últimas décadas do mundo contemporâneo.