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quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

António Variações, se fosse vivo, faria hoje 70 anos

António não percebia nada de música. Era um "compositor de assobio", como disse David Ferreira, da Valentim de Carvalho, a empresa que lhe gravou o primeiro álbum. "Quando me pediram para ouvir as primeiras cassetes falaram-me de um "António Cabeleireiro", "uma espécie de Frei Humano actualizado".
Se fosse vivo, António - que deixou cair no cartão de apresentação artística o nome de "António Cabeleireiro", para se apresentar ao Portugal do "Passeio dos Alegres" como António Variações - faria a 3 de Dezembro 70 anos. 
António foi, pois, um cabeleireiro que teve a coragem de se aproximar de Júlio Isidro quando o viu num salão da cabeleireira Isabel Queiroz do Vale. Mostrou-lhe uma cassete, que o apresentador ouviu e logo decidiu convidá-lo para o programa Passeio dos Alegres no domingo seguinte. Foi esse o arranque para uma "aparição" ("Aparição é mesmo o termo mais apropriado para nos referirmos à passagem de António Variações entre nós", diz Manuela Azevedo, que integrou o projecto Humanos) e uma carreira que foi "meteórica", de tão breve quanto influente. Não foi, porém, consensual, a receptividade que a música de António Variações teve na época.
"Excêntrico" e "exótico" são os epítetos mais comuns para referir a sua aparência visual e o seu estilo musical. E há também, quem, como Vítor Rua, ex-GNR e o primeiro guitarrista a acompanhar Variações no seu primeiro álbum, não se coíba agora de admitir que aquela música era, afinal "uma parolada do caneco". A verdade é que é difícil ficar indiferente ao legado deixado por António Variações.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Faz hoje 30 anos que António Variações partiu...

Faz hoje 30 anos que António Variações partiu...
1944 -1984

António Variações faleceu no dia de Santo António faz hoje 23 anos. Se ainda fosse vivo teria 62 anos, mais o menos a idade de Mick Jagger, David Bowie ou Freddie Mercury. Esta precoce partida acabaria por deixar um enorme vazio na música popular portuguesa, infelizmente pouco reconhecido nos anos que se seguiram à sua morte. Mas a curta carreira de Variações não diminui a sua importância e qualidade enquanto artista e a prova disso é que, com apenas dois álbuns, conseguiu o que muitos só conseguiriam com mais álbuns e anos de carreira. Daí que não me pareça injusto considerar Variações como um dos nomes maiores da música portuguesa do último quarto do século XX.
Este especial sobre a vida e obra de Variações está dividido em cinco partes, que cobrem os aspectos mais importantes do percurso do autor/cantor desde as suas origens até ao legado que deixou na música portuguesa. Temos assim Origens e chegada a Lisboa; Principais influências e viagens; Espectáculos, discos e fama; A força da diferença e Legado. Escolhi algumas músicas que, pelo seu significado, melhor se enquadravam com cada uma das partes.

1 – Origens e chegada a LisboaA 3 de Dezembro de 1944 nasce António Joaquim Rodrigues Ribeiro na Freguesia de Fiscal - Amares, Braga, filho de camponeses. Terminada a escola primária e depois de recusar a profissão de carpinteiro, imposta pelos pais, ruma a Lisboa, onde já se encontravam dois irmãos e alguns familiares. Trabalha com empregado de balcão, empregado de escritório e barbeiro. Esta última profissão irá aperfeiçoar, tornando-se mais tarde cabeleireiro. Estuda de noite. A ideia de um dia vir a ser um fadista famoso acompanha-o de pequeno, quando cantava no quintal da casa de família. Sem nunca renegar às suas origens, a chegada a Lisboa abre-lhe os horizontes, mas por pouco tempo, já que cedo se apercebe da pobreza social e cultural da capital. Olhei para trás, Linha – vida e Anjinho da guarda são os temas que mais retratam esta etapa da sua vida.

2 – Principais influências e viagens
A procura de novas realidades leva-o até Londres em 1975 onde fica cerca de um ano. Parte depois para Amesterdão onde vive cerca de três anos e aprende a profissão de cabeleireiro. Nesta cidade faz amizades que mais tarde visita com regularidade. De volta a Lisboa, estabelece-se como o primeiro cabeleireiro unisexo do país, abrindo mais tarde uma barbearia na Rua de S. José. Terá afirmado um dia que apesar de gostar da sua profissão, não a considerava uma paixão e que o mais importante era ter rendimentos para viver e gozar férias no mês de Agosto. Visita Nova Iorque e regressa à Holanda. O espírito aberto e de cidadão do mundo estão presentes nos temas Estou além e Minha cara sem fronteiras.
As figuras da Mãe, Amália e Fernando Pessoa constituem as suas principais referências e fonte de inspiração para algumas das suas músicas, tais como Deolinda de Jesus, Povo que lavas no rio, Voz – Amália – de nós e Canção.
Apesar de influenciado por outras realidades culturais, facilmente encontra um equilíbrio entre o que se poderá denominar vanguarda e tradicional. É neste contexto que terá ficado célebre a expressão “ entre Nova Iorque e a Sé de Braga “, que mais não significava do que fazer a fusão entre a música moderna que se fazia lá fora (ao nível da sonoridade) e a música popular portuguesa (mais presente na letra), sem esquecer a música tradicional (Fado), pela maneira como o próprio António cantava.
1º LP Anjo da Guarda (1983)

3 – Espectáculos, discos e fama
Para António a grande paixão era mesmo a música e tudo havia de fazer para concretizar o seu sonho. Mas de início as coisas não foram fáceis e pelo meio foi coleccionando algumas frustrações. Por exemplo, quando concorre para vocalista dos Corpo Diplomático (banda antecessora dos Heróis do Mar), chumba na audição. Mas nem tudo se perde, já que se torna cabeleireiro da banda. Em 1977 assina finalmente contrato com a Valentim de Carvalho, depois de apresentar uma maqueta com alguns temas. Foi para estúdio mas os resultados ficaram aquém das expectativas, dado não ter sido encontrado o registo certo.
Sabendo que a melhor forma de dar-se a conhecer era fazer espectáculos e esperar por uma nova oportunidade da editora, apresenta-se ao mundo artístico como António e Variações, nome da orquestra/grupo que pretendia criar. Daí o nome definitivo António Variações.
Em Março de 1981, sob o nome António (autor/intérprete), faz o primeiro espectáculo na discoteca Trumps que, devido ao ruído, provoca alguns problemas com a vizinhança. Não tendo as coisas corrido da melhor forma, regressa ao Trumps para um segundo espectáculo melhor organizado, e canta a música Toma o comprimido. Mais confiante depois de uma actuação bem sucedida convence Júlio Isidro (cliente da barbearia) a ouvir uma cassete com músicas suas. Não demorou muito até ser convidado, ainda nesse ano, a actuar, no programa O Passeio dos Alegres, onde cantou os temas Toma o comprimido e Não me consumas. O primeiro acabaria por se editado apenas em 2006 na colectânea A História de António Variações. Já o segundo seria editado pelo projecto Humanos em 2004.
Sem novidades da parte da Valentim de Carvalho e com um contrato assinado vai para quatro anos, no qual existia o compromisso para a gravação de um disco, fala com o irmão Jaime Ribeiro(advogado) no sentido de pressionar a editora. Em Julho de 1982 é finalmente chamado para entrar em estúdio e iniciar os ensaios para a gravação do primeiro maxi-single Povo que lavas no rio/Estou além. A admiração por Amália era tal que António chegou a fazer a primeira parte de um dos espectáculos da fadista, na Aula Magna, como forma de a homenagear.
Para além de O Passeio dos Alegres em 1981, actua também nos programas da RTP Musicaqui e Retrato de Família em 1982 e Frut`ó Chocolate e Ora Bem em 1983. Os seus videos passam no programa Vivamúsica em 1983.
Ainda neste ano é editado o primeiro LP Anjo da Guarda, com elementos dos GNR como músicos de apoio. O resultado supera todas as expectativas e temas como O corpo é que paga, É p`rá amanhã e Quando fala um português, tornam-se grandes êxitos. No Verão seguinte António Variações é muito solicitado para espectáculos ao vivo por todo o país.
No ano seguinte, durante as gravações do segundo LP Dar e Receber, António começa a evidenciar alguns problemas de saúde. Músicos e técnicos com quem trabalhava julgam tratarem-se de sintomas de fadiga devido ao número excessivo de espectáculos. Ainda assim consegue terminar o álbum que, desta vez, contou com o apoio dos Heróis do Mar. Ainda que bem sucedido, o êxito de Dar e Receber ficou aquém de Anjo da Guarda devido ao falecimento do músico a 13 de Junho de 1984, no Hospital da Cruz Vermelha. Com a sua morte, toda a promoção do álbum teve de ser cancelada. Ainda assim perduraram temas como Perdi a memória, Quem feio ama e Dar e receber. Sobre a sua morte entendo não ser tema que deva aprofundar, abstendo-me de qualquer comentário ou explicação.
2º LP Dar e Receber (1984)

4 – A força da diferença
Apesar de não possuir quaisquer conhecimentos técnicos de música, António sabia muito bem o que pretendia fazer. A célebre frase “ entre Nova Iorque e a Sé de Braga “ é disso o exemplo. O processo criativo era muito “ naif “. Tinha uma ideia e tomava nota (escrevia a letra). Por vezes trauteava e depois gravava em cassete que apresentava à banda para tentar fazer a música. O principal problema era conciliar as letras com as músicas, uma vez que não tinha a noção do tempo musical.
Apesar da sua extravagância (actuava em estúdio como se ao vivo se tratasse), quem com ele trabalhou considerou-o bastante flexível, acabando por aceitar a sua forma de estar. Só assim poderia deitar para fora tudo o que sentia. Como referiu um dos engenheiros de som, António era um “ verdadeiro artista “. A este estilo muito próprio, Carlos Maria Trindade dos Heróis do Mar e Madredeus terá definido como “ estilo António Variações “.
Apesar da imagem excêntrica (roupa colorida e barbas compridas), essa imagem apenas expressava um dos lados da sua personalidade. Segundo testemunhos de pessoas que com ele privaram, António era uma pessoa simples e divertida, embora reservada.
A maneira muito própria de ser e estar na vida não o incomodava, assumindo perante a sociedade a pessoa diferente que era. Muito independente, preservava o seu espaço, sendo o seu invulgar lar o espelho da sua personalidade. Definido por muitos como avançado no tempo, ambicionava por novas experiências o que o levou a viajar para ver mais do que Lisboa lhe podia dar. Destas viagens colheu as tendências que serviram para dar à música popular portuguesa uma roupagem moderna e tornar-se no que sempre quis ser, um artista reconhecido. Em Sempre ausente, Canção do engate e Erva daninha alastrar podemos ficar a conhecer melhor a sua personalidade.
Colectânea com o inédito Toma o comprimido (2006)

5 – Legado
Nos anos seguintes ao seu desaparecimento falar de Variações parecia ser assunto tabu. As circunstâncias que envolveram a sua morte e o atraso social e cultural do país na década de 80 fizeram com que um dos grandes nomes da música portuguesa caísse praticamente no esquecimento. Dificilmente algum músico assumia ter sido influenciado por Variações, ou mesmo o comum cidadão gostar das suas músicas. O pouco reconhecimento da sua obra foi pela primeira vez quebrado com o álbum Tu Aqui de Lena D`Água, editado em 1989, com cinco temas inéditos de Variações. Pelo meio ficaram algumas versões com destaque para Canção do engate dos Delfins. Por altura do décimo aniversário da sua morte foi editado um disco de tributo Variações – As canções de António, no qual participaram nomes como Mão Morta, Três Tristes Tigres, Resistência, Sitiados, Madredeus, Sérgio Godinho, Santos e Pecadores, Delfins, Isabel Silvestre e Ritual Tejo.
Nos anos 90 Fernando Pereira protagonizou uma das mais bens conseguidas homenagens com o espectáculo A Festa da Música de Variações. O filme/documentário Variações de Maria João Rocha, transmitido pela RTP 2 no programa Artes e Letras em 1996, revelou-nos muitas curiosidades e aspectos desconhecidos da vida do artista. No ano seguinte é editada colectânea O Melhor de António Variações e reeditados em CD os seus dois álbuns. De praticamente ignorada, a obra de Variações era finalmente reconhecida e com toda a justiça. Mas de todas as homenagens, a que teria maior impacto seria o projecto Humanos, no ano em que se assinalou os vinte anos da sua morte. Protagonizaram este super-grupo, nomes consagrados como David Fonseca e Manuela Azevedo (da área do rock) e Camané (Fado). Apesar de ter sido pensado em grande, este projecto excedeu em muito as expectativas mais optimistas. Os Humanos não se limitaram a ser meros intérpretes e assumiram-se como um projecto com vida própria e com todo o mérito. Não só acrescentaram valor às suas carreiras de músicos consagrados que já eram, como valorizaram a obra desconhecida de António Variações. Mudar de vida e Maria Albertina foram talvez as músicas mais ouvidas na rádio em 2005, Quero é viver foi um dos temas da novela Ninguém com tu, transmitida pela TVI e Rugas foi o tema escolhido para uma campanha publicitária de um conhecido banco. Passados vinte anos as músicas inéditas de Variações eram novamente cantadas por todos, prova da popularidade dos seus temas: situações comuns do dia a dia, preocupações e reflexões sobre o sentido da vida, com os quais qualquer cidadão se identifica, quando transpostos para refrões que facilmente ficavam no ouvido, garantiram a fórmula do sucesso.
Os números falam por si: mais de 100.000 discos vendidos e três concertos esgotados (dois no Coliseu de Lisboa e um no do Porto), mais a actuação no Sudoeste, um dos pontos altos deste festival. O projecto Humanos foi, sem dúvida, o maior acontecimento musical de 2005, em Portugal, a que se juntaram a edição de uma biografia António Variações - Entre Braga e Nova Iorque, de autoria da jornalista Maria Gonzada e de um CD duplo A História de António Variações, com algumas raridades entre as quais se destaca o inédito Toma o comprimido. Definitivamente estava colocada uma pedra em cima da injustiça e do preconceito que ainda pairavam sobre a vida e obra de António Variações.
Projecto Humanos (2004)