quarta-feira, 1 de março de 2023

“The Dark Side of The Moon”: a obra-prima dos Pink Floyd celebra 50 anos

Capa do disco “The Dark Side of the Moon” da autoria de Storm Thorgerson e George Hardie

No dia 1 de Março de 1973, os Pink Floyd lançavam o trabalho de originais que viria a revolucionar uma era musical. The Dark Side of The Moon, seria assim o nome do oitavo álbum de estúdio do conjunto britânico que teve um impacto gigantesco. Com recordes de vendas quebrados em todo o mundo, estimando-se que tenham sido vendidas cerca de 45 milhões de cópias até hoje, The Dark Side of The Moon é muito mais do que um álbum de música que projectaria os Pink Floyd para um patamar estratosférico. Trata-se também de uma explosão musical com letras fortes que abordam temas profundos como tempo, dinheiro, ambição, depressão, loucura e morte. O rock progressivo, com uma forte componente psicadélica e inovadora, envolvendo outros estilos musicais, veio a demonstrar na perfeição o potencial do conjunto. Esta combinação resultou numa das maiores obras-primas musicais alguma vez produzidas até hoje, sendo ainda uma referência meio século após o seu lançamento.

Na altura os Pink Floyd contavam com o quarteto já bem conhecido desde alguns anos, constituído pelo baixista Roger Waters, o guitarrista David Gilmour, o teclista Richard Wright e o baterista Nick Mason. Já sem Syd Barrett, o mentor e fundador da banda que fora afastado dado os seus problemas com o LSD, apresentado uma saúde mental completamente deteriorada pelo seu consumo excessivo, o conjunto procurava insaciavelmente o álbum que viesse a dar o clique na sua carreira. Potencial e talento não lhes faltava, e já eram reconhecidos como uma banda promissora. Porém, as vendas dos álbuns anteriores pouco rendiam, nunca passando do meio das tabelas de vendas. Nos concertos apareciam maioritariamente fãs fiéis ao estilo da banda, embora na altura já tivessem um número de seguidores bastante considerável. 

Faltava qualquer coisa aos Pink Floyd para que se pudessem finalmente afirmar como uma das maiores bandas do momento. O trabalho árduo do conjunto, que lançava álbuns de originais todos os anos, não era suficiente. O rock psicadélico, que com o tempo e com a adição de outras nuances viria a transcender para um rock progressivo, captava a atenção de um grupo restrito de apreciadores do estilo. Era necessário algo mais, e estava difícil de encontrar uma fonte de inspiração capaz de os projectar para patamares nunca antes vistos. Porém, foi mesmo no lado negro da lua, onde os Pink Floyd finalmente encontrariam inspiração para o trabalho que teria esse mesmo nome: The Dark Side Of The Moon. O título inspirador advém do facto do movimento de rotação e de translação da Lua em torno da Terra coincidirem, sendo ambos 28 dias. Deste modo apenas conseguimos ver uma das faces iluminada pelo Sol, sendo que a outra é designada por lado escuro ou lado negro da lua.

Para além desta conotação ao espaço, com enorme foco no nosso satélite natural, outro elemento científico também surge. A capa, feita pelo designer gráfico Storm Thorgerson, exibe um triângulo num fundo negro, inspirado nas pirâmides do antigo Egipto, representado um prisma onde a luz branca é difractada nas diferentes cores que a compõem. Esta experiência foi realizada pela primeira vez por Isaac Newton, conhecido físico britânico que deixou um enorme legado na ciência, havendo assim uma alusão aos efeitos de luz que já eram bastante característicos dos concertos dos Pink Floyd, e também à diversidade da banda. A imagem, embora simples mas extremamente carismática, tornou-se num sucesso de marketing, não só com o álbum, mas também com t-shirts, posters, e os outros acessórios com a imagem exposta. Durante vários anos existiu uma teoria de que a grande inspiração de The Dark Side of The Moon terá sido cinematográfica, nomeadamente com O Feiticeiro de Oz  (The Wizard of Oz), filme de 1939 que ficou para sempre na história da sétima arte. Se passássemos o filme em simultâneo com o disco, havia cenas do filme que coincidiam com passagens das canções, efeito que ficou conhecido como Dark Side of The Rainbow. Esta história terá sido desmentida pelos membros do conjunto, não passando de coincidências que, por ordem do acaso, aconteceram.

O álbum viria a ser gravado nos estúdios Abbey Road, pela editora Harvest Records entre Maio de 1972 e Fevereiro de 1973, e em parceria com o engenheiro de som Alan Parsons e com a editora norte-americana Capitol Records. Os estúdios Abbey Road foram sempre fortemente associados aos Beatles pois foi o local onde gravaram a maioria dos seus trabalhos originais, para além de também ser o título de um dos seus álbuns de estúdio, o que também viria a impulsionar o sucesso deste trabalho dos Pink Floyd. Nunca fugindo à grande inspiração do quarteto naquele que foi o seu grande mentor, Syd Barrett, algumas das letras das canções de The Dark Side Of The Moon retratam a loucura e a depressão que lhe foram diagnosticadas. Já praticamente afastado da música, após a sua saída da banda e de uma carreira a solo de pouco sucesso, Syd ficaria sempre como o grande inspirador dos Pink Floyd e o sucesso do conjunto jamais faria com que isso fosse esquecido. A sua verdadeira homenagem viria dois anos mais tarde com Wish You Were Here, um álbum inteiramente dedicado a Syd Barrett, o tributo merecido após o sucesso de The Dark Side Of The Moon.

As letras foram todas escritas por Roger Waters, tornando-o à época no principal mentor dos Pink Floyd que, ao combinar com a excelência de cada um dos membros, fez com que a banda britânica voasse para um estatuto lendário na música rock. As canções já teriam sido compostas há algum tempo e a tour do álbum iniciar-se-ia logo no início de 1972, numa altura em que a gravação em estúdio ainda nem sequer tinha começado. Tal tour, intitulada “The Dark Side of The Moon – A pieced for assorted lunatics“, viria a ser uma espécie de primeiro ensaio ao álbum que estava prestes a ser editado. As canções apresentavam-se ainda num estilo embrionário, mas captariam a atenção do público que ansiava pela gravação de um álbum de originais com o material apresentado em palco. Assim, viria a surgir The Dark Side of The Moon, um álbum que marcaria a década de 70 e que se manteria bem vivo nos anos vindouros. Sobreviveria a toda uma conjuntura de novas variantes no rock que acabariam por dominar as décadas seguintes após o seu lançamento, continuando ainda a ser uma referência musical nos dias de hoje.

Embora em pleno século XXI este seja um álbum audível em qualquer serviço de streaming, em 1973 foi gravado e comercializado em disco vinil. Começando pelo lado A do disco, Speak to Me é a faixa que dá início a The Dark Side of The Moon, tendo sido composta pelo baterista Nick Mason. Trata-se de uma mistura de diversos sons iniciando-se com um batimento cardíaco que rapidamente se mistura com tiquetaques de relógios, efeitos de máquinas registadoras, hélices e risos, introduzindo alguns dos efeitos presentes nas canções futuramente apresentadas. Terminando com um grito interpretado por uma voz feminina, Speak to Me encerra com uma espécie de Big Bang musical, dando a indicação de que uma origem foi assim encontrada.

Essa origem surge com a canção Breathe (In The Air), marcado por um tom calmo, conjugando uma mistura harmoniosa entre os instrumentos da banda. No seio dessa harmonia surge a voz de David Gilmour ao cantar os versos “Breathe in the air / Don’t be afraid to care”, que acaba assim por dar o título a esta canção. Com uma letra simples mas bastante marcante, Breathe (In The Air) acaba por iniciar uma obra musical que prometeria ter tudo para dar certo, revelando um enorme equilíbrio entre os quatro membros do conjunto. Embora o rock progressivo com a forte matriz psicadélica estejam presentes, Richard Wright admitiu que ter-se-á inspirado no álbum Kind of Blue de Miles Davis, quando estava a compôr a canção.

On The Run, terceira faixa, é puramente instrumental, envolvendo sons electrónicos gerados por dois sintetizadores (um Synthi e posteriormente um VCS 3) em modo acelerado, que juntos criam uma espécie de efeito de doppler. Este fenómeno físico ocorre quando ocorre quando uma fonte de onda (neste caso o som) e o observador estão em movimento um em relação ao outro. Toda a faixa dá a sensação de movimento, como se a fonte de som se afastasse e aproximasse do ouvinte, dando a sensação de que se trata eventualmente de uma viagem espacial. Inicialmente denominada por The Travel Sequence, apresentando-se numa versão bastante diferente, esta tratava-se de uma melodia mais progressiva e não tanto electrónica como a versão hoje conhecida. São também audíveis sons de hélices, risos e frases soltas, assemelhando-se a um passageiro em pleno aeroporto. A canção termina com uma gargalhada e com o estrondo de um avião a despenhar-se.

De seguida ouvem-se tiquetaques que passado alguns segundos se elevam para o som de despertadores e campainhas de relógios em sintonia, que surgem com Time. O baixo de Roger Waters acaba por gerar um compasso dos segundos, que acompanha uma percussão fabulosa de tambores, executada por Nick Mason durante os primeiros minutos. Quando a percussão passa subitamente dos tambores para a bateria, David Gilmour volta a projectar a sua voz numa das canções mais emblemáticas no álbum, com um dueto feito a meias com Richard Wright. Após o dueto, um magnífico solo de guitarra de David Gilmour acompanhado pelos restantes instrumentos e pelos coros de apoio toma conta desta canção, vislumbrando o potencial musical do conjunto britânico. Voltando novamente a um registo igual ao do dueto inicial, com as duas vozes a dar continuidade a canção, Time termina com a continuação de Breathe (designada por Reprise). Aqui, a voz de David Gilmour começa por entoar “Home, home again / I like to be here when I can”, terminando da mesma forma que a versão original de Breathe (In The Air).

The Great Gig in The Sky surge com um piano tocado por Richard Wright, com os instrumentos a emergirem levemente, seguindo-se da frase entoada por Gerry O’Driscoll, o porteiro dos estúdios Abbey Road “And I am not frightened of dying. Any time will do, I don’t mind. Why should I be frightened of dying? There’s no reason for it – you’ve got to go sometime”. Após estas palavras, uma explosão musical ocorre com a poderosa voz de Claire H. Torry projectada em forma de cântico, sendo esta uma canção que não apresenta qualquer conteúdo lírico por detrás. Inicialmente denominada por “The Mortality Sequence“, numa versão sem vocais, e depois para “The Religion Song“, The Great Gig in The Sky remete para um cântico religioso ou até mesmo fúnebre. Na segunda metade da canção apenas são audíveis o piano de Richard Wright e a voz de Claire H. Torry, sem quaisquer outros instrumentos, terminando o lado A do formato vinil de The Dark Side of The Moon.

O lado B começa com o som de uma máquina registadora antiga que se mistura com o som de moedas a cair, dando início a Money. O compasso marcado pelo baixo de Roger Waters torna-se também numa imagem de marca da sexta faixa de The Dark Side of The Moon, provavelmente a mais emblemática do álbum. Interpretada pela voz de David Gilmour, exibindo uma letra que lança fortes críticas ao capitalismo e à sociedade de consumo, visível logo nos versos iniciais “Money, get away / You get a good job with more pay, and you’re okay”, esta tornou-se numa das mais poderosas canções de toda uma era musical. Após a primeira parte vocal, surge um solo de saxofone interpretado por Dick Parry, músico que viria também a colaborar com os Pink Floyd em trabalhos posteriores, e que daria também um grande contributo a este álbum. A sua performance termina com a bateria acelerada de Nick Mason que dá início a uma sinfonia efervescente, conjugando os diferentes instrumentos, com especial destaque para o solo de guitarra de David Gilmour. Voltando novamente à parte vocal de Gilmour, a canção termina com uma conversa e com frases soltas. Ironicamente, Money viria a ser a canção que tornaria os Pink Floyd milionários, sendo uma das canções mais efusivas de todo o repertório da banda que gerou furor sempre que passava nas estações de rádio e sempre que era exibida nos concertos.

Num registo mais suave, e introduzida por um órgão tocado por Richard Wright, surge a canção Us and Them que conta também com o saxofone de Dick Parry bem assente. Esta canção fora inicialmente denominada por The Violent Sequence quando foi composta por Richard Wright para o filme Zabriskie Point (Deserto de Almas), realizado por Michelangelo Antonioni em 1970. Com uma letra que descreve a natureza das consequências da guerra, criticando o materialismo e o consumismo, Us and Them consegue envolver o rock progressivo dos Pink Floyd com uma forte componente de jazz. A canção é novamente interpretada pela voz de David Gilmour, tendo no refrão o contributo da voz de Richard Wright. Antes do solo de saxofone, surge um diálogo interpretado por Roger Meinfold, um roadie que acompanhou a banda durante as tours dos anos 70. Seguem-se os coros vocais e os instrumentos em enorme harmonia, voltando novamente à componente vocal que encerra a canção mais longa do álbum com quase oito minutos de duração.

O rock psicadélico inerente nos Pink Floyd torna-se evidente com Any Colour You Like, uma faixa puramente instrumental cujo título remete para as cores do espectro de luz difractado na capa. Trata-se de uma harmoniosa conjunção dos instrumentos do conjunto, onde o sintetizador VCS 3 tocado por Richard Wright toma conta da primeira metade da canção enquanto que a segunda metade é dominada pela guitarra de David Gilmour. Acaba por ser uma mistura de rock psicadélico com jazz, funk e electrónica, dando também corpo ao álbum.

Após esta envolvente surge Brain Damage, canção interpretada pela voz de Roger Waters. A canção fora inicialmente denomida por “Lunatic” devido aos versos que decorrem ao longo da melodia “The Lunatic is on the grass […] The Lunatic is in my head”. É aqui que também surge o nome do álbum, com cada quadra a terminar com a frase “I’ll see on the Dark Side of The Moon”, nesta alegre melodia que acaba também por deixar uma marca forte neste trabalho. Durante a melodia são audíveis várias gargalhas de Peter Watts, pai da actriz Naomi Watts, o engenheiro de som que trabalhou nas gravações deste álbum, sendo esta uma canção que retrata a loucura no sentido literal da palavra.

O álbum não poderia deixar de terminar sem um fenómeno astronómico, neste caso com um eclipse. Eclipse é décima e última faixa do álbum e dá continuidade a Brain Damage. Novamente interpretada pela voz de Roger Waters, esta canção trata-se de uma espécie de lengalenga que se inicia com “All that you touch / All that you see / All that you taste or you feel” e que segue sempre com a palavra “All” no início de cada verso. Aumentando de intensidade com o tempo, onde os instrumentos e os coros de apoio vão ganhando notoriedade, esta canção termina com uma espécie de premissa filosófica: “And everything under the sun is in tune, but the sun is eclipsed by the moon”. Ainda em adição, outra frase poderosa proferida por Gerry O’Driscoll surge após o término da melodia: “There’s no Dark Side of The Moon really, In matter of fact is all dark.”. A canção termina com o batimento cardíaco inicialmente introduzido em Speak to Me, e que assim conclui aquele que é o lado negro da lua apresentado pelos Pink Floyd: The Dark Side of The Moon.

Mais do que um álbum de música, que contém nuances musicais muito para além do rock psicadélico e progressivo característico dos Pink Floyd, The Dark Side Of The Moon apresenta um conteúdo lírico de enorme impacto numa década de grandes transformações, não só musicais, mas também sociais. Dado o sucesso, houve alguma disputa no que toca aos créditos do álbum, relativamente à hegemonia que Roger Waters teria sobre a banda nos anos seguintes e dos atritos com os restantes membros. Também surgiram controvérsias relativamente ao pagamento dos engenheiros de som e dos músicos contratados para a sua gravação. Tendo em conta a explosão que The Dark Side of The Moon teria, a conta bancária dos membros dos Pink Floyd ficaria bem recheada e a compensação aos colaboradores não terá sido proporcional ao sucesso. Controvérsias que ainda perduram, mas que apenas vieram a comprovar que o sucesso também sai caro e que só se consegue alcançar através de um trabalho conjunto, acabando por ser mais ingrato para uns do que para outros.

Meio século depois, The Dark Side Of The Moon é um álbum considerado por muitos como uma das obras musicais mais vanguardistas de sempre, continuando a ser uma referência e um exemplo para a maioria dos intérpretes da música rock nos dias de hoje. E de facto, The Dark Side Of The Moon permanece actual, conseguindo ter o mesmo impacto como tivera em 1973 quando foi dado a conhecer ao mundo. Ainda está por definir qual o limite da longevidade deste álbum que acabou por ser um autêntico estouro daquilo que foram os Pink Floyd, colocando-os para sempre com o estatuto de uma das maiores bandas de todos os tempos. O triângulo, com o feixe de luz a incidir do lado esquerdo e as cores do arco-íris difractadas do lado direito, continua a ser um símbolo clássico da música rock. As canções, e sobretudo as letras do álbum, permanecem actuais, sendo um exemplo de maturidade, ousadia e acima de tudo de grande criatividade. Ao fim e ao cabo, não existe propriamente um lado negro da lua pois, sendo um corpo celeste sem luz própria, acaba por reflectir a luz do sol. Mas é no lado mais brilhante da música, onde estão as grandes peças musicais que se conseguem aproximar da eternidade, que conseguimos encontrar em grande plano The Dark Side Of The Moon dos Pink Floyd.