sexta-feira, 19 de março de 2021

O primeiro álbum de Bob Dylan foi lançado há 59 anos


A 19 de Março de 1962, um jovem músico de seu nome Robert Allen Zimmerman, conhecido hoje por Bob Dylan, um dos músicos mais influentes da música folk, country, blues e até rock, lançava o seu primeiro álbum de estúdio intitulado com o seu nome artístico. Celebrando-se hoje, além do dia do pai, os 59 anos deste álbum, nada melhor do que uma abordagem à obra que apadrinhou todo um vasto trabalho musical, lírico e literário daquele que foi o pai de uma geração de artistas, desde os que surgiram durante a sua afirmação como músico, até àqueles que procuram afirmar-se nos dias de hoje. Tudo se deve ao engenho de moldar poemas e textos em canções e melodias, e a um extenso leque de combinações de acordes de guitarra acompanhados pelo constante timbre estridente da sua harmónica, características que só um músico como Bob Dylan possui.

O álbum Bob Dylan não é propriamente um álbum “à Dylan” como geralmente se conhece, com letras e acordes de guitarra de uma identidade extrema. Trata-se de um álbum maioritariamente composto por covers curtos de temas da música folk e blues, desenvolvidos em anos anteriores, e com alguma exploração de novos conteúdos. A interpretação de “House of  The Risin’ Sun“, anterior à versão mais célebre de 1964 por parte dos britânicos Animals, é a música mais longa e talvez a que mais se destacou numa altura em que Bob Dylan não passava de um jovem músico que passeava com a sua guitarra e harmónica à procura de uma carreira musical como tantos outros jovens no início da década de 60. Porém, as músicas neste álbum compostas pelo próprio, “Song to Woody“ e “Talkin’ New York“, mostram que Bob Dylan poderia ser uma promessa na música e na composição de letras. E, na verdade, é que, até agora, Bob Dylan lançou 38 álbuns de estúdio, escreveu mais de 400 canções, venceu 13 prémios grammy (e é o artista que até hoje foi nomeado em maior número de categorias), um Óscar da academia e um Globo de Ouro para melhor canção original para o filme Wonder Boys e, mais recentemente, o Prémio Nobel da Literatura pela criação de modos de expressão poética na música americana. Falar hoje no primeiro álbum de Bob Dylan é falar da primeira obra de uma figura que à medida que o tempo avança se aproxima do estatuto de génio, tornando-se numa figura espiritual no mundo da música e da arte. Contudo, é importante realçar que o início da carreira de Bob Dylan foi repleto de obstáculos, até porque, de acordo com a crítica da época, o seu primeiro álbum não fora nada do outro mundo.

A aventura musical de Bob Dylan começa em 1959 quando, o ainda Robert Allen Zimmerman, partiu para Minneapolis para estudar na universidade de Minnesota. Foi aqui que o seu interesse inicial pelo rock n’ roll, que fizera um enorme sucesso durante a década de 50, começou a tender para o folk e também para o country. Durante o tempo que passou em Dinkytown, adoptou o tão ilustre nome artístico Bob Dylan, inspirando-se no seu poeta preferido, Dylan Thomas. Contudo, Bob Dylan abandonou a universidade logo após o seu primeiro ano e no início de 1961 viajou para Nova Iorque com a esperança de ver um dos seus ídolos musicais da música folk, Woody Guthrie, que estava internado no hospital psiquiátrico de Greystone Park devido ao agravamento da doença de Huntington que lhe fora diagnosticada. As visitas constantes deste ainda jovem músico a uma das suas grandes referências musicais foram suficientes para criar inspiração e alimentar um desejo ainda maior pelo ingresso numa carreira musical. A própria música “Song To Woody“ é inspirada em Woody Guthrie, assim como “Talkin’ New York” é inspirada na cidade que o acolhera musicalmente.

Foi então em Nova Iorque que Bob Dylan começou a tocar em vários clubes do bairro de Greenwich Village, ganhando alguma visibilidade e reputação graças a um artigo publicado no The New York Times sobre as suas actuações, durante uma reportagem sobre o Gerde’s Folk City, o clube onde grandes nomes da música passaram de forma a obter a sua afirmação. Dylan suscitou interesse musical por parte da cantora Carolyn Hester que o convidou a tocar harmónica na gravação do seu terceiro álbum, o que levou a que o seu talento chamasse também à atenção do produtor John H. Hammond que contratou Dylan para a prestigiada editora norte-americana Columbia Records. As interpretações incluídas neste seu primeiro trabalho para a Columbia resultariam no seu primeiro álbum composto essencialmente por material de música folk e blues, juntamente com os tais dois originais de sua autoria. O sonho de lançar um trabalho musical estava então concretizado, no entanto o fraco sucesso comercial do álbum, que apenas vendera pouco mais de duas mil cópias no primeiro ano, foi o suficiente para que o seu talento começasse a ser posto em causa. Bob Dylan começou a ser visto como uma aposta fracassada para a editora americana, tendo mesmo sido posta em cima da mesa a hipótese de rescindir o seu contrato. Apesar de tudo, o produtor John H. Hammond fez questão de defender Bob Dylan perante as dúvidas da editora, contando também com o apoio de outro grande nome da música country que havia assinado pela Columbia meses antes, o ilustre Johnny Cash. A aposta em Dylan em pouco tempo passaria de um tiro no pé para uma jogada de mestre: a Columbia teria lucros extraordinários graças ao progresso comercial explosivo dos álbuns de Bob Dylan que surgiam espontaneamente ano após ano.

Este foi então o primeiro degrau numa escadaria de sucesso que é a carreira de Bob Dylan. Só no decorrer da década de 60, os degraus seguintes foram compostos por álbuns de êxito gradual, nomeadamente The Freewheelin’ Bob Dylan (1963), The Times They Are a-Changin’ (1964), Another Side of Bob Dylan (1964), Bringing It All Back Home (1965), Highway 61 Revisited (1965), Blonde on Blonde (1966), John Wesley Harding (1967) e Nashville Skyline (1969), todos eles repletos de canções que ficaram para a história da música norte-americana e internacional. Apesar de um início um pouco obstinado, os tempos mudavam e a carreira de Bob Dylan rolava gradualmente para o sucesso como uma pedra rolante, chegando mesmo a bater às portas do paraíso, soprando ventos e até tornados musicais que inspirariam outros tantos músicos. Hoje falamos deste álbum como a primeira obra daquele que é um dos mais influentes artistas sempre. O álbum que, apesar do seu fraco sucesso de vendas, foi a primeira obra-prima do mestre Dylan, uma pérola musical e até poética que representa o melhor que um jovem em ascensão artística conseguiu alguma vez produzir.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Porque é que amamos tanto o rock?

 

O rock. Aquele estilo musical que nos mete aos pulos, que nos causa arrepios, que nos faz vibrar, que aumenta o nosso ritmo cardíaco e que enche os nossos dias de cor. Será então por isso que gostamos tanto dele? Ou haverá uma explicação mais profunda e filosófica que possa explicar tais efeitos? Estas são questões sem resposta imediata porque nos levam a refletir um pouco sobre a nossa cultura musical que, apesar de ser constituída por uma série de outros estilos musicais, acaba sempre por ser bastante influenciada por este. A música rock é uma das nossas grandes paixões, mas poucos sabem explicar o porquê. Trata-se de algo intrínseco que parece que vem logo agarrado a nós desde que nascemos e que tende a aumentar de tamanho, incorporando novas formas à medida que os anos passam. Ninguém sabe como surge tal interesse que acaba por ser uma paixão que facilmente se torna num amor constante sem fim. Ouvimos algo e procuramos sempre mais músicas rock novas para além daquelas que já conhecemos. Provavelmente tudo começa quando ainda em crianças ou na juventude começamos por ouvir subitamente na rádio por mero acaso ou somos incentivados pelos nossos pais ou familiares mais velhos, também eles apreciadores, ou então pelos nossos amigos de escola que nos mostram algum rock que também tenha passado por eles. Este é quase um testemunho que vai passando de geração em geração, de pessoa para pessoa, criando assim novos estilos e géneros nunca antes experimentados. Provavelmente o maior poder que a música rock tem é mesmo este, o poder de conseguir conjugar gerações distintas e até pessoas de diferentes classes, culturas ou religiões.

A música rock em si tem uma série de poderes visíveis sobre nós. Só o dedilhar de uma guitarra eléctrica faz com que tenhamos um dia mais alegre enquanto vamos para o trabalho, faz com que haja algo mais caloroso dentro nós, estimulando assim uma boa disposição contagiante. Claro que o rock também consegue libertar um lado mais animalesco que há em cada um de nós, fazendo uma dissecação aos sentimentos negativos, até mesmos quando temos um dia mau ou tenhamos passado por um mau bocado. A verdade é que ficamos sempre a pensar no mesmo cada vez que ouvimos uma bela melodia rock: “Aquele riff inicial de guitarra causa-me arrepios” ou “O compasso daquele baixo é fascinante”, ou ainda “O ritmo violento daquela bateria faz com que consiga abstrair-me de muita coisa”. Conseguimos sempre arranjar adjetivação para descrever as emoções que a música rock nos proporciona, tais como arrepios, prazeres duradouros ou sensações delirantes. O rock continua a crescer e tem um histórico enormíssimo: desde as suas origens no blues, na música country, no jazz e noutros tantos estilos musicais onde pioneiros como Elvis Presley ou Chuck Berry começavam a dar cartas, passando pelos diversos estilos e modificações sofridas ao longo de mais de seis décadas, até chegar ao nosso vizinho de 14 anos que depois de regressar das aulas permanece o resto da tarde no seu quarto a tocar a sua guitarra elétrica, produzindo o mais ensurdecedor dos ruídos. A verdade é que foi com esse ruído inicial que grande parte dos músicos rock que hoje conhecemos começaram a sua carreira. Foi com experiências bastante preliminares que deram os primeiros passos e que assim progrediram até conseguirem chegar àquele patamar que é vulgarmente designado por estatuto de “estrela do rock”.
No fundo pode-se considerar que o rock funciona como uma ciência ou um engenho, como se fosse até uma fábrica. E de facto é mesmo pois o rock é também uma indústria potentíssima. Tudo começa nos laboratórios musicais numa garagem ou numa casa, passando pelos estúdios onde a produção musical se eleva para uma escala maior. Depois surge um impulso para os discos e para os concertos, saindo-se do laboratório para uma escala industrial. Todo este processo de se fazer bom rock é algo complexo, só sabe e só sente e quem o faz, só entende e sente os desafios quem o explora. Mas quando esse processo atinge os objetivos faz com que aqueles que o vêem a ser feito fiquem boquiabertos e deslumbrados com o resultado final. E claro está, acima de tudo, o rock é provavelmente o estilo musical que mais une as pessoas, e cada vez mais une diferentes gerações. É possível um pai ou um avô gostar do rock dos Foo Fighters ou dos Queen of The Stone Age como é possível um filho ou um neto gostar do rock do Jimi Hendrix ou dos Led Zeppelin. Nos concertos encontramos cada vez mais gerações distintas, nomeadamente pais que vão com os filhos, para além dos grupos de amigos que podem ascender às dezenas, dos casais de namorados que procuram conhecer um pouco mais do rock que o seu parceiro gosta, e ainda aventureiros que vão sozinhos em busca de outros aventureiros que sejam loucos por este estilo musical. Os espetáculos são vividos de maneira sentida e emocional: rimos, gritamos, saltamos, abraçamo-nos, choramos, cantamos, sentimos tudo como se fosse um momento único nas nossas vidas. Amamos o rock porque para além de ser feito para ser dançado e cantado, vivido e convivido, foi acima de tudo feito para ser amado.

O rock é isto. Não se consegue explicar, apenas se consegue sentir. Não se consegue entender, apenas se consegue saborear. Do mais melancólico e pausado até ao mais excêntrico e agressivo, foi feito para nós com todo o amor e carinho. Amamos o rock porque ele é assim, entrega-se a nós de uma maneira tão espontânea e natural como se nada fosse. É inocente. É simples. É puro. É romântico. É humano e faz de nós mais humanos ainda. Mantém o nosso espírito bem vivo e enaltece o melhor que há dentro de nós. É verdade que a vida no planeta já existia muito antes do rock ter sido inventado. Mas o espírito e a vertente poética no ser humano seriam muito mais diminutas se o rock nunca tivesse existido. E essas são as condições necessárias para que a verdadeira essência da alma humana nunca morra.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

O dia em que os Pearl Jam contaram a história de Jeremy Delle


“At home
Drawing pictures
Of mountain tops
With him on top”

Muitos autores e artistas descrevem a arte como criação superior capaz de mostrar a sociedade ao espelho, uma espécie de capacidade de vermos as nossas próprias limitações, erros e também grandezas. A música, talvez a arte à qual as pessoas mais recorrem em todo o mundo, como escreveu Tolstoy é “um atalho para emoções“, em apenas um ou dois segundos é capaz de nos transportar para esconderijo emocional que só nós conhecemos. O álbum de estreia dos Pearl Jam, Ten lançado em 1991, apesar de ter começado a vender lentamente, continua a ser o mais bem sucedido da sua história. No início a banda procurou fazer várias composições instrumentais e só depois acrescentaram as letras. Os temas do álbum são grandes causas de sentimentos negativos, sombrios e auto-destrutivos, como a morte, tristeza, solidão, desespero ou depressão.

“Dead lay in pools of maroon below
Daddy didn’t give attention
Oh, to the fact that mommy didn’t care
King Jeremy the wicked
Oh, ruled his world”

Por exemplo, a música Jeremy, lançada neste álbum, continua a ser uma das referências da banda; a letra pertence a Eddie Vedder enquanto a música foi composta por Jeff Ament. A inspiração de Eddie Vedder veio de uma notícia trágica. Em Janeiro de 1991, o vocalista descobre, através de um jornal, que um rapaz cometeu suicídio em frente da turma de Inglês na escola secundária de Richardson, no Texas, para se vingar dos colegas que o torturavam. O nome da música vem diretamente do nome da vítima, Jeremy Delle, que tinha 16 anos na altura em que tudo isto aconteceu. Os colegas descreveram-no como um rapaz que era muito tímido, sempre com uma aparência triste. No dia fatal, Jeremy depois de chegar atrasado, foi-lhe dito que pedisse uma autorização, necessária nesta escola para estes casos, no gabinete da direcção. Quando chegou à sala tinha consigo um revolver. 357 Magnum e anunciou “Senhora, já tenho o que realmente queria”, colocou o revolver na boca em frente aos colegas e puxou o gatilho.

“Jeremy spoke in class today
Jeremy spoke in class today
Jeremy spoke in class today”

Eddie Vedder, em declarações à Rockline Interview, em 1993, explicou ser difícil que coisas como esta aconteçam e tudo fique na mesma “cometes suicídio como forma de vingança e tudo o que acabas por conseguir é um mero parágrafo de jornal (…) nada muda. O mundo continua e tu já foste.” Conta ainda que a música não é só sobre suicídio mas também sobre a falta de atenção de alguns pais para com os problemas dos filhos, um tema presente numa outra música, a “Why Go”. Na música podemos encontrar outra referência, outra história; Vedder descreveu ainda um rapaz, chamado Brian, que conheceu no seu sétimo ano e que não mais voltou a esquecer. Este rapaz tinha levado um arma para a escola e disparou alguns tiros, um dos quais acertou num aquário. Eddie contou que no ano anterior se tinha envolvido com ele numa luta em plena escola, sobre a qual podemos encontrar pequenas referências na letra. No entanto, o cantor deixou claro que a música é sobre Jeremy, é ele a principal referência da música, é a ele que deve ligar os nossos sentimentos: “Que ninguém se ofenda, eu penso no Jeremy quando canto”.

“Try to forget this,
Try to erase this,
From the blackboard
Jeremy spoke in class today”