Eles fizeram o motim do rock cantado em português. Na recessão do canto-livre pós-revolucionário, Portugal descobriu que os sons do rock podiam ser cantados na língua cá da terra. Entra-se nos anos 80 e, com eles, rebentam dezenas de bandas num mercado discográfico em que valia tudo. Tudo se gravava desde que soasse a rock e em português. Louco e explosivo como foi, não durou mais do que dois anos este "boom". Depressa lhe sucedeu o "bum!" inverso. Quase todas estas bandas se perderam pelo caminho. Fosse por ingenuidade, falta de solidez nos projectos, escolha voluntária ou desencanto.
A vida corria bem para o Grupo de Baile naquele ano de 1981. Já não eram apenas o grupo de amigos que se conheciam desde a infância, dos tempos em que tocavam na filarmónica da terra, nem sequer aquela banda que corria pelo circuito dos bailes com umas rocalhadas importadas do estrangeiro. As 99 mil cópias do single "Patchouly/Já Rockas à Toa", lançadas em Janeiro no mercado, foram consumidas vorazmente. As que traziam o "piiiiii" sobre a palavra "pentelho" e as em que se ouvia tudo. O Grupo de Baile fez disco de ouro em apenas um mês. Foi tiro e queda. Primeiro o tiro, depois a queda. Quase dois anos depois, mesmo tendo gravado um novo single, "Estória Linda", o Grupo de Baile não voltou a ter o mesmo sucesso. Volatizaram-se. Viveram a mesma história que muitas outras bandas nascidas durante o "boom" do rock português, na euforia daqueles anos de 1980 a 1982, em que o panorama musical explodiu de uma tal forma que só podia mesmo vir depois a implodir. Foram poucos os que, depois do sucesso atingido neste período, se aguentaram à impulsão dos anos que se seguiram.
Os GNR, com uma formação já bem diferente da original, os UHF, nos quais só mesmo António Manuel Ribeiro permanece desde a origem, e o pioneiro de todos os pioneiros, Rui Veloso, não chegam sequer para fazer uma mão cheia. Todos os outros, dezenas deles, ficaram-se pelo caminho.O "boom" surgiu naquela altura e não só não poderia ter aparecido antes como dificilmente se fundamentaria mais tarde. "O aparecimento de muitas bandas naquela mesma onda e no mesmo momento tem também a ver com o 25 de Abril, com o facto de já ter passado um bocado aquela euforia revolucionária e já se viver numa democracia consolidada. As pessoas começaram a ter mais dinheiro, para comprar instrumentos como para comprar discos, e havia uma abertura que não tinha havido antes, mesmo em relação àquilo que vinha de fora. Alguns anos antes e nunca se poderia ter gravado em Portugal uma música como o 'Patchouly'", explica o ex-vocalista do Grupo de Baile, Carlos Tavares.
"O 'boom' foi também muito incentivado pelas editoras, porque isso lhes dava uma maior escolha sobre aquilo que decidiam gravar ou não. Quantas mais houvesse, mais havia por onde escolher", afirma Carlos Tavares. Esta ideia é corroborada pelo guitarrista, Vicente. "Em Portugal as coisas funcionam assim: alguém experimenta uma coisa com sucesso e, de repente, parece que se descobriu a pólvora. Foi assim com o 'boom'. Apareceu o Rui Veloso com o 'Chico Fininho' e de repente percebeu-se que era possível fazer rock em português". Toda a gente andava a querer e a conseguir gravar, e o Grupo de Baile recebeu o bilhete que os transportaria para o sucesso. "Embarcámos naquilo sem qualquer pretensiosismo, mas com a intenção de ir ver no que é que dava", esclarece o baterista, Luís Rosado. A Valentim de Carvalho convidou-os a gravar alguns dos temas originais que já tinham composto. "Tivemos hipóteses de impôr logo ali as nossas regras, mas não o fizemos", recorda Carlos Tavares. "Já éramos adultos nessa altura, mas nas coisas da música éramos mesmo uns miúdos" desabafa Luís Rosado. Quando o quiseram fazer, pouco mais de um ano depois, perceberam que não podiam. Não eram essas as regras do jogo.
"A certa altura quisemos deixar de ser os tais meninos e impôr as nossas escolhas à editora. Dissemos quais as canções que queríamos pôr num LP e quais é que queríamos que fossem lançadas em singles e a resposta foi um peremptório não. 'Nós é que sabemos disto, vocês editam aquilo que nós vos dissermos', foi a resposta", recorda Carlos Tavares. "Aquilo era espremer o limão até dar. Fomos chupados até ao tutano", reitera Vicente, defendendo que o Grupo de Baile teria tido, eventualmente, maior longevidade "se tivesse sido lançado um bocadinho mais por baixo e lhe tivesse sido dado tempo e estruturas de produção para crescer". Mas os tempos não se compadeciam com apostas a longo prazo. Estava-se a desbravar terreno, olhava-se para tudo com um horizonte curto: o do sucesso imediato, o das vendas retumbantes, o de "chegar, ver e vencer" nos tops nacionais, o dos discos de ouro conquistados em 30 a 60 dias.
Foi assim também com os NZZN, a banda acrónima de Necas, Zica e Zé Nuno, que foi a primeira em Portugal a enveredar pelos sons do "heavy metal". Havia até quem augurasse um futuro dourado àqueles que ousassem romper as malhas e se assumissem como pioneiros da onda mais pesada do rock em Portugal. A verdade é que o sucesso, uma vez mais, durou apenas dois anos. Os NZZN ganharam lugar na história como criadores do primeiro single português de "heavy metal" - "Vem Daí" - lançado em 1980 e que disparou para o primeiro lugar do top do popularíssimo programa radiofónico Rock em Stock. Mas para finais do ano seguinte já a banda se dissolvia por falta de contratos. "Estávamos na contra-maré", dispara Necas, o ex-guitarrista da banda. "O que fazíamos e que sempre fizemos foi um hard-rock pesado, mas o que estava mesmo a dar era o new wave", explica. O ex-baixista do grupo, Zé Nuno, deixa as coisas claras: "Os discos tinham que vender, se não se vendiam a editora deixava de apostar na banda. Nós estivemos em cima com o primeiro single, não estivemos mal com o segundo, mas depois, com o álbum, que já não vendeu o que se esperava, sentimos logo isso". "Na época até achei ingenuamente que o meu esforço de dez ou 20 anos como músico ia ser finalmente recompensado. E embarquei idioticamente naquilo, só percebendo mais tarde que as coisas não eram assim tão lineares. Senti algum desencanto mas não desisti. Continuo a tocar e até me estou a cagar para os tops", afirma Necas. "É mesmo assim", brinca Zica, "a certa altura sentimos que nunca mais voltaríamos a ser estrelas do rock'n'roll".De resto, o ex-guitarrista dos NZZN defende mesmo que este "boom" do rock português "foi algo criado artificialmente e a prova é que não durou mais do que dois ou três anos. Não havia circuito, não tínhamos mercado para termos aí umas 50 mil bandas a gravar". Mas, ainda assim, os NZZN embarcaram também na euforia. "É claro que optámos logo por cantar em português. Caramba, se somos portugueses porque é que não havíamos de cantar na nossa língua? ...Para além de que já vinham lá de fora coisas mais do que suficientes em inglês", diz Zica.
De carreira ainda mais curta foram os CTT, designação que este grupo adoptou durante o período do "boom" sem querer renegar a origem de Conjunto Típico Torrense. Tinham também uma sonoridade pesada e foi com "Destruição, Destruição, Destruição" que entraram a matar nos tops nacionais. Vinham dos circuitos dos bailes, conheceram o mesmo sucesso rompante e fulminante, a mesma loucura de gravação contra-relógio. "Tinha-se pouco, pouquíssimo tempo de estúdio", recorda Luís Plácido, o ex-vocalista dos CTT: "Aquilo era entrar já com tudo muito bem ensaiado e toca a andar. Não havia tempo para experimentações em estúdio ou para testar fossem quais fossem as possibilidades". Ainda no mesmo ano de 1981, os CTT gravaram um álbum, "Oito Encomendas", mas já havia desencanto no ar. O ex-baixista dos CTT, Nani Teixeira, de todos o único que ainda permanece como músico profissional", aponta que "viveu-se ali uma época de grande evolução, uma evolução de qualidade e de diversificação, mas em nome da qual foram justamente as bandas que abriram as portas do 'boom' do rock português que depois acabaram por pagar a factura". O líder do grupo, Augusto Alves, recorda que os CTT tinham "uma história muito diferente da maioria das bandas que apareceram naquela altura": "Já existíamos antes, já tocávamos todos juntos como Conjunto Típico Torrense muito antes de toda aquela loucura acontecer. Já tínhamos clientela antes, a certa altura fizemos aquilo, e depois regressámos ao público que tínhamos". Recusando-se a acreditar que os CTT tenham sido "um fenómeno de época balnear", o ex-baterista da banda, Gabriel Matos, afirma que os CTT "ainda continuaram mais uns anos, mas deixou-se de acreditar nas gravações". Esta foi uma década marcada pela constante edição de singles, que constitui, aliás, o maior emblema que ficou do "boom" do rock português. A popularidade pertencia aos singles. Poucas foram as bandas que chegaram a editar álbuns. E das que o fizeram, contam-se pelos dedos de uma mão aqueles que tiveram vendas que se vissem. Quem o fez, porém, fê-lo com estrondoso sucesso. Não causa grandes surpresas, por isso, que essas bandas que tiveram maiores sucessos comerciais no formato LP durante o período do "boom" sejam justamente aqueles que ainda hoje se mantêm à tona e em actividade. Senão com os projectos nascidos naquela época, como é o caso dos UHF, dos GNR e até de Rui Veloso, pelo menos com outras bandas, até de maior projecção comercial ainda, como é o caso do ex-Heróis do Mar e líder dos Madredeus, Pedro Ayres Magalhães. A projecção destas bandas nascidas nos primeiros anos da década de 80 não se sustentava, porém, unicamente, no lançamento dos vinis no mercado discográfico. Tudo começava com o circuito pelas "capelinhas" da época: "A Febre de Sábado de Manhã" e "O Passeio dos Alegres", ambos de Júlio Isidro, assim como o "Rock em Stock", de Luís Filipe Barros, e o "Rotação", de António Sérgio, programas de grande audiência, em rádio e em televisão, que serviram de rampa de lançamento a todas estas bandas do "boom" do rock português. O filão de ouro foi descoberto com "Ar de Rock" de Rui Veloso, editado em princípios de 1980. De repente, o rock'n'roll falava de figuras às quais os portugueses eram familiares. Aqui e além viam-se "chico fininhos" a subir as ruas de muitas cidades do país, de um momento para o outro dava-se conta de inúmeras "rapariguinhas do shopping" a deambular pelos corredores dos grandes espaços comerciais portugueses.
O rock começava a falar de nós, das nossas coisas, das pessoas com que nos cruzávamos todos os dias. José Nogueira, o ex-saxofonista dos Já Fumega, encontra aqui uma das primeiras razões do "boom" do rock português. "Foi absolutamente inevitável. Estava a começar-se a falar dos sítios onde todos vamos, onde pelo menos já fomos uma vez, das pessoas que conhecemos ou que já vimos", explica. Curiosamente, os Já Fumega não começaram por gravar em português. A primeira edição da banda foi em inglês, mas a grande notoriedade junto do público só se conseguiu um pouco depois, na Primavera de 1981, com "Ribeira", uma canção inspirada pela zona ribeirinha do Porto que fez um sucesso estrondoso na rádio. Mas, os Já Fumega tiveram a particularidade de já serem bem conhecidos mesmo antes da primeira edição em vinil, "Estamos Aí", em 1980. Tinham um público fiel, conquistado nos concertos ao vivo, desde há alguns anos. "Fazíamos para aí uns 100 mil quilómetros por ano, já tínhamos concertos em Espanha, mesmo antes de sequer termos editado qualquer disco", aponta o ex-baterista Álvaro Marques. Os Já Fumega duraram seis anos, durante os quais editaram três álbuns e um single, todos de reconhecida qualidade e maturidade musical. A banda dissolveu-se, porém, num momento em que tinham praticamente todo o material pronto para gravar um novo álbum. "A questão essencial é que [depois da edição de "Recados", em 1983] já tinha passado o 'boom' e toda aquela euforia das editoras. Já não queriam gravar tudo o que lhes era proposto e começaram a surgir exigências de comercialismos fáceis e imediatos com que nunca tínhamos pactuado e com os quais não iríamos passar a compactuar", afirma José Nogueira. Mário Barreiros explica também que a "suspensão" dos Já Fumega se deveu ao facto de "começar a tornar-se difícil juntar todos para os ensaios": "Já andávamos a ensaiar por sectores e cada um começava a seguir rumos muito diferentes, até musicalmente. Chegou um momento em que a situação se tornou óbvia". Outro dos irmãos Barreiros, Pedro, recorda que os Já Fumega "nunca foram um grupo temerário": "a banda sempre viveu muito dos ensaios, do trabalho conjunto e era só nesse sentido que os Já Fumega faziam sentido". Eugénio Barreiros vai ainda mais longe: "Os Já Fumega eram aqueles seis músicos, juntos, naquela altura. Foi apenas um episódio na longuíssima história musical de qualquer um de nós". Todos parecem partilhar este entendimento, parecendo quase impossível alguma vez se vir a assistir a uma reunião dos Já Fumega. "Só se for para um concerto pela paz" brinca Eugénio Barreiros. Como afirma José Nogueira, "nenhum deixou de ser músico, nenhum parou, não ficou nenhum fio solto no qual pegar outra vez, não ficou nada lá solto para se pegar agora".
Inevitavelmente marcados pelo tempo, embora com percursos posteriores bem diferentes, estão também os Trabalhadores do Comércio. Imagem de marca do Porto, esta banda nadou livremente nas ondas do "boom" do rock português, fazendo sucesso com o elogio ao sotaque nortenho e uma ironia muito peculiar. "Ter os Trabalhadores do Comércio a cantar em português não aconteceu por acontecer. Tivemos perfeitamente consciência do momento e da vaga de aceitação que esse fenómeno estava a ter", aponta o ex-baterista do grupo, Álvaro Azevedo. "E o sotaque do Porto era algo mesmo muito assumido. Muita gente pensava que esta nossa atitude era de gozo com o sotaque nortenho, quando na verdade era justamente o contrário", esclarece Sérgio Castro. Músicos experimentados, vindos de projectos anteriores bem sucedidos, Sérgio Castro e Álvaro Azevedo juntaram a si a graça e o talento de palco de um garoto de sete anos, o vocalista João Médicis. Foi assim que nasceram os Trabalhadores do Comércio em 1980. A primeira interrupção na carreira da banda - a que o guitarrista Sérgio Castro chama "o coito interrompido" - deu-se em finais da vaga do "boom", em 1982, mais pelo facto de o jovem cantor João ter entrado numa fase mais exigente da sua vida escolar, do que por algum desgaste da banda. Os Trabalhadores voltariam outra vez à carga, já dissociados do "boom", com uma presença no Festival da Canção de 1986, a que Sérgio Castro gosta de chamar "a grande queca". "Pensámos que se era para ir ao grande circo mas valia que fôssemos para ser os maiores palhaços de todos, os palhaços com maior piada", diz. Daí todo o aparato feito em "Tigres de Bengala" em que a banda, segundo o baterista Álvaro Azevedo, "também apostava numa repercussão internacional". Nesse mesmo ano ainda prepararam um novo LP, mas não chegaram a gravar. Em 1990 entregaram um disco totalmente pronto à Polygram, "Sermões a Todo o Rebanho", o qual foi o último registo gravado pela banda. Só que, entretanto, diz Sérgio Castro, "os Trabalhadores do Comércio tinham deixado de ser uns gajos críticos com graça e passaram a ser vistos como uns gajos desagradáveis". Se a presença num Festival da Canção não foi irremediavelmente desgastante para os Trabalhadores do Comércio, o mesmo não se pode dizer em relação aos Da Vinci.
É verdade que a banda de Pedro Luís e Iei Or nunca foi vista com bons olhos como integrante do movimento do "boom", mas a verdade histórica é que esteve lá e que durante esse período editou trabalhos com enorme êxito de vendas. E até foram o único grupo português a contribuir, neste período, com um avanço pelas sonoridades da pop electrónica e dos grupos neo-românticos britânicos. Os Da Vinci permanecem em actividade, mas o sucesso - ou antes, a falta de popularidade - que hoje conhecem, está quase no extremo oposto do êxito que viveram no início dos anos 80. Seja como for, Iei acredita que "a imagem dos Da Vinci se sobrepôs à música": "com aquele ar quase fantasmagórico, aquele visual tão pouco vulgar, as pessoas não acreditavam que éramos portugueses". E fosse qual fosse o risco que assumiram por ir fora da maré da altura, Pedro Luís defende que não poderia ter sido de outra forma. "Estávamos perfeitamente à vontade naquele estilo, não nos passava pela cabeça virarmo-nos para outro lado", afirma. Talvez uma das maiores heranças deixadas pelo "boom", e que bandas surgidas já numa segunda vaga souberam tão bem aproveitar, é justamente o culto da diversidade. Apesar de todos aparecerem no mesmo saco do "boom" do rock português, houve abordagens tão diferentes que o panorama musical mudou para sempre. Muito, porém, já vinha sido feito antes do "boom". O trabalho anterior de algumas outras bandas serviu de rastilho para que estas explodissem já só na década de 80. E outras, como os Rádio Macau e os Xutos & Pontapés, que já existiam mas só ganharam popularidade depois, o fizessem também a partir de meados dos anos 80. Foi a "Ar de Rock", o álbum de estreia de Rui Veloso, que coube o título de marco inaugural do período de euforia pelo rock português.
Mas o primeiro disco feito nesta fórmula já datava de 1967, da autoria do Quarteto 1111, que furou o bloqueio à música portuguesa com o EP "A Lenda de El Rei D. Sebastião". Só que as atenções então dadas à nova canção e ao canto livre, que emergiram no período pós-25 de Abril, lançaram para a sombra praticamente todo o movimento do rock de língua portuguesa. E foi já só num pré-"boom", em finais dos anos 70, que a tendência se inverteu, com o surgimento de bandas como os Tantra, prenunciadores de que a explosão não iria tardar muito mais.
Nenhuma imagem mais forte ficou na história dos Tantra como a de Frodo, o alter-ego do vocalista Manuel Cardoso, que quase ganhou personalidade própria durante a carreira da banda. Logo desde os finais dos anos 70, os Tantra apareceram a fazer um rock progressivo cantado em português e a encenar espectaculares concertos ao vivo no Coliseu dos Recreios, em Lisboa. "Havia muito mais músicos a tentar furar logo naquela altura. Nós tivemos a sorte de acontecer connosco", afirma Manuel Cardoso. "Desbravámos caminho, abrimos a estrada", junta ainda. Num período em que pouco se conhecia do que por cá se fazia, os músicos tinham ainda um trabalho extra: "Nos concertos por esse país fora tínhamos que contar sempre com algum tempo para convencer as pessoas que não íamos lá tocar nada de outras bandas, nem Pink Floyd nem nada que se parecesse. Íamos para tocar as nossa músicas, os nossos originais. Não tínhamos vocação de ensinadores, mas tivemos mesmo que ser um pouco educadores das massas", brinca o ex-baterista dos Tantra Tó Zé Almeida.
Não se percebe facilmente, por isso, como é que os Tantra depois de terem a lição aprendida foram cometer um erro tão grande poucos anos depois. Porque é que em 1981, já em plena euforia do "boom", os Tantra viraram costas ao português usado nos dois álbuns anteriores e editaram "Humanoid Flesh" em inglês? Simples: "Pensámos que se já estava toda a gente a cantar em português, então, nós, agora, podemos ir às raízes do rock e decidimos cantar em inglês", explica Manuel Cardoso. Erro fatal esse. Mal recebida pelo público e pela crítica, a audácia dos Tantra valeu-lhes a dissolução. E equívoco igual estavam a ter na mesma altura os Roxigénio, banda com uma curta carreira de dois anos, liderada por António Garcez, o qual sempre teimou em não ornar o rock'n'roll com as sonoridades do idioma português. Os Roxigénio foram a banda com estreia mais ansiada em 1980 e apesar da qualidade musical do projecto, nunca viram ser-lhes reconhecido o estatuto de pioneiros da nova vaga musical no país. Garcez era considerado então o melhor cantor rock em Portugal, e entre os músicos estava também aquele a quem ninguém recusava o título de melhor guitarrista português, Filipe Mendes. Mas nada disso lhes valeu quando o país decidira fechar ouvidos a todo o rock'n'roll que não fosse cantado em português.
in "Público", 1999