quarta-feira, 30 de março de 2016

Eric Clapton faz hoje 71 anos (Parte II)

A autobiografia de Eric Clapton é essencial para qualquer admirador do guitarrista e não só. Ao longo da obra, Clapton explora todas as facetas da sua vida, tal como sempre explorou o braço da guitarra. A amizade, os problemas pessoais, o amor, a espiritualidade, o amadurecimento e principalmente a música, encontram lugar naquele que foi considerado o livro de memórias mais aguardado durante décadas.
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A obra relata o triunfo da música sobre a adversidade. O próximo passo será, sem dúvida, o filme. Mas a vida de Eric já daria um filme há 30 anos. Depois de ter influenciado várias gerações de guitarristas e de ter transformado a música, Clapton descreve as suas experiências em prosa. Se a compararmos com a biografia de Ray Coleman, notamos que os factos coincidem. A circunstância de Clapton ter mantido um diário desde sempre, também o ajudou a redigir este texto. Aliás, disponibilizara-o a Coleman.
“A minha vida divide-se em três fases”, revela Eric Clapton. “A fase do meio foi a mais delicada e, infelizmente, é aquela que mais interessa às pessoas… envolver-me com drogas, mulheres, o lado sombrio e perder-me. E, depois, o regresso a mim mesmo. E a música refletiu isso.”
As histórias sobre alguém que desce aos infernos e regressa são muito apreciadas. Ao contrário de outros nomes da música, que adquiriram estatuto de lenda – tal como os seus amigos Jimi Hendrix e Stevie Ray Vaughan –, Eric Clapton sobreviveu para contar.
“Desde pequeno que aprecio os diferentes aspetos da literatura inglesa, e a sintaxe e a gramática sempre me fascinaram. As únicas disciplinas em que era bom, na escola, excetuando a arte, foram inglês e literatura inglesa, embora isso não me qualifique necessariamente para escrever isto e achar que interessará a outras pessoas.”
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Ninguém se consegue esconder atrás das palavras, e Clapton é disso exemplo. Relata o modo como cresceu e ficou fascinado pela música desde jovem. “As pessoas dizem sempre que se lembram exatamente onde estavam no dia em que Kennedy foi assassinado. Eu não me recordo, mas recordo-me de entrar no recreio da escola no dia em que Buddy Holly morreu e da emoção que pairava no ambiente. Aquele lugar parecia um cemitério, ninguém conseguia falar, estávamos todos em choque. De todos os heróis musicais da época, ele era o mais acessível e autêntico. Não era espalhafatoso, mas sim, um guitarrista a sério e, para cúmulo, usava óculos. Era como se fosse um de nós. Foi espantoso o efeito que a sua morte teve. Alguns dizem que a música morreu com ele. Para mim, pareceu abrir-se.”

UMA QUESTÃO DE METABOLISMO

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Eric moeu a paciência ao avô para lhe comprar uma guitarra, mas não foi um início auspicioso. “Tratou-se claramente de um caso de pôr o carro à frente dos bois, já que eu nem sabia afinar uma guitarra e muito menos tocá-la.”
“Não havia ninguém que me ensinasse, por isso, tentei aprender sozinho, o que não foi fácil. Para começar, não pensava que fosse tão grande, era quase do meu tamanho. Quando pegava nela, os meus dedos nem sequer conseguiam rodear o braço ou pressionar as cordas.”
“Afigurava-se uma tarefa impossível e senti-me vencido. Ao mesmo tempo, fiquei incrivelmente empolgado. A guitarra era muito brilhante e, de certa maneira, virginal. Era como um artefacto doutro universo, tão fascinante e, quando tentava tocar, sentia-me mesmo a entrar no território dos crescidos.” As coisas pioraram quando partiu uma corda. “Como não tinha outras, tive de aprender a tocar só com cinco, e assim fiz durante bastante tempo…”
Abandonado pelos pais e acarinhado pelos avós, Eric tornou-se um fanático por música, mas os blues foram desde logo uma paixão. “Havia algo de primitivamente apaziguador naquela música; afetou-me o sistema nervoso.” Começou a praticar com afinco a estrutura básica dos blues: “Trabalhei naquilo até sentir que fazia parte do meu metabolismo.” Em Charing Cross Road e Denmark Street, havia diversas lojas de instrumentos, e Clapton confessa que, para ele, eram como lojas de doces:
“Ficava horas a olhar para as guitarras elétricas, especialmente à noite, quando as montras se mantinham iluminadas.”

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CLAPTON IS GOD

Eric Clapton 2 parts (1)Em breve, começou a tocar com os Yardbirds, com os John Mayall’s Bluesbreakers e, a seguir, fundou os Cream. Com pouco mais de 20 anos, era já famoso e a sua fluidez espantava as plateias. Era o protótipo do guitar hero, um virtuoso enigmático, originando a que o grafitti “Clapton is God” surgisse nas paredes londrinas. Mas, ao longo do livro, nota-se alguma falta de habilidade em lidar com as atenções. O que marcou realmente Eric foram pormenores como a ocasião em que Aretha Franklin gravava o álbum Lady Soul em Nova Iorque: “Tiraram todos os guitarristas do estúdio e puseram-me lá. Fiquei muito nervoso porque não sabia ler música, e eles tocavam por pauta. Aretha entrou e cantou «Be As Good To Me As I Am To You» e toquei. Tenho de dizer que participar nesse álbum, com todos aquele músicos incríveis, ainda é um dos pontos altos da minha vida.”
Durante o período dos Cream, conheceu Pattie Boyd, mulher de George Harrison e ficou admirado com uma criatura “cuja beleza parecia vir do interior”. A paixão arrasadora e a inacessibilidade de Boyd precipitaram uma fase de criatividade extraordinária, seguida de um período de reclusão, em que Eric se fechou na sua mansão, Hurtwood Edge, consumindo heroína. Como Clapton tinha pânico às agulhas, não se injetava, pelo que gastou fortunas no produto, inalando-o. Gastava, por semana, cerca de 10 mil euros em heroína (pelos câmbios atuais).
A sua natureza sensível era presa fácil do conforto da droga, e foram vários os amigos que tentaram resgatá-lo, mas o guitarrista só concordou em reabilitar-se dois anos depois. Durante esse período, encarou alguns dos seus dilemas. “A religião interessava-me, mas sempre resisti a doutrinas, e a espiritualidade que experimentara até então, na minha vida, fora abstrata e desalinhada de qualquer religião reconhecida. Para mim, o veículo mais fiável para a espiritualidade sempre provou ser a música. Não pode ser manipulada, politizada e, quando é, isso torna-se imediatamente óbvio.”
 Em 1975, participou na ópera-rock Tommy dos The Who, interpretando um pregador de uma curiosa igreja que endeusa Marilyn Monroe, cantando «Eyesight to the Blind», um dos melhores momentos do filme.
Clapton era mais do que uma lenda, tornara-se numa figura mitológica. As suas plateias, agora, eram estádios e já não precisava de pertencer a uma banda. Milhares de pessoas saudavam o tímido guitarrista com aplausos ensurdecedores, como se estivessem, ironicamente, numa estranha igreja.
Yvonne Elliman e Eric na digressão de 461 Ocean Boulevard.
Yvonne Elliman e Eric numa das esgotantes digressões nos anos 70.

O fenómeno sustentou-se ao longo dos anos. Dominou os concertos do Prince’s Trust, esgotou concertos a fio no Royal Albert Hall, com orquestra e sem ela e, em 1993, deixou o Madison Square Garden a seus pés, ofuscando todos os participantes na homenagem a Bob Dylan.

A FALÁCIA

Durante a fase Derek and the Dominos.
Durante a fase Derek and the Dominos.

Apesar de ter dedicado a vida à música e de ser autor de muito do trabalho de guitarra mais espantoso de sempre, E.C. também assinou vários discos medianos como No Reason To Cry, August ou Backless; o período dos anos 80 é efémero, bem como o anticlímax que foi o seu álbum homónimo de estreia a solo. O grande segredo de ‘Slowhand’ foi ter tido sempre uma aproximação respeitosa à sua arte. Contudo, nos anos 70, chegou a dar um concerto inteiro estendido no palco. “Ninguém achou nada estranho. Provavelmente o público também estava bêbedo”, admite.
Se a estrada do excesso leva realmente ao palácio da sabedoria, Clapton formou-se com mérito. Durante a década de 70 e grande parte da década de 80, quase foi destruído por outro vício que lhe minou a saúde mental e física. Por pouco não se matou num acidente de automóvel, as suas atuações tornaram-se cada vez piores. Passou noites com uma garrafa de vodka, um grama de cocaína e uma espingarda em cima da mesa, a contemplar o suicídio.
“Costuma dizer-se ‘beber para esquecer’”, reflecte Eric, “mas a grande falácia do álcool é essa. Só amplia os problemas. Eu bebia para banir um problema e, quando ele não desaparecia, bebia mais, pelo que a finalidade do meu hábito era uma loucura”.
Cortou radicalmente e, durante um jantar, começou a ver a sala andar à roda. “Acordei na ambulância e vi Pattie assustadíssima a olhar para mim. No hospital, disseram-me que se tratara de uma crise motivada por abstinência súbita.”
O problema de Clapton mergulhou-o no desespero. No início dos anos 80, concordou em reabilitar-se, viria a ter uma recaída e, durante a segunda desintoxicação, na clínica de Hazelden, apercebeu-se subitamente da gravidade do seu estado. “De repente, as pernas cederam, como se por vontade própria. Na privacidade do meu quarto, pedi ajuda. Não sei com quem pensava que estava a falar. Só sabia que chegara ao fim da linha. Já não podia lutar com mais nada.” Dias depois, apercebeu-se de uma transformação. “Um ateu provavelmente diria que foi uma mudança de atitude e até é verdade, mas foi mais do que isso. Eu encontrara um lugar onde pedir ajuda, sempre soube que ele estava lá, mas nunca quis ou precisei de acreditar nele.”
Começou a rezar: “Todas as manhãs, pedindo ajuda, e à noite, para expressar gratidão pela minha vida e, acima de tudo, pela minha sobriedade. Nunca tive problemas com a religião e as matérias espirituais sempre me suscitaram grande curiosidade, mas a minha busca afastou-me da igreja e das congregações, à medida que enveredava por uma jornada interior. Antes de a minha recuperação ter começado, encontrei o meu deus na música e nas artes, com escritores como Herman Hesse e Khalin Gibran, e músicos como Muddy Waters, Howlin’ Wolf e Little Walter. De algum modo, o meu deus sempre esteve comigo, mas agora aprendi a falar com ele.” Em 1987, após inúmeros retrocessos, Clapton parou definitivamente de beber. Outro grande motivo foi a paternidade.
Em finais dos anos 60, aos 20 e poucos, Eric já tocava com um dos seus heróis: B. B. King.
Em finais dos anos 60, aos 20 e poucos, Eric já tocava com um dos seus heróis: B. B. King.

“O” MOMENTO

Quando começou a escrever sobre a morte do seu filho, os editores pediram mais. Clapton respondeu: “Apenas posso escrever sobre como é difícil regressar a esses tempos. Só escrever sobre isso me aterroriza.” Eric tinha uma filha, Ruth, de um relacionamento anterior, que vivia com a mãe e não se dava com o pai. Quando Conor nasceu, Clapton estava ansioso por testemunhar o momento:
Eric Clapton 2 parts (22)“Tinha a sensação incrível de que ia ser a primeira coisa importante que me acontecera. Até então, a minha vida parecera uma série de episódios com pouquíssimo significado. Só me pareceu real quando me desafiava a mim mesmo musicalmente. Tudo o resto, o álcool, as digressões, até a minha vida com Pattie, tinha um ar de artificialidade. Quando o bebé finalmente nasceu, deram-mo para pegar nele. Fiquei extasiado, senti-me tão orgulhoso… embora não fizesse ideia de como se pegava num bebé.”
Clapton analisa a relação que tinha com a criança, a pessoa mais importante da sua vida, “um ser angelical”, adorado por todos, desde o manager aos amigos. Em março de 1991, o telefone tocou e a mãe gritou-lhe que Conor estava morto.
“Lembro-me de percorrer Park Avenue e de pensar, ‘está tudo bem’… como se alguém se pudesse ter enganado num assunto destes.” Quando passou pelo prédio onde o acidente ocorrera, viu uma fila de polícias e paramédicos e caminhou em frente, sem coragem para enfrentar a situação. Arranjou forças para recuar, identificou-se e informaram-no de que o filho caíra do 53º andar. Clapton, chocado e fora de si, tornou-se rapidamente “numa daquelas pessoas que apoiam outras em alturas de crise”. Teve posteriormente de identificar o cadáver. “Fui mais tarde vê-lo na casa mortuária, despedir-me dele e pedir-lhe desculpa por não ter sido um pai melhor.”
Completamente devastado, passou por uma fase crítica, em que os amigos receavam deixá-lo sozinho, temendo o suicídio. Mudou-se para Londres e ficou admirado com as cartas que recebeu, dos Kennedy ao Príncipe Carlos. Mas uma das primeiras que abriu era de Keith Richards. “Dizia apenas, ‘se puder fazer alguma coisa, diz-me’. Ficar-lhe-ei para sempre grato.”
Keith Richards foi um dos primeiros a apoiar Clapton.
Keith Richards foi um dos primeiros a apoiar Clapton.

“Não nego que houve um momento em que perdi a fé, e o que me salvou foi o amor e a compreensão incondicionais dos meus amigos e dos meus colegas do programa [de reabilitação]. Eu ia a uma reunião e as pessoas juntavam-se tranquilamente à minha volta, fazendo-me companhia, ofereciam-me um café e deixavam-me falar sobre o sucedido.”
Num destes encontros, Clapton contou a sua experiência em Hazelden. No final, uma mulher abordou-o: “Ela disse-me, ‘acabou de pôr fim à minha última desculpa para beber’. Perguntei-lhe o queria dizer e ela respondeu: ‘Tive sempre um pretexto para beber; se algo acontecesse aos meus filhos, isso justificava que eu me embebedasse. Acabou de me mostrar que não é assim.’ Percebi subitamente que havia maneira de tornar esta terrível tragédia em algo positivo”, explica Eric.
“Cheguei a um ponto em que pude dizer, ‘se consigo suportar isto e manter-me sóbrio, qualquer pessoa pode’. Foi quando percebi que não havia melhor forma de honrar a memória do meu filho.”

REFORMA, SÓ COM A MORTE

Clapton e Melia.
Clapton e Melia.

Clapton encontrou a felicidade junto de Melia. “Aos 54 anos, provavelmente fiz a primeira escolha saudável de uma companheira em toda a vida.” Eric ficou preocupado com a diferença de idades, já que Melia tinha 20 e poucos anos, mas conseguiu finalmente estabilizar a sua vida com ela. Explica que a sua última digressão foi mesmo a última, pelo menos em grande escala. É com satisfação que retrata o modo como as suas filhas, Julie, Ella e Sophie, lutam entre si para se sentarem ao lado do pai à mesa.
O álbum Back Home (2005), é um conjunto de canções sobre a felicidade, “tarefa nada fácil”, comenta. O disco não é dos seus melhores, mas podemos ver que a chama de Clapton ainda arde no DVD que retrata a reunião dos Cream em 2005. Toca tão bem como sempre, perante os olhares admiradores de Sean Penn, Brian May ou Christiane Amanpour.
Continua a comparecer nas reuniões do Alcoólicos Anónimos e refere que mantém o contacto com muitas pessoas em reabilitação, tantas quanto pode.
“Manter-me sóbrio e ajudar outros a manter a sobriedade será sempre a máxima mais importante da minha vida.”
Com esse objetivo, fundou uma clínica de reabilitação, a “Crossroads” e vendeu as guitarras para suportar os custos. No dia antes do leilão, despediu-se delas. Não foi fácil, já que eram companheiras de muitos anos de digressões. As vendas bateram recordes, com a carismática “Blackie” a ser comprada por 960 mil dólares. A sua “Cherry Red” arrecadou 847 mil dólares, a soma mais alta alguma vez paga por uma guitarra Gibson. Ao todo, Clapton vendeu 88 guitarras, angariando sete milhões, 438.624 dólares para a “Crossroads”.
Já disse que se ia retirar várias vezes, mas conclui que, ao estilo de todos os bluesmen que admira, a reforma provavelmente só virá com a morte. “Tenho constantemente jurado que vou desistir da estrada e ficar em casa, e talvez um dia seja forçado a isso, por uma razão ou outra. Por agora, vou deixar a porta aberta, e talvez isso torne mais fácil para mim o facto de ficar do lado de dentro, uma espécie de psicologia invertida, quem sabe? Só sei que, por enquanto, não quero ir a lado nenhum, e isso não é mau para quem passava a vida a fugir.”
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INGENUIDADE OU AUTENTICIDADE?

Quando os Yardbirds enveredaram pelo comercialismo com o single «For Your Love», Clapton abandonou-os, desgostado. Quando os Bluesbreakers já não correspondiam à sua ânsia criativa, deixou-os para integrar os Cream. Ao formar os Derek and the Dominos, não fez qualquer publicidade, achando que a música e uma digressão discreta garantiriam o sucesso. A editora enviou press-releases para todo o lado, lembrando que “Derek” era “Eric”, mas não evitou a catástrofe comercial. Até a bíblia do rock, a Rolling Stone, dizimou Layla, mas o álbum tornou-se num marco.
Com humildade, Eric Clapton considera que o grande sucesso de Unplugged, em 1992, se deveu, não à qualidade musical, mas ao facto de muitas pessoas lhe quererem dar uma palavra de apoio na fase difícil, após a perda que sofrera. “Como não tinham outra forma de o fazer, compraram o disco.” Foi o álbum que lhe deu menos trabalho a gravar e a preparar, e achou que não seria grande sucesso.
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“Era só eu a tocar umas canções de que sempre gostei.” Foi o maior sucesso da sua carreira, mas não explorou o filão da música acústica, contrariando o conselho do manager e lançando From the Cradle, autêntico tributo de amor aos blues.
Em finais da década de 90, Eric gravou um álbum com Simon Climie, sem publicidade, achando que a qualidade da música bastaria. Foi um fracasso, até que se descobriu que o nome Clapton estava associado ao projeto. A imprensa musical mudou logo de opinião. “De um momento para o outro, já era uma bela coisa”, desabafa o guitarrista, enfadado, admitindo a sua “ingenuidade” na matéria.
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Mas não chamaríamos ingénuo a quem escreve assim: “A cena musical, tal como a vejo hoje, é pouco diferente da época em que cresci. As percentagens são mais ou menos as mesmas – 95 por cento uma treta, cinco por cento de pureza. No entanto, os sistemas de marketing e distribuição atravessam uma grande mudança e, no final desta década, acho improvável que qualquer uma das companhias discográficas ainda exista. Com todo o respeito pelos envolvidos, a perda não seria grande. A música encontrará sempre o caminho até nós, com ou sem o comércio, a política, a religião ou qualquer outra merda que lhe prendam. A música sobrevive a tudo e, como Deus, está sempre presente. Não precisa de ajuda e não sofre qualquer bloqueio. Sempre me encontrou e, com a bênção e a permissão de Deus, sempre encontrará.”

Eric Clapton faz hoje 71 anos (Parte I)

Eric Patrick Clapton nasceu há 71 anos, em Ripley, no Surrey, filho de Patricia Clapton, de 16 anos, e Edward Fryer, de 24 anos, um soldado canadiano mobilizado para a Grã-Bretanha durante a II Guerra Mundial. Antes de Eric nascer, o pai regressou até junto da esposa, no Canadá. Por culpa dos preconceitos da época, Eric foi criado a pensar que a mãe era sua irmã e que os avós eram seus pais. Quando descobriu a realidade, aos nove anos, ficou transtornado.
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O jovem tornou-se num educado e tranquilo estudante de arte. Mas, aos 16 anos, foi expulso da escola. Motivo? A guitarra. Passava horas sozinho no quarto, a estudar os velhos discos de blues de Robert Johnson num gira-discos, reduzindo as rotações para aprender as notas. Era um esforço autodidata e solitário, mas Eric sentia-se diferente, devido ao seu passado familiar. A sua natureza introspetiva condizia na perfeição com os blues.

Trabalhou na construção civil e começou a fazer viagens a Londres, até que, em 1963, integrou os Yardbirds, banda onde se tornou conhecido como guitarrista excecional e inovador. Em abril de 65, com apenas 20 anos, junta-se aos John Mayall’s Bluesbreakers. O álbum que gravou com o grupo, além dos concertos, fizeram com que o grafitti “Clapton is God” surgisse na estação de Metro de Islington, originando uma famosa fotografia.
As atenções não interferiram na sua personalidade reservada e simples. No final dos anos 60, juntou-se a Ginger Baker e Jack Bruce, formando o supertrio Cream. Seguiram-se os Blind Faith, em que uniu forças com Ginger Baker e Stevie Winwood numa tentativa fracassada de formar um supergrupo.

As pressões para que seguisse uma carreira a solo eram inevitáveis, e Eric edita o seu primeiro álbum homónimo em agosto de 70. Embora algumas faixas, como «After Midnight», se tenham tornado parte do seu reportório, o disco denotava alguma insegurança. Clapton não se via como cantor e a sua timidez deu origem ao passo seguinte: O veterano de 25 anos formou os Derek and the Dominos.
Das poucas imagens que existem do grupo, no programa de Johnny Cash, em 1971. Eric com a guitarra “Brownie”:
“Derek” era Eric: “Quisemos formar uma banda, mas eu não achava que tivesse conquistado suficientemente o respeito do público para ser o cantor. Teria estragado tudo se tivesse dado o meu nome ao projeto. Deste modo, liderei as coisas de modo subtil, usando outro nome.” Na sua mansão do Surrey, Clapton ensaiou com Jim Gordon, Carl Radle e Bobby Whitlock.
O quarteto mostrou os primeiros resultados ao participar no álbum All Things Must Pass, do ex-Beatle George Harrison, o melhor amigo de Clapton. Surge então um dilema. Esta fase coincidiu com a paixão da vida de Clapton; a mulher de George Harrison, justamente: Pattie Boyd.
Digressão de Layla. Nesta altura, Clapton tocava como um homem possuído.
Digressão de Layla
Digressão de LaylaNesta altura, Clapton tocava como um homem possuído.
A paixão não correspondida de Boyd, a morte do amigo Jimi Hendrix e a perda do avô lançaram o guitarrista num inferno pessoal. Clapton conhecera Hendrix em 1966. Os músicos, embora fossem competidores no título de “melhor guitarrista do mundo”, sentiam uma enorme admiração mútua.
Cada vez mais deprimido, Clapton mergulhou na música como único escape, concebendo uma obra-prima: Layla and Other Assorted Love Songs. Na gravação, participou Duane Allman dos Allman Brothers, guitarrista fora de série, que deu um impulso inimaginável a Clapton. As gravações ficaram marcadas pelo abuso de várias substâncias. Eric, muitos anos mais tarde, recapitulou que os estupefacientes não ajudam nenhum guitarrista. Revela que isso só lhe aconteceu na gravação do lendário «Layla», tema inspirado pela obra do poeta persa Nizami:
A História de Layla e Majnun, o relato de um homem que se apaixona por uma princesa comprometida, acabando por ser considerado louco, sendo proscrito para sempre. Os paralelismos eram evidentes e todos conheciam o dilema de Eric/Derek.
Além do grito de desespero que é «Layla», do álbum consta uma canção ainda hoje considerada superior nas votações das revistas de guitarra: «Have You Ever Loved a Woman?», na qual eleva os blues a um nível operático, dialogando com a guitarra slide de Allman, e cantando como um possesso. Esta faixa bastaria para lhe garantir um lugar na História. Eric gravou ainda uma versão de «Little Wing», de Hendrix, duas semanas antes da morte do guitarrista. Duane Allman também faleceu, algum tempo depois, num acidente de moto.
Na digressão de Layla (que viria a ser retratada em In Concert, dos Dominos, em 1973) Clapton toca como um demónio, um homem torturado. Os seus solos intensos prolongam-se, com o guitarrista a querer furiosamente derrubar as fronteiras da Fender Stratocaster. O seu drama era conhecido, o que ajudou a criar uma espécie de aura à sua volta. O público sabia quem era “Derek”.

ATRÁS DA MÁSCARA

A nível pessoal, Clapton estava à beira do abismo. Cada vez mais dominado pela heroína – problema que afectava todo o grupo –, não conseguiu dar sequência ao álbum. O insucesso do disco e os problemas pessoais devastaram-no de tal forma que se fechou três anos em casa a consumir heroína e a vender guitarras para sustentar o vício, no auge do sucesso.
O conto de fadas torna-se realidade: Clapton e Pattie Boyd. "Ele fez duas coisas que admiro imenso", disse o amigo Pete Townshend, "livrou-se do vício e conquistou a mulher que queria".
O conto de fadas torna-se realidade: Clapton e Pattie Boyd. “Ele fez duas coisas que admiro imenso”, disse o amigo Pete Townshend, “livrou-se do vício e conquistou a mulher que amava”.

Em janeiro de 1973, o amigo Pete Townshend, dos The Who, foi um dos que mais tentou resgatar Clapton, ajudando a organizar o concerto no Rainbow, em Londres. Esta tentativa não produziu efeitos imediatos, mas Clapton acabou por se desintoxicar, regressando com 461 Ocean Boulevard, em 1974, a sua verdadeira estreia a solo. “Livrei-me da droga, mas cometi um erro clássico: Comecei a beber”, refletiu o guitarrista, anos mais tarde. Casou com Pattie Boyd, protagonizando um autêntico conto de fadas, mas, durante toda a década de 70, o alcoolismo interferiu no seu trabalho, dando origem a álbuns de qualidade desigual. As intermináveis e triunfais digressões dos anos 70 foram realizadas no meio de uma névoa alcoólica que ameaçava destruir o talento e a vida de Clapton.
«Wonderful Tonight» foi outra das canções dedicadas a Boyd. “Não importa se foi bem gravada ou bem tocada. Não interessa, porque a canção é boa”, diz Eric. O tema integra o álbum Slowhand, de 1977, um disco soberbo.
O nome é uma das alcunhas de Clapton, já que, quando partia uma corda durante os concertos dos Yardbirds, mudava-a ao som das palmas ritmadas do público, daí “mãos lentas”. Uma outra explicação é a ironia do termo, tendo em conta a rapidez de Clapton nas seis cordas.
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Em dezembro de 1979, Eric passou por Tóquio, autorizado a atuar no famoso Budokan – sala japonesa sagrada e reservada à prática de artes marciais. Clapton adora o país, que também o adora a ele, diga-se. O concerto foi gravado e editado com o nome Just One Night. “Os públicos são invariavelmente generosos”, escreveu Clapton nas notas do álbum, declarando-se uma espécie de ‘freak’ naquela “sociedade tão rígida, de que tanto se orgulham. Mas tudo corre sempre com doçura”.
Neste álbum ao vivo, é registada a versão de «Blues Power», uma tour de force, com Eric a usar o pedal de wha wha, no qual é exímio. Deitou a sala abaixo com um solo fulgurante na fiel “Blackie”, que com ele partilha a capa do disco. Os registos ao vivo de Eric são sempre marcados por uma grande simpatia do guitarrista. Agradece com a cabeça, face aos aplausos do público, após um solo, e termina com um “God bless you”, frase com que revela a sua faceta espiritual.
Durante os anos 70, Eric devolveu ainda a Bob Marley o lugar merecido com a versão de «I Shot the Sheriff», gravou uma versão de «Knocking on Heaven’s Door», com sabor a reggae, eclipsando a interpretação de Bob Dylan. As suas versões ofuscavam os temas originais, o que ficou explícito nas experiências com a música country. Interpretou (e popularizou) várias músicas de JJ Cale, como «Cocaine», até que com ele gravou um muito esperado álbum de duetos, The Road to Escondido (2006).
No início dos anos 80, Clapton é internado de urgência com uma úlcera do tamanho de uma bola de golfe, prestes a rebentar. Segundo os médicos, não morreu por uma questão de horas. Os tabloides apregoaram, “Clapton perto da morte”. Mas o guitarrista não parou de beber.

SANGUE, SUOR E LÁGRIMAS

Eric Clapton 2 parts (11)Em 1983, após uma pausa inadiável, edita Money and Cigarettes, um regresso à boa forma. Pessoalmente, sentia-se desorientado sem o álcool, e a relação com Pattie Boyd desagregava-se. Boyd tornara-se alcoólica e acabam por se separar. A esposa não podia ter filhos, o que torna ainda mais dramático o que sucederia futuramente a Clapton.
Eric colaborou com Roger Waters em The Pros and Cons of Hitch-Hiking, em 1984. Waters fez uma manobra sarcástica, na altura em que se desentendeu com o colega dos Pink Floyd, David Gilmour. Por isso, foi buscar o “maior guitarrista do mundo”, para enervar o plácido Gilmour. Apesar das intenções maquiavélicas de Waters, Clapton aquiesceu e fez o que pôde por salvar o descalabro… Não gostou especialmente da digressão, das limusinas e dos jantares finos de Waters, horrorizando o colega quando pediu um hambúrguer e batatas fritas, farto de esperar interminavelmente por um prato requintado.
Os anos 80 ficaram marcados pela sua tentativa de lidar com o comercialismo da década, deixando que discos seus fossem produzidos por Phil Collins. Participou no Live Aid, uma atuação fulgurante, e já na época se disse que foi uma forma de dar a conhecer a sua música a uma nova geração. Em agosto de 86, nasce o seu filho, Conor, que inspirou o nome do álbum editado nesse ano, August.
Em finais de 80, “Slowhand” reincidiu no alcoolismo. Em dezembro de 87, estava em tratamento, no Minnesota, quando surgiu na televisão, num filme publicitário da cerveja Michelob. “Estava numa sala cheia de alcoólicos em reabilitação, eu incluído. Todos me perguntaram se era eu. E eu respondi ‘sim’, o que havia de dizer?”
Na digressão de Roger Waters.
Na digressão de Roger Waters.

Depois de ultrapassada esta nova barreira, gravou Journeyman. Clapton, que se vê como um viajante, sentiu-se algo culpado por alguns dos rumos que a sua música tomou.
“Penso que me vendi há muito tempo. Fiz uma espécie de acordo comigo mesmo, tentei seguir caminho, agradar às pessoas, para tornar a vida fácil.”
Eric Clapton e Conor.
Eric Clapton e Conor.

Durante os anos 90, Clapton ficou conhecido pelas suas temporadas de concertos esgotados na prestigiada sala londrina Royal Albert Hall, celebrizada pelos espetáculos de música clássica. A década ficou marcada pelo divórcio de Pattie e a separação da mãe do seu filho, a italiana Lori Del Santo. A morte do amigo Stevie Ray Vaughan, num desastre de helicóptero, deixou-o destroçado. Clapton ia partilhar o helicóptero com Vaughan, depois de ter atuado com ele nessa noite, mas mudou de ideias, preferindo viajar no dia seguinte. Em 1992, o guitarrista estava em Nova Iorque para visitar Conor, quando este caiu de um arranha-céus. Clapton é internado em estado de choque.
Eric Clapton 2 parts (26)Muitos especularam que se refugiaria novamente nos antigos vícios, face a tantas tragédias. Mas o guitarrista permaneceu apenas viciado em jogos da Nintendo. Partiu para Antígua, nas Caraíbas, levando apenas uma guitarra clássica. Foi lá que compôs «Tears in Heaven», «Help me Up» e «The Circus Left Town», baseado no ultimo dia que passou com o filho, e em que ambos visitaram um circo: “O que vais ver e o que vais ouvir, terão de durar para o resto da tua vida.” A canção foi ofuscada pelo enorme sucesso de «Tears in Heaven».
O convite para compor a banda sonora de Rush – Uma Viagem ao Inferno, em 1992, deu-lhe a oportunidade para exprimir o que sentia.
“As pessoas que seguem a minha carreira e que gostam da minha música, ficariam um pouco surpreendidas se eu não escrevesse sobre a morte do meu filho”, explica Clapton.
Quando recebeu uma mão-cheia de Grammies, disse, baixando o olhar: “Agradeço ao meu filho pelo amor que me deu e pela canção que me deu.” O momento poderia adquirir contornos de um dramatismo previsível, mas a assistência aplaudiu em pé, durante vários minutos, a canção, o prémio, a carreira de Clapton, mas, sobretudo, a dignidade com que enfrentou os seus demónios.

RENASCIMENTO

Em 1992, edita Unplugged, álbum notável que o deu a conhecer a mais uma geração. Dois anos depois, regressa aos blues com From the Cradle, no qual toca melhor do que nunca. O seu virtuosismo recorda a lenda: Os músicos de blues faziam um pacto com o diabo numa encruzilhada, vendendo a alma em troca do talento.
Em 1998, lança Pilgrim, que inclui o tema «My Father’s Eyes», onde o círculo se fecha. Por esta altura, as declarações do guitarrista já adquiriam um tom merecidamente filosófico.
“Nunca conheci o meu pai”, disse Clapton. “Penso que morreu há alguns anos. Mas, o mais próximo que estive de ver os olhos do meu pai, foi ao olhar para os olhos do meu filho.”
No final do álbum, surge um tema interessante, «Inside of Me», em que a filha, Ruth, lê um excerto de O Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Clapton complementa: “Ao arranhar a superfície, tudo parece igual; um mundo cheio de cólera, onde ninguém é culpado. Mas, para quem me posso voltar? Quem tem a chave? E a resposta? Acho que está dentro de mim.”
Na digressão de From the Cradle.
Na digressão de From the Cradle.

Mark Knopfler, com quem colaborou por diversas vezes, aponta-lhe outro talento: “O Eric é um dos meus cantores favoritos.” Durante o concerto dedicado a Nelson Mandela, em 1988, Knopfler anuncia a substituição de um guitarrista dos Dire Straits, por ter tido duas filhas: “Teve duas meninas, deste tamanho”, explica, elevando a mão à altura do peito. “Por isso, tivemos de arranjar um substituto. Nunca tocou em Wembley… mas foi o melhor que se arranjou. Mas já tem alguma experiência…” No final de «Wonderful Tonight», Knopfler diz apenas: “E.C!”
Os dois guitarristas, com estilos contrastantes, colaboraram diversas vezes. Quando Knopfler entrou em cena, em 1978, Clapton ficou “assustado” com o competidor. Um dos muitos guitarristas com quem tocou, espelha a opinião de toda a “classe”:
“Mais do que um grande guitarrista, quando convivíamos com ele, tínhamos a sensação de que era boa pessoa.”
Com a fiel Blackie.
Com a fiel Blackie.

Foi o “erro favorito” de Sheryl Crow. Em 2004, editou mais um álbum de blues, desta vez totalmente dedicado à sua grande influência: Robert Johnson. No ano seguinte, conseguiu que os antagónicos Jack Bruce e Ginger Baker fizessem as pazes, e o trio revitalizou os Cream. A idade dos músicos e o teor da iniciativa faziam temer que a reunião pouco acrescentasse ao legado do grupo. Mas os três músicos provaram que a química ainda existia, tornando o evento excecional. Felizmente, foi registado num ótimo DVD, ao vivo no Albert Hall.
10 anos antes deste concerto, as capas de revistas como a Guitar Player ou a Guitar World proclamavam, “o velho ‘Slowhand’ continua…” Clapton lançou a sua esperada autobiografia, mas Pattie Boyd antecipou-se com o livro Wonderful Tonight: George Harrison, Eric Clapton, and Me.
Em anos recentes, Clapton tem tido sossego. Foi pai de três filhas. “Sim, tive outros filhos, mas é claro que nenhum deles irá substituir Conor.” Anunciou que se ia retirar do mundo musical. Com a humildade do costume, comentou, numa entrevista:
“As mortes que marcaram a minha vida, fizeram-me perceber uma coisa: Se temos mais um dia, é uma bênção.”

A FIEL «BLACKIE»

Clapton leiloa Blackie, a sua guitarra preferida. Motivo? Angariar fundos para quem sofreu o mesmo problema que ele.
Clapton leiloa Blackie, a sua guitarra preferida. Motivo? Angariar fundos para quem sofreu o mesmo problema que ele.

A guitarra mais famosa de sempre é questionavelmente a “Blackie”, de Eric, embora os fãs de B.B. King possam dizer que “Lucille” é digna do epíteto. No entanto, embora “Lucille” guarde as suas histórias, a Fender Stratocaster preta e branca de Clapton possui um carisma invulgar. No início dos anos 70, Eric comprou diversas Stratocasters a um preço barato, nos Estados Unidos, uma vez que, na época, o modelo não era muito popular. As Gibsons estavam na berra, em parte devido ao próprio Clapton.
O guitarrista ofereceu algumas aos amigos e guardou várias. Depois, escolheu o melhor braço, os melhores pickups e o melhor “corpo” de cada uma delas, juntando os componentes numa guitarra híbrida, a qual batizou de “Blackie”.
A guitarra acompanhou-o até ao final dos anos 80, em várias digressões, e pode ser vista em inúmeras fotos do guitarrista. Clapton gostava tanto de “Blackie” que a tocou até dar literalmente cabo dela; a madeira do braço, de tão gasta, estreitou alguns milímetros, a ponto de as cordas não terem ponto de apoio.
Eric acabou por dar descanso a “Blackie”, receando que fosse roubada ou se danificasse. A Fender tirou as medidas à guitarra e lançou a Eric Clapton Fender Stratocaster Signature Series, um modelo concebido de acordo com as especificações do guitarrista. A verdadeira foi vendida, em 2004, por cerca de 960 mil dólares num leilão da Christie’s.
Clapton tem leiloado as suas guitarras para angariar fundos para o seu Crossroads Centre, em Antígua, uma clínica para dependentes de substâncias químicas, problema que o guitarrista conheceu bem. Entre outros instrumentos, conta-se a “Brownie”, que em inglês significa “duende benfazejo”, uma Stratocaster sunburst, das preferidas de Clapton, a qual tocou no álbum Layla, e que se pode ver na foto da contracapa.
Clapton com a Brownie, também ela leiloada.
Clapton com a Brownie, também ela leiloada.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Pattie Boyd, uma das mulheres mais sortudas da história do rock, completa 72 anos.

Pattie Boyd,  modelo e actriz foi casada com George Harrison e Eric Clapton e ganhou músicas incríveis da parte dos dois guitarristas. Uma delas é “Something”, que faz parte do álbum “Abbey Road” dos Beatles e outra é “Layla”, gravada para o disco “Layla and Other Assorted Love Songs”, da banda Derek and The Dominos.
George conheceu Pattie nas gravações do filme “A Hard Day’s Night”, em que ela foi figurante, e os dois casaram em 1966, tendo Paul McCartney como padrinho. A história de como os dois se conheceram, teria tudo a ver com a letra do hit. Contudo, George afirmou certa vez, que não tinha ninguém em mente quando compôs a música, o que foi contrariado no livro de 2007, “Wonderful Tonight: George Harrison, Eric Clapton and Me”, de Pattie Boyd. A ex-mulher do guitarrista conta na publicação que Harrison escreveu “Something” para ela, mas que o casamento dos dois já estava em crise na altura.
Primeira canção de George a ser lançada como lado A de um single dos Beatles, “Something” só perde para Yesterday em número de regravações de músicas do quarteto britânico. Uma das versões é do cantor Frank Sinatra, que chegou a declarar, que esta era a canção de amor mais bonita dos últimos cinquenta anos.
Se George Harrison negou que “Something” foi inspirada em Pattie Boyd, já o seu grande amigo Eric Clapton assumiu que “Layla” e uma série de outras músicas que escreveu, diziam respeito à modelo. Clapton apaixonou-se por Pattie quando esta ainda era casada com o ex-beatle, e ao perceber que não poderia ficar com ela, escreveu grande parte das músicas que fazem parte do disco “Layla and Other Assorted Love Songs”, de 1970. Sete anos depois do lançamento do álbum, Pattie deixou George e casou-se com Clapton, que fez ainda muitas outras belas canções para ela, como “Wonderful Tonight” e “Pretty Blue Eyes”.

Apesar de todo o romance das composições, Pattie não tinha chegado ao “felizes para sempre”, já que o seu casamento com Clapton acabou em 1988, depois de diversas traições por parte do músico.
O facto de Eric Clapton se ter apaixonado pela então esposa de George Harrison, não afectou a amizade entre ambos. Continuaram a realizar diversos trabalhos em parceria, incluindo álbuns e turnés.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Go Graal Blues Band

Hoje em dia fazer música na língua de Shakespeare é tarefa fácil, mas o mesmo não acontecia em 1975, quando Portugal enquanto democracia acabava de nascer, quando ainda vigoravam valores nacionais como os três grandes F’s (Fado, Fútebol, Fátima).

Foi neste cenário marcado pelo obscurantismo cultural e desconfiança do estranho que surgiram os “Go Graal Blues Band”. O grupo marcou pela musicalidade contagiante e uma alegria e optimismo próprios da cultura americana, que se definia cada vez mais como um estilo próprio de vida.
E foi assim que, após um nascimento atribulado, um grupo de rapazes na casa dos vinte decidiu reunir-se para tocar e cantar Blues, sendo eles: Paulo Gonzo (voz e harmónica), João Allain (guitarra solo), Raúl Barrigas dos Anjos (bateria), Augusto Mayer (harmónica), António Ferro (baixo), João Esteves (guitarra) e José Carlos Cordeiro (voz principal). 
Apesar do curto percurso de oito anos e várias mudanças no seu line-up, a banda teve um enorme sucesso na camada estudantil, sobretudo pelos inúmeros concertos que deram, mais do que pela venda dos seus três LPs. 

Os álbuns
A estreia discográfica deu-se sob a baixela da Imavox com um álbum homónimo, de onde se destacam os temas "Baby, I Wanna…", "The Fault Is Her Own" e "The Last One", onde o grupo adopta uma postura dedicada aos blues eléctricos.
O segundo registo discográfico, "White Traffic", é lançado em 1982, sendo notório o amadurecimento e sucesso da banda. Deste LP fazem parte temas como "N'Roll", "Lonely" e "Guetto Drunk"
Até ao lançamento do seu terceiro álbum, em 1987, o grupo editou o Mini-LP "Blackmail" (onde se podem escutar temas de blues/rock como "Champagne All Night", "Love Fashion" e "Midnight Killer" ) e ainda o Máxi-Single “Dirty Brown City” com temas como "Dirty Brown City", "Fast Flirt" e "Wild Beat Blues". 
No entanto, após o  último álbum do grupo, "So Down Train" sai Paulo Gonzo e inicia-se a decadência da banda, pois este é um trabalho que será marcado pelo fracasso e a consequente diminuição dos concertos.
Não se pode é deixar de realçar o papel desta banda no desbravar de caminho na cena musical portuguesa e o seu contributo para que o Blues em Portugal seja uma realidade ainda hoje e para o qual contamos com “The Legendary Tigerman”, “Nobody’s Bizness” ou uns “Born a Lion”, entre outros.

Discografia
Álbuns
    * Go Graal Blues Band (LP, Imavox, 1979)
    * White Traffic (LP, Vadeca, 1982)
    * Blackmail (Mini-LP, Vadeca, 1983)
    * Go Graal Blues Band 1979~1983 (LP, Colectânea, Vadeca,1983)
    * So Down Train (LP, Schiu!/Transmédia,1987)
Singles
    * They Send Me Away/Outside (Single, Imavox, 1980)
    * Touch Me Now/Lay Down (Single, RCS, 1981)
    * Lonely/N'Roll (Single, Vadeca, 1983)
    * Casablanca/Wild Beat Blues (Single, Vadeca, 1983)
    * Dirty Brown City (Máxi Single, Vadeca, 1984)
    * Smell/Walking (Single, Transmédia, 1987)

Janis Joplin - Summertime (1968)

Uma nova versão de um clássico pode tornar-se num clássico em si mesmo… Uma canção de embalar pode converter-se num mega-hit de rock and roll… E mesmo no pico do Inverno podemos sentir o calor de um campo de algodão do sul negro dos E.U.A…. Tudo isto, e muito mais, em Summertime, a ária-folk transformada pelo toque de génio de Janis Joplin.

Baseado no texto original de DuBose Heyward, Porgy and Bess é a ópera-folk que resultou do trabalho conjunto de George e Ira Gershwin - irmãos, compositor e letrista - em colaboração com Heyward, co-autor das letras. Nesta obra harmonizam-se  na perfeição os sons afro-americanos  do jazz, blues, gospel e soul com um estilo cénico mais musical. Levada à cena pela primeira vez em 1935, as estreias, em Boston e Nova Iorque, não obtiveram grande sucesso - nem perante a crítica, nem no que respeita a vendas de bilheteira.

A peça só conquistou o grande público a partir de 1959, após a adaptação cinematográfica que contou com um elenco de luxo, de onde se destacam os nomes de Sidney Poitier e Sammy Davis Jr.. A partir daí, o sucesso disparou e os temas de Porgy and Bess tornaram-se conhecidos de todos.

"Summertime", a canção de embalar cantada no acto I, e repetida mais algumas vezes ao longo da peça, acaba por ser a ária mais emblemática de toda a obra. Conhecem-se mais de 23.000 diferentes versões deste tema: desde instrumentais, como a obrigatória versão de Miles Davis, em que a letra cantada é substituída pela “voz” do trompete do mestre, às muitas tonalidades de vocalização, das quais sobressaem nomes tão grandes quanto os de  Billie Holiday (a primeira a chegar aos tops), Nina Simone, Sam Cooke, John Coltrane, Frank Sinatra e Janis Joplin.

 Na voz de Janis, Summertime parece ganhar asas e voar com vida própria, quase um improviso, todo ele alma, todo ele soul e blues, com uma guitarra que lembra uma peça clássica, quase um barroco, e uma outra a solar com distorção… Tudo isto com um “groove” próprio de uma grande banda de rock – como de facto o era a Big Brother and the Holding Company.

Editado em 1968 pela Columbia Records, Cheap Thrills é o último álbum de Janis com os Big Brother. A editora vetou tanto a capa como o título originais propostos pela banda, decerto em nome dos bons costumes que os americanos tanto prezam.

Em causa estavam um desenho de Robert Crumb, cartoonista, onde todos os elementos da banda apareciam nus numa cama, e o inspirado título “Sex, Dope and Cheap Thrills” (Sexo, Narcóticos e Emoções Baratas). A pedido de Joplin a capa acabou mesmo por sair da pena de Crumb, e foi considerada pelos leitores da Rolling Stone, como uma das dez melhores capas de disco de sempre.

"Summertime" foi um dos temas com que Janis encantou no festival de Woodstock. Foi também a última música do último espectáculo que os fãs puderam ver e ouvir ao vivo, em Agosto de 1970. Em Outubro desse mesmo ano, a rainha do rock/folk/blues psicadélico partiria na sua última viagem de heroína, da qual não iria regressar com vida…

terça-feira, 1 de março de 2016

Álbum “The Dark Side of the moon” (1973), editado há 43 anos

Pink Floyd é sinónimo de qualidade, de distinção, de megalomania, de inovação e de originalidade.

Numa palavra eu diria únicos. Será sempre um risco elaborar tabelas qualitativas pois serão eternamente subjectivas, mas se me perguntassem qual a melhor banda de todos os tempos eu responderia o seu nome.

A sua impressionante discografia e invejável carreira ditam isso mesmo. Os números não mentem. Este é simplesmente o 2º álbum mais vendido da história, apenas ultrapassado pelo recordista de vendas, Thriller do rei da pop. 

Mais impressionante (se isso é possível) é o facto de este ter permanecido nos «charts» qualquer coisa como 741 semanas. Desde 1973 a 1988! Resultado? Uns impressionantes 45 000 000 de discos vendidos!

Dos estúdios de Abbey Road, eternamente ligados ao quarteto fantástico de Liverpool, os Beatles, saiu este pico na história dos Pink Floyd de David Guilmor, Roger Waters, Rick Wright e Nick Mason. Posterior ao muito progressivo Meddle, que explorou caminhos ainda hoje algo confusos mas eternamente fascinantes, Roger Waters sentiu que algo devia mudar. As palavras tinham de chegar às pessoas de uma forma mais directa.

«Speak to Me» é uma espécie de introdução ao álbum passando, através de pormenores e efeitos sonoros, por certos pontos do álbum. O toque psicadélico e progressivo é facilmente perceptível logo à primeira audição. O efeito transe é resultado da mestria demonstrada pelo falecido Rick Wright nas teclas e no uso divinal que os Pink Floyd deram aos sintetizadores. Provando que a música não tem barreiras, e que a sua mensagem vai para além do empreendedorismo hippie, atravessando momentos de autêntica Filosofia, este tema, com duas frases apenas anuncia uma epopeia de outro Universo.

«I've been mad for fucking years, absolutely years. I've been over the edge of yonks. Been working me buns off, 'till i went crazy...
I've always been mad, I know I've been mad, like the most of us are. It's very hard to explain why you're mad, even if you're not mad.»

Dá-se o primeiro suspiro e entra-se na nova dimensão. Na dimensão do abstracto mundo dos Pink Floyd. 


O uso da slide guitar envolve-nos de forma a cair num mundo de dormência total... o cérebro é bombardeado por sons e efeitos que estes criam na sua audição. O background psicadélico deu lugar a um sentimento algo budista. Chegamos ao Nirvana! Muito rapidamente esse sentimento muda ao som do compasso apressado de «On the Run». Esquizofrénico no mínimo, é como se pode descrever este tema ,que poderia ser incluído num filme de Stanley Kubrick.

Mais uma vez os efeitos sonoros criam uma envolvência total dentro do álbum. The Dark Side of the Moon é uma novela abstracta que não se escuta mas que se vive, que se sente. Os compassos e os tempos não são habituais, mas nada nestes senhores é simplesmente «habitual» ou comum. Ao longe ouvem-se os ponteiros do relógio...

«Time» apresenta um grande momento de criatividade de David Guilmor na sua famosa Fender. Sem medo atira-se para um dos melhores solos do álbum. A sequência introdutória é simplesmente um golpe de génio. O alarme fora activado: abram os olhos para a vida!

«And then one day you find ten years have got behind you
No one told you when to run, you missed the starting gun»

A mensagem nunca fora tão directa em toda a sua carreira. As palavras de Roger Waters caem na perfeição no mundo apoteótico de sintetizadores e de efeitos nunca antes assimilados pelo público geral.


«The Great Gig in the Sky» é um privilégio à audição. Simplesmente maravilhoso do princípio ao fim. Um dos mais conseguidos da banda em toda a sua incrível carreira.

Ao som de moedas a cair, de slot-machines tipicamente relacionadas com os casinos e uma referência à sociedade de consumo, «Money» é o abrir de muitas portas no caminho ao mega-sucesso dentro do rock mainstream. A sequência da guitarra ritmo é viciante, o delay e o efeito ressonância é incrível, dando um tom muito mais jazzy e rítmico. O compasso é algo invulgar, uma sequência de 7/4. Numa onda mais Blues e menos psicadélica, este tema é incontornável na escadaria do sucesso dos Pink Floyd.

«Us and Them». O momento mais introspectivo do álbum. É suave e melancólico e prime pela harmonia de sons e de ecos vocais de David Guilmor. «...we're all ordinary man» resume-se nas suas palavras. É o momento mais prolongado do álbum, mantendo uma estrutura estável com picos pelo meio de onde se destacam os back vocals que criam grande parte do ambiente para o qual os Pink Floyd nos tentam enviar.

«Any Colour You Want» é uma das metáforas apresentadas, desta vez sem o contributo de Roger Waters, habitualmente digno dos créditos da banda. Uma contribuição que quase se poderia dizer que seria Guitarra vs Sintetizador, mas a conjugação é perfeita. Repare-se num fade-out a relembrar «Breath»...

«Brain Damage» volta a brincar com os ecos de fundo, num registo mais profundo ao qual parece haver algumas referências ao falecido companheiro Syd Barret, o possível "Lunatic". Este tema que dá nome ao álbum ( " see you on the dark side of the moon") é das primeiras provas da capacidade vocal de Rogers Waters, que mais tarde iria levar a cabo o histórico concerto em Berlim em 90 num pós-queda do muro.

«Eclipse» dá seguimento à composição chegando à recta final. Ao fim da audição de Dark Side of the Moon sente-se que se emoldurassem estes temas, teríamos um Museu Guggenheim na cabeça. The Dark Side of the Moon é um pedaço de arte, de história e de simples magia.

1- Speak to Me
2- Breath
3- On the Run
4- Time
5- The Great Gig in the Sky
6- Money
7- Us and Them
8- Any Colour You Want
9- Brain Damage
10-Eclipse


As origens e o contexto da obra-prima 
O álbum começou numa reunião onde o grupo discutia que precisava de novo material para apresentar ao vivo. Waters teve a ideia de escrever um álbum conceptual que lidasse com o que “fizesse as pessoas se sentirem revoltadas”. Ora em 1972 estamos num ano em que na Inglaterra, a confiança dos jovens se estatelava no chão, com o quebrar dos sonhos de construir um novo mundo, provenientes da cultura hippie, que ia desaparecendo.
No entanto, a cultura dos “ácidos” permanecia viva, a guerra do Vietname continuava sem fim à vista, assim como a Guerra Fria, inflação, desemprego, violência racial, ou seja, um contexto conturbado que influenciou as ideias transparentes neste álbum. 
Para o sucesso desta “masterpiece” contribuiu a produção levada a cabo por Alan Parsons e as linhas melódicas simples, suportadas pelos blues característicos do grupo. Não esquecer o excelente trabalho de design com a capa, concebida pelos Hipgnosis (grupo britânico de design artístico que se especializou em desenhar e criar capas de álbuns para as bandas de rock da altura) percebe-se assim, o porquê de este trabalho ter atraído tantas pessoas. 
Há quem diga que também está ligado a Dark Side Of The Moon um poderoso símbolo, que marca a própria época que se vivia. A sua influência musical no rock é enorme, sendo dos álbuns mais citados como influência por parte de jovens músicos, sendo também visto como presença obrigatória nas prateleiras de audiófilos.