domingo, 18 de outubro de 2015

Laurie Anderson: Os 33 anos de Big Science

Big Science, o álbum de estreia de Laurie Anderson, foi editado há 33 anos e, em 2015, a autora completou 68. A influência de Anderson ultrapassa as fronteiras da música, já que sempre explorou os efeitos da tecnologia nas relações interpessoais e na comunicação humana.

“Boa noite, fala o capitão… estamos prestes a fazer uma aterragem de emergência…” Assim começava o disco de 1982, Big Science, álbum que surgiu na sequência do êxito de «O Superman». O single foi uma edição da autora, destinada à venda direta pelo correio.
O preço era 3,98 dólares (incluindo portes). “Como é que as pessoas sabiam que tinha sido editado? Escreviam-me ou telefonavam-me, perguntando se eu tinha uma cópia. E eu punha um selo e enviava.”
A cantora explica que recebeu um telefonema de um inglês que lhe pediu diversas cópias do single. “Eu perguntei, ‘quantas?’. Ele disse, ‘40 mil até ao fim desta semana e outras 40 mil na semana que vem…’ Respondi, ‘ok… já lhe ligo!…’”
Adotando uma perspetiva comercial, a produtora Roma Baran achou que era altura de aproveitar o momento e realizar um projeto mais ambicioso. A reação dos produtores que ouviam o tema era: “Adoro. É a coisa mais fantástica que já ouvi. Mas o que hei-de fazer com isto? Dura oito minutos e meio, não tem bateria nem baixo, ninguém o vai tocar na rádio.”


No entanto, depois da resposta positiva da Warner Brothers, Anderson e Baran começaram a trabalhar num álbum, sem as restrições dos estúdios pagos à hora. “Foi empolgante fazer um disco para uma grande editora”, reflete Laurie.
O método de trabalho de Anderson começava com algo nada parecido com uma canção, mas sim, com um som ou um “loop”. «From the Air», por exemplo, baseia-se num padrão de vocoder, um analisador e sintetizador de voz.

LAURIE É UM VÍRUS

Artista multifacetada e enigmática, Laura Phillips Anderson sempre foi original: O seu primeiro trabalho artístico, em 1969, foi uma sinfonia tocada em buzinas de automóveis.
Nasceu no Illinois, a 5 de Junho de 1947 e licenciou-se em História da Arte na Califórnia. No início dos anos 70, foi crítica de arte em revistas e ilustrou livros para crianças. Em 1972, obteve um Master’s Degree in Fine Arts em escultura, na Universidade de Columbia. Durante os anos 70, atuou em Nova Iorque, tornando-se conhecida pela sua performance Duets on Ice, em que tocava violino ao som de uma gravação, com os patins dentro de um bloco de gelo. A atuação só terminava quando o gelo derretia.
«O Superman» alcançou o número dois das tabelas de vendas inglesas. O tema era apenas parte de um trabalho intitulado United States I-IV. O som exótico de Big Science resultou do uso revolucionário de diversas tecnologias e instrumentos. O álbum obteve ótimas críticas em publicações como o New York Times, em que o crítico John Rockwell exaltou o disco: “O trabalho de Anderson é diferente de tudo na música e altamente recomendado.” Não deixa de ser irónico que, anos antes, Rockwell tenha sido um dos alvos de Lou Reed nas provocações de Live: Take no Prisoners: “John Rockwell diz que sou inteligente. Fuck you! Não preciso que mo digas.”
Ao longo dos anos 80, o trabalho avant-garde de Anderson obteve quase sempre o consenso entre as vendas e a crítica. Realizou e participou no filme Home of the Brave, em 1986, e compôs diversas bandas sonoras. Em 1989, Strange Angels, um dos seus álbuns mais acessíveis, dividiu opiniões, com os críticos a aplaudirem a vertente mais melodiosa de Laurie, (cujas lições de voz atrasaram a edição do álbum) e os fãs indecisos perante o novo caminho.

O SUPERWOMAN

Nos anos 90, Anderson prosseguiu a sua carreira multifacetada. Descreveu os seus primeiros espetáculos ao vivo no livro Stories From the Nerve Bible, publicado em 1993. Deu voz a um filme animado, editou Bright Red, co-produzido por Brian Eno, e criou diversas apresentações multimédia, entre as quais, uma inspirada por Moby Dick. Depois de um interregno, regressou com Life on a String, de 2001.
No mesmo ano, Anderson fez uma digressão, interpretando as suas peças mais conhecidas e confirmando a contemporaneidade do seu trabalho. Interpretou «O Superman», uma semana após o 11 de Setembro. A letra diz, “aí vêm os aviões; são aviões americanos; feitos na América…”. O concerto foi retratado no álbum Live in New York, editado em 2002.
Ao longo dos anos, Anderson colaborou com artistas tão diferentes como Peter Gabriel, David Sylvian, Jean-Michel Jarre, Brian Eno, Bobby McFerrin ou Dave Stewart. No novo milénio, Laurie Anderson narrou um documentário sobre Andy Warhol e atuou em Came So Far For Beauty, um tributo a Leonard Cohen, em 2006.

LAURIE E LOU

Desde meados dos anos 90, Anderson é companheira de Lou Reed, tendo ambos colaborado musicalmente diversas vezes: Anderson participou em «Call On Me» do álbum The Raven, em «Rouge» e «Rock Minuet» de Ecstasy, e «Hang On To Your Emotions» de Set the Twilight Reeling. Lou Reed, por seu lado, participou em «In Our Sleep», do álbum Bright Red e «One Beautiful Evening» de Life on a String.




































No 11 de Setembro, Reed estava separado de Anderson. A primeira coisa de que se lembrou foi da companheira, escrevendo-lhe o poema «Laurie Sadly Listening», publicado na New York Times Magazine a 6 de Outubro de 2001: Laurie if you’re sadly listening/The birds are on fire/The sky glistening/While I atop my roof stand watching.

ESTRANHAMENTE ATUAL

Tanto a nível temático como musical, Anderson sempre esteve adiantada em relação aos tempos, embora cantasse, em 1982, “this is the time, and this is the record of the time”. Mas a “grande ciência” de Laurie é do nosso tempo também. Na época, Laurie apercebeu-se da ansiedade sociopolítica da sociedade americana e do anseio quase obsessivo por segurança, numa época de ofensivas militares por parte de um país que nunca esqueceu as cicatrizes do Vietname.
O conforto gélido da tecnologia que aproxima e afasta os seres humanos parece prever a Era da Internet.
Em «The It Tango», explora a dificuldade que os homens e mulheres encontram em falar a mesma linguagem.


O material bónus da reedição de Big Science – Enhanced (2007), inclui «Walk the Dog» o lado b de «O Superman», o vídeo do tema e apontamentos de Laurie Anderson acerca do álbum. Ao longo dos anos, o encanto hipnótico das composições de Anderson deu bastante trabalho aos críticos, que se esforçaram por traduzir a sua música em palavras. Andy Gill escreveu, no New Musical Express: “Há uma qualidade onírica e subconsciente nas suas composições, que as faz trabalhar a um nível psicológico mais profundo.”

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