RAÍZES
Apesar do título remeter para um “estado de graça”, mais do que para a famosa mansão de Elvis – coincidência que só lhe ocorreu depois –, o álbum foi despoletado por uma fase má. Hearts and Bones, de 1983, foi o primeiro projeto de Paul Simon que fracassou comercialmente, embora hoje seja visto a outra luz. No mesmo ano, Paul formaliza a relação com a atriz Carrie Fisher (a ‘Princesa Leia’ de Star Wars), mas o casal divorcia-se seis meses depois.
Nas palavras de Simon, “quando se tem um fracasso pessoal aliado a um fracasso artístico, pode-se entrar em parafuso. Foi o que me aconteceu. As coisas só melhoraram quando comecei a ouvir música sul-africana. Um amigo emprestou-me uma cassete que eu ouvia no carro.”
“Ninguém achou grande ideia. Disseram, ‘vai usar ritmos africanos para revitalizar a carreira’. Mas, quando sabemos que ninguém está a observar, podemos fazer o que nos apetecer.”
IDEIAS E REALIDADES
Graceland causou polémica quando Paul Simon foi a Joanesburgo gravar com músicos locais. “Isso não é nada a não ser roubar!”, acusou um estudante negro numa conferência que Simon deu. O músico respondeu, nervoso: “Achas que é fácil criar um disco assim? É só dizer, ‘vou até lá, arranjo uns músicos, faço umas letras, edito isto e já está’? Achas que conseguias fazer um sucesso disto?” As letras foram escritas com base nos ritmos e nas músicas, mas foi a conjugação de poesia urbana, amores falhados, problemas de comunicação e a ânsia por chegar a um entendimento com uma pessoa ou uma cultura, que fizeram de Graceland um disco universal.
Paul Simon foi também acusado de quebrar o boicote cultural das Nações Unidas à África do Sul, algo que fez inadvertidamente. “Eu achava que era só para músicos que lá fossem tocar. Não penso que esse boicote se destinasse a impedir que a cultura e a arte sul-africanas fossem divulgadas no mundo.” De resto, foi assim que os músicos negros encararam a questão, apreciando o gesto apolítico de Simon e agradecendo a exposição internacional que deu à cultura musical africana.
O Apartheid causou-lhe inúmeros transtornos; deu concertos sob ameaça de bomba e atuou com uma rede entre o palco e público. O irmão de Joseph Shabalala, (líder dos Ladysmith Black Mambazo) foi assassinado de maneira violenta: Um tiro na cara. Perturbado com o que considerou um crime racista, o cantor chorou em palco. Mas Shabalala apoiou Paul Simon: “Não o considero um amigo. Considero-o um ser humano. Um irmão.”
Para Simon, o projeto era “o mesmo que dizer, ‘entendemo-nos musicalmente. Porque não passar isto para o plano da realidade’?” No entanto, em 1992, já na digressão Rhythm of the Saints, as ameaças prosseguiram e o escritório do promotor de um concerto foi alvo de um ataque à granada.
IN MY LITTLE TOWN
Um dos raros cantores/compositores que conjuga quase sempre o reconhecimento da crítica com o sucesso comercial, Paul Simon nasceu em Newark, New Jersey, em 1941, e cresceu em Queens, Nova Iorque. Conheceu Art Garfunkel em 1956. Decidem atuar sob o nome “Tom and Jerry” e gravam o single «Hey, Schoolgirl», número 49 nas tabelas de vendas, sucesso assinalável para dois adolescentes, mas que não teve continuidade. Simon queria seguir a carreira musical, mas licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas. Era um autodidata, embora fosse já um guitarrista exímio. No início da década de 60, escrevia canções para outros artistas, gravando as “demos” sob pseudónimos. Entretanto, o duo tenta novamente o mundo da música.
Quando gravaram o primeiro disco “sério”, Wednesday Morning 3 A.M. (1964), a denominação “Tom and Jerry” não se adequava. A solução foi usar os apelidos. Como disse Mike Nichols, realizador de The Graduate, “naqueles tempos, nenhum artista tinha um nome como Garfunkel… era preciso lata”. Mas o álbum não vendeu e Simon partiu, desanimado, para Inglaterra. 1965 foi o ano do folk-rock de Bob Dylan. A Columbia decidiu lançar o single «The Sounds of Silence» adicionando guitarras elétricas e bateria, com o desconhecimento da dupla. A canção chegou a número 1 do top, e Simon regressou aos EUA, gravando, com Garfunkel, o álbum homónimo, dando continuidade ao sucesso inesperado.
Simon e Garfunkel eram amigos, mas, com as pressões e as constantes digressões, a relação começou a desagregar-se. Simon era pacato, reservado e metódico; sentia-se mais à vontade no estúdio, onde era perfecionista. Ao vivo, custava-lhe lidar com a atenção. “Nesse aspeto, o Art deu-me a autoconfiança que me faltava.” Garfunkel explica que “Paul não pareceu muito divertido com o nosso sucesso”. De facto, as canções sobre suicidas, solidão e alienação refletiam o humor de Simon, o que veio a provocar algumas batalhas com a depressão.
A dupla conquistou o Grammy para melhor álbum do ano com Bookends, em 1966, e The Graduate, em 1969, mas o auge do sucesso foi Bridge Over Troubled Water, vencedor absoluto dos Grammies de 1970. Ironicamente, foi o fim; a tensão acentuara-se, com Garfunkel a querer seguir uma carreira no cinema e Simon a querer enveredar por outros estilos musicais.
Simon começa uma fulgurante carreira a solo, com o álbum homónimo de 1971. Durante a década de 70, lançou êxitos como «Kodachrome» ou «Me and Julio Down By the Schoolyard». As ligações com o cinema pareciam fortes, chegando a entrar em Annie Hall de Woody Allen. No final da década, os problemas contratuais obrigaram a um afastamento, mas regressou em 1980, escrevendo o argumento e compondo a banda sonora de One-Trick Pony.
O filme foi um flop, mas a banda sonora integrava temas como «Late in the Evening». No ano seguinte, Simon e Garfunkel reúnem 500 mil pessoas no Central Park para um concerto histórico. Planeavam lançar um disco de inéditos, mas os desentendimentos do passado reavivaram-se, e Simon lançou o álbum a solo: Hearts and Bones.
CURIOSIDADE SOBRE OUTRAS CULTURAS
Quem conhece a carreira de Paul Simon, sabe que esta curiosidade por outros ritmos começou no final dos anos 60, com «El Condor Pasa», ainda num álbum de Simon & Garfunkel. No primeiro álbum a solo, arriscou o reggae e ritmos brasileiros. Estudou a música de Tom Jobim e saiu-se com Still Crazy After All These Years, em 1975, vencendo o Grammy de Melhor Álbum.
Recentemente, tem gravado poucos álbuns, mas mantido um nível de qualidade notável. Ainda assim, não conseguiu evitar polémicas. No musical The Capeman, acusaram-no de “glorificar um assassino”, por exemplo.
Há 20 anos, Philip Glass disse: “Temos de ouvir “Gershwin, Cole Porter e Irving Berlin para encontrar um talento comparável ao de Simon.”
Nos anos 90, perguntaram a Carrie Fisher quais as canções que o ex-marido mais apreciava. “Ela não gostava nada do «I Am a Rock» e outras coisas… mas de Graceland, sim. Orgulhava-se disso. De todo esse trabalho.”
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