domingo, 25 de janeiro de 2015

Morreu DEMIS ROUSSOS

No dia em que o mundo olhava para a Grécia e para os gregos com incredulidade, por causa da estrondosa vitória da esquerda radical do Syriza, despedia-se da vida um dos cantores gregos mais míticos do século XX: Demis Roussos.
Discretamente, num hospital de Atenas, o cantor de “Forever and ever” e “Goodbye my love, goodbye”, o grego que nasceu em Alexandria, devido ao facto dos pais serem expatriados, encerra definitivamente uma carreira muito bem-sucedida e que marcou a cena musical europeia e americana nos anos setenta do século passado.
Demis Roussos cantou o amor, duma maneira um tanto ou quanto kitsch, mas que encantou milhões de fãs por toda a europa, que compravam os seus discos e sonhavam histórias românticas ao som da sua música. Roussos vendeu cerca de 60 milhões de discos, lotou o Maracanã como apenas Frank Sinatra o fizera e não se importava com as críticas, que o acusavam de fazer uma música ultrapassada, onde as baladas delicodoces revelavam influência gregas e árabes, que um europeu do norte absorvia mal, mas um latino adorava.
Apesar de ver a sua música criticada e até depreciada, o grego nunca negou a sua matriz musical, mas soube evoluir. 
O baixista e guitarrista dos Idols sabia aproveitar as oportunidades e, quando o vocalista da banda lhe deu uma das raras oportunidades de ser a estrela, Roussos não desperdiçou a dádiva e aplicou toda a imponência e beleza da sua voz de tenor para interpretar “when the man loves a woman”, despertando atenção, entre outros, do seu amigo Vangelis, com quem viria a fazer uma sociedade musical muito profícua para ambos, a partir de 1966. Haveriam de seguir caminhos separados a partir de 1972, mas a fama já estava conquistada e Demis, com as suas longas barbas, o seu peso absurdo e as suas lantejoulas, dava passos decisivos para se afirmar como um dos ícones da música dos anos 70 ao lado dos míticos ABBA. 
Com músicas como “Velvet morning”, “My friend the wind” ou “My reason”, Demis conquistava a América de norte a sul e consagrou um estilo que viria a ser algo ridicularizado nas décadas seguintes. Os anos 80 ainda trouxeram algum sucesso, em parceria com Vangelis, ao associar-se à extraordinária banda sonora de “Momentos de Glória”, mas a ideologia musical dos anos 80 e 90 caminhava noutras direções. Roussos adaptou-se, recriando a sua música e trazendo influências árabes, gregas e balcânicas aos seus temas, mas o êxito não seria nada parecido com o da década de 70. O final do século ditou a sua retirada, para gozar a vida e viver tranquilamente junto ao mar. Fez bem. A vida fora muito generosa com ele e, no dia 25 de Janeiro de 2015, os gregos decidiram despedir-se dele chamando novamente a atenção do mundo.  

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Cheap Trick - At Budokan

A pop habilidosa dos Cheap Trick elevou-se a patamares mais sólidos e eficazes com a edição de um disco ao vivo em 1979. "At Budokan" documentava uma bem sucedida tourné japonesa do conjunto e acrescentava novos argumentos a canções já existentes no formato de estúdio.

Uma maior e melhor agressividade interpretativa e instrumental dominava a maioria das 10 canções. "I Want You to Want Me" e "Surrender" entrariam para a história, muito por culpa de refrões contagiantes e pelo poder de guitarras que recuperavam, sem rodeios, o espírito do velho rock n´roll.

Outro ponto a destacar é o casamento da energia do vocalista Robin Zander com o entusiasmo constante do público nipónico. Todos estes factores fizeram de "At Budokan" um dos melhores álbuns ao vivo de que há memória.

David Gilmour, «Dogs» e o porco voador

Contexto: Tema incluído em Animals, álbum editado a 23 de janeiro de 1977. Foi a primeira vez que os Pink Floyd trabalharam no seu estúdio, nessa altura privado, o Britannia Row, em Islington, a norte de Londres, onde também os Joy Division gravariam Closer. Da Islington Green School, ali perto, veio o coro de crianças que cantaria no tema «Another Brick in the Wall – Part 2», três anos depois.
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A letra de «Dogs» é de Roger Waters e a música foi composta por David Gilmour. Embora o guitarrista não se orgulhe especialmente deste trabalho, é o único crédito na composição do álbum que não pertence a Waters. Animals é inspirado por O Triunfo dos Porcos de George Orwell, com Waters a dividir a humanidade em cães, porcos (três diferentes) e carneiros.
O tom geral do disco é agressivo e, em «Dogs», o foco incide nos “corporate climbers”, indivíduos sem escrúpulos que sobem num mundo competitivo, para “serem arrastados por uma pedra”, o peso da importância que atribuem a si mesmos, segundo Waters. A meio da faixa, Waters lê o 23º Salmo através de um Vocoder, tratamento que também é dado aos latidos de cães verdadeiros.
A capa do disco assentou no conceito de colocar um gigantesco porco insuflável a voar entre as torres austeras da Battersea Power Station, o que tornaria o edifício num insólito ponto turístico da capital britânica. Inexplicavelmente, Waters descreveu este suíno como “um símbolo de esperança”, e o enorme balão incorporaria todos os espetáculos posteriores.
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O PORCO VOADOR

A 2 de dezembro de 1976, um grupo de fotógrafos reuniu-se ao amanhecer, na Battersea Power Station, para captar a subida do porco cor-de-rosa. Tinha sido construído na Alemanha pela Ballon Fabrik, a mesma companhia que fizera os Zeppelins. Um atirador estava a postos, com uma espingarda, caso algo corresse mal. No entanto, o hélio não foi suficiente, sendo a sessão adiada para a manhã seguinte. Desta vez, o porco subiu, mas um cabo partiu-se, e o “animal” foi levado pelo vento.
O primeiro a avistá-lo foi o piloto de um jato, que aterrou no Aeroporto de Heathrow e descreveu o que vira. Fizeram-lhe um teste de alcoolémia antes de o levarem a sério. Um helicóptero da polícia seguiu-o até cinco mil pés de altitude, antes de regressar à base. A responsabilidade passou então para as Autoridades da Aviação Civil, sendo emitido o alerta de que um porco com 12 metros de comprimento estava à solta no espaço aéreo da capital.
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Os jornais vespertinos começaram a recolher testemunhos. A Aviação Civil perdeu o porco do radar perto de Kent, quando já voava a uma altitude de 18 mil pés rumo a leste, em direção à Alemanha. “Podemos dizer que o porco regressa a casa”, brincou o responsável da Aviação Civil. Depois de ter causado a consternação dos controladores aéreos de Heathrow, o porco despenhou-se, 30 quilómetros a sudeste de Londres, no condado de Kent.
A imprensa não deixou passar em claro este episódio, pelo que os títulos sucederam-se, “Alerta a bordo: Um porco”, “Se os porcos voassem”, “Cuidado, há um porco a voar por aí!” Mais tarde, um anúncio publicado nos jornais, promovia o álbum com a frase: “Oink, Oink, Woof, Woof, Baaaaa. Novos sons de Animals dos Pink Floyd.” Surgiu uma fotomontagem na imprensa, mostrando um agricultor com um porco debaixo de cada braço. Um pergunta: “Já ouviste o novo dos Floyd?” O outro responde: “Eu sou o novo dos Floyd.”

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OS TRÊS SOLOS

O exemplar trabalho de guitarra foi desenvolvido por Gilmour ao longo de dois anos, em atuações ao vivo, quando o tema se chamava «You Gotta Be Crazy». Os primeiros quatro versos são cantados pelo guitarrista, e os restantes três por Waters.
A gravação dos três solos resulta de meses de experiências e não foi fácil devido às dificuldades que os Pink Floyd encontraram ao autoproduzirem o álbum num novo estúdio. A certa altura, Waters apagou acidentalmente uma parte de guitarra de Gilmour, da qual este muito se orgulhava.
Ao contrário do que é seu hábito, o guitarrista usou uma Fender Telecaster, conhecida pelo timbre mais metálico. A nível de efeitos, como sempre, prima a subtileza. Fala-se no uso do flanger e do phaser, mas a questão torna-se secundária face à expressividade demonstrada. (Há certamente reverb, overdrive e um rotating speaker.)
Estes três solos demonstram as qualidades de David Gilmour: O efeito dramático, já que os solos não são incluídos na música de forma aleatória e contrastam entre si. (Já fizera o mesmo em «Money».) O cuidado em tocar o que melhor se adequa à canção, evitando sobressair apenas pelo virtuosismo. Contenção, bom gosto e o cuidado extremo nas notas que não são tocadas – mais importantes do que aquelas que se tocam, segundo uma filosofia do jazz. Outra grande qualidade de Gilmour é o facto de ter uma noção impecável do tempo – 99 por cento das vezes, o timing das notas é, dir-se-ia, perfeito.
Primeiro solo (1:50)
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O solo que cria o ambiente dramático. Utilizando escalas cromáticas, Gilmour estabelece um crescendo e uma dinâmica exemplares, perfeitamente enquadradas na sonoridade quase claustrofóbica de «Dogs».
Solo intermédio (5:34)
Acompanhando o progresso da letra, este solo é claramente uma interpretação das palavras. Mais intimista, Gilmour deixa espaços intencionais entre as frases, como se se tratasse de um discurso falado. O final parece insinuar que se seguirá um terceiro solo.
Solo final (13:27)
Mais rápido, o solo sintetiza e retoma as ideias dos anteriores, culminando numa frase descendente, interpretada em harmonia, com três guitarras em uníssono.
A guitarra usada foi uma Telecaster Custom de 1959, sunburst e com uma característica incomum, um (pickup) humbucker Gibson PAF, fazendo com que soasse e se parecesse com as Deluxe Telecasters do início dos anos 70. Não se sabe se foi o próprio Gilmour a instalá-lo, já que o músico gostava de experimentar este tipo de mudanças nos instrumentos. Também comprava guitarras em segunda mão, pelo que pode ter sido o anterior dono a fazê-lo. Em Janeiro de 2009, Gilmour referiu à Guitar Player que o humbucker foi substituído por um pickup de Stratocaster.
De referir ainda o trabalho de guitarra acústica, afinada um tom abaixo do normal, e o riff de guitarra elétrica que se repete ao longo da canção – também este arquitetado cuidadosamente e executado com três guitarras em harmonia. E muito fica por dizer. Resta ouvir e aprender…

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

CARLY SIMON

Desde há muito tempo que Carly Simon exerce em mim um grande fascínio. Não sei se tal se deve ao facto de ser uma mulher bonita feia ou de revelar uma faceta de espírito livre, que é sempre de salutar nos dias que correm, mas, assina boas canções e com um suave bouquet de confissão pessoal.
Simon é detentora de uma carreira recheada de bons momentos, cujo epicentro mais memorável se situou nos anos 70.  São dessa fase os discos "Carly Simon", "Anticipation" e, principalmente, "No Secrets", de 1972. O casamento com o cantautor James Taylor, na mesma altura, também lhe rendeu um êxito: "Mockingbird". A cantora alta, exótica e frágil sofreria em finais de 1980 um colapso durante um espectáculo. O afastamento dos palcos, ainda assim, não diminuiria o nível das composições.  Dois singles, "Why" com produção dos Chic e "Coming Around Again", seriam os expoentes máximos desse período. Na década seguinte, sucederam-se os álbuns de versões que seriam interrompidos pelo primeiro trabalho de originais em muito tempo: "The Bedroom Tapes", de 2000. Terminando com o mais recente "This Kind of Love".  Em todas as fases da sua carreira, Carly Simon revelou elegância, humor e criatividade.
Deixo-vos com a sua canção mais famosa: "You´re So Vain". A mesma não deixa de revelar uma doce ironia: Quem é o vaidoso ?  Durante muito tempo pensou-se em Mick Jagger, antigo namorado da cantora e voz presente nos coros deste tema. O mistério foi resolvido há pouco tempo... era o actor Warren Beaty.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

INXS : Kick

O caminho para o sucesso dos INXS começou nos pubs da Áustralia. Com a canção "What You Need" rumaram ao Top Five americano, mas seria o álbum "Kick" que lhes traria o reconhecimento global. Através de uma combinação inteligente de rock & roll, pop/funk e bons riffs, construiram um disco sólido e consistente. A essência do trabalho era um híbrido entre rock e música de dança, com classe, e um apreciável sentido cool. A sexualidade felina do vocalista Michael Hutchence dava um colorido especial à envolvente "Devil Inside", de que o mega êxito "Need You Tonight" conferia o seguimento natural. A ultra dançante "New Sensation" empregava as mesmas armas da balada épica "Never Tear Us Apart", ou seja, pausas dramáticas e repentinas, mas sem nunca perder o norte. De uma ponta à outra, "Kick" é um disco onde a palavra verbo de encher está ausente e enquadra-se na categoria dos melhores álbuns pop de todos os tempos.

DURAN DURAN : Rio

A ideia de disco pop perfeito encerra em si muitas variáveis, mas quando uma colecção de canções é definidora de uma época que teima em regressar, podemos incluir sem problemas o trabalho de 1982 dos Duranies. O segredo da longevidade de "Rio" assentou na qualidade da secção rítmica constituída por John e Roger Taylor, nos riffs de Andy Taylor e a combinação da elegância dos teclados de Nick Rhodes com a voz aveludada do cantor Simon Le Bon.
Uma boa execução técnica opera milagres, mas a ausência de grandes temas castra qualquer trabalho e condena-o ao esgotamento artístico. E foi precisamente isso que não aconteceu à banda de Birmingham. Durante uma apresentação no canal VH-1, Nick Rhodes definiu "Hungry Like The Wolf" como uma fixação em Mick Jagger. Inspirações à parte, o tema demonstra coesão e abraça a electrónica com um bom andamento de guitarra. A música que dá nome ao álbum encanta pela frescura e pelo grande solo de saxofone do convidado Andy Hamilton.
Não poderia faltar uma balada ao disco e, se pensarmos que "Save a Prayer" se tornou um clássico absoluto, muito deve ao "clima" quase tropical, baseado num encontro entre duas pessoas que se envolvem e cuja história amorosa termina abruptamente. Termino a minha apreciação, atribuindo uma menção honrosa à sensualidade à flor da pele de "The Chauffeur" e a um "Lonely In Your Nightmare" que merecia e merece mais atenção radiofónica.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

DEMIS ROUSSOS

Nascido Artemios Ventouris Roussos em 1946, em Alexandria, no Egipto, filho de pais de origem grega, Demis Roussos regressaria à Grécia em 1961, depois de a família ter perdido os seus bens na crise do Canal do Suez. Obrigado a trabalhar para apoiar a família, conjugava os estudos, durante o dia, com as actuações nos clubes jazz de Atenas, onde tocava trompete.
Dois anos depois, tinha a sua primeira banda, os The Idols. Seriam um grupo de versões sem história, excepto num pormenor: foi com eles que se ouviu pela primeira vez a voz de tenor que tanto furor faria na década seguinte. Inicialmente guitarrista e baixista, Roussos aproveitou uma rara oportunidade concedida pelo vocalista dos Idols para interpretar House of the rising sun e When a man loves a woman e ficou certo de que os anos passados no coro da Igreja Ortodoxa Grega de Alexandria não haviam sido em vão.
Em 1966, dá-se o primeiro momento decisivo na sua carreira. É no Verão desse ano que conhece Vangelis Papathanassiou. Em 1968 formam os Aphrodite’s Child com o baterista Lukas Sideras e, sonhando com uma carreira internacional, viajam até Inglaterra. Retidos na fronteira por falta de visto de trabalho, acabam em Paris, no auge do Maio de 68. Rain and tears, o primeiro single, chegou ao topo das tabelas francesas e foi o ponto de partida para uma carreira que fez da banda, com Demis Roussos como baixista e vocalista, um dos nomes pioneiros do rock progressivo. 666, o último registo do trio, álbum conceptual inspirado no Livro das Revelações, fica para a História como um clássico do rock progressivo.
O que se seguiu, a ascensão de Demis Roussos ao estatuto de estrela planetária, fez-se, porém em terrenos musicais substancialmente diferentes. 666 foi editado em 1972, quando a banda já se separara para que Vangelis e Demis Roussos seguissem percursos a solo.
We shall dance, o primeiro single de Roussos, editado em 1971, foi a antecâmara para o sucesso maciço de Forever and ever ou Goodbye my love, goodbye. Nos anos 1970 a sua voz, a sua barba, as túnicas coloridas e as lantejoulas cobrindo o corpo que, em 1980, atingiria os 147 quilos, formaram uma das imagens icónicas da década.
Demis Roussos era o baladeiro kitsch, o músico que aplicava à pop açucarada algo das músicas mediterrânicas com que crescera. Era também o poliglota (falava sete línguas) que gravava os seus singles em inglês, francês, espanhol, alemão ou português do Brasil (Você você e nada mais, de 1977). Afirmava-se, acima de tudo, como grande estrela pop europeia. “Em 1975 tive cinco álbuns no top 10 [no Reino Unido]. Ganhei o prémio de melhor artista masculino, melhor single e melhor álbum. Eu e os ABBA ganhámos tudo”, recordava em 1999 ao Guardian.
Continuando a colaborar esporadicamente com Vangelis (na banda-sonora de Blade Runner – Perigo Iminente ou na versão cantada de Momentos de Glória, editada em 1981 sob o título Race to the End), prosseguiu a carreira a solo com edições regulares e com digressões constantes. À medida que o sucesso das novas edições se ia esbatendo, a sua música foi ganhando novas características, aproximando-se do new age, recorrendo à electrónica e exibindo mais declaradamente influências gregas, balcânicas ou árabes. O amor, naturalmente, continuava a ser o tema principal. Mas outro tipo de amor: “Continuo a cantar canções de amor, mas já não têm as letras simples e directas que cantava nos anos 1970. Abordam o amor de uma forma mais ampla, ao contrário do ‘vou oferecer-te uma flor, és a minha bela senhora”. Ainda assim, nunca se cansava dos velhos êxitos. “Vejo todas as minhas canções como filhos e acho que um pai nunca se cansa dos seus filhos, caso contrário não será um bom pai”, argumentava ao Guardian.
Demis, de 2009, foi o seu último álbum. Nesse mesmo ano, festejou os 40 anos de carreira com um concerto em Atenas, descrito como “gigantesco” no obituário da TF1. O facto de ter sido durante o percurso a solo alvo constante da crítica, que lhe desvalorizava os feitos comerciais e desdenhava dos méritos artísticos, era-lhe indiferente. Sabia que as suas canções tinham chegado a milhões de pessoas e isso era mais que suficiente. “Ninguém pode negar que o meu nome deixou uma marca na música do século [XX]”, afirmava em 1999. “Mesmo que morra amanhã, Demis Roussos deixou uma carta, uma marca, algo que não pode ser esquecido”.
Ao longo da carreira terá vendido cerca de 60 milhões de álbuns. Bem-humorado, comentava da seguinte forma à Paris Match o seu sucesso, no ano da celebração dos 40 anos de carreira: “Já vendi milhões desta porcaria… Não me arrependo de nada. Sempre soube adaptar-me, fazendo com que a tua mãe adore [a música] mesmo quando lhe junto sons rock”. 

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

ZZ TOP – Fiéis Às Barbas e aos Blues

A carreira dos ZZ Top divide-se em três etapas: consolidação e reconhecimento (anos 70), sucesso global (anos 80) e institucionalização (dos anos 90 até ao presente).
Nos alvores da década de 70, perto de Houston, no Texas, o guitarrista Billy Gibbons uniu esforços com o baixista Dusty Hill e o baterista Frank Beard. A paixão pelos blues e um sentido de humor muito próprio colheram os seus frutos ao terceiro trabalho: “Tres Hombres”. O factor decisivo para o êxito do disco veio através do tema “La Grange”, com um riff histórico devedor das boas lições de “Boogie Chillen”, do cantor de blues John Lee Hooker.
No entanto, seria o álbum “Eliminator”, de 1983, que faria dos ZZ Top estrelas planetárias. A força de singles orelhudos, "Sharp Dressed Man", "Gimme All Your Lovin´" e "Legs", encontrava a expressão perfeita nos videoclipes sugestivos que os acompanhavam. Sem surpresas, a banda adaptava a sua batida bluesy aos sintetizadores, sem perder o seu estilo texano original. O sucessor, “Afterburner”, de 1985, repetiu a fórmula e o sucesso anterior, de que a balada “Rough Boy” seria o expoente máximo.
A mensagem do grupo começava a reduzir-se progressivamente á iconografia. De que um convite recusado por Gibbons e Hill, para cortar as suas longas barbas, num reclame da Gillette, foi o exemplo paradigmático. Importa dizer que Billy Gibbons é um dos melhores guitarristas americanos de blues, influenciado pela leva britânica primordial de blues rock. Em 1999, comemoraram 30 anos de carreira e constituem-se como o único agrupamento em actividade que conserva os seus membros fundadores.
A escolha videográfica contempla “Gimme All Your Lovin´”. Uma ode aos carros e ás raparigas que definiu as coordenadas dos ZZ Top, nos anos 80.

ROLLING STONES : Exile on Main Street

À partida as condições não eram as melhores. Keith Richards sobrevivia a um desastre de automóvel, Mick Jagger tinha acabado de se casar, problemas com o fisco e antigos managers atormentavam uma banda que vivia “realmente” um exílio no sul de França. Para agravar este estado de coisas, as gravações de “Exile on Main Street”, iniciadas no Verão de 1971, na Villa Nelicotte, propriedade do famoso guitarrista dos Rolling Stones, a electricidade falhava constantemente e a humidade alterava a afinação dos instrumentos.
Com o decorrer dos trabalhos, os atropelos e a desorganização transformavam-se num documento musical uno, sólido e furioso. A explicação para a durabilidade de um dos melhores discos de hard rock de sempre provinha da sua diversidade de estilos: rock & roll, blues, soul e até country. Mas, acima de tudo, pelo acentuar da componente depressiva, iniciada em “Let It Bleed” e “Sticky Fingers”, acrescida de um regresso a uma versão mais dura dos blues, herdados dos seus legítimos antepassados.
Um riff a mid tempo e um grito cavernoso de Jagger apresentavam a relaxante primeira canção: “Rocks Off”. A festa prosseguia com “Rip This Joint” e atingia o seu pináculo com “Tumbling Dice”, no qual o vocalista dos Stones desempenhava o papel de pregador, apoiado por harmonias gospel debitadas pelas vozes corais de Claudie King e Vanetta Fields. A influência de Chuck Berry era patenteada em “Happy”, outro grande tema do álbum, apresentando o cantor Keith Richards e uma estrofe memorável: “I need a love to keep me happy”.
Destaque ainda para o desconsolo gospel da lindíssima “Let It Loose”, a pedalada rock enriquecida pelo saxofone de Bobby Keys, “All Down the Line”, e o encanto espiritual de “Shine a Light”, que deu nome ao filme de Martin Scorcese, sobre os Rolling Stones. Em entrevista concedida á revista Rolling Stone, em 1995, Mick Jagger retirava  valor ao trabalho de 1972: “Exile é um pouco sobrestimado, não tem assim tantas canções memoráveis”. Discordo ! A faceta negra dos Stones é decididamente a mais convincente.

PORTISHEAD - Dummy

A descoberta de "Dummy" representou um capítulo novo e fascinante para o qual os meus ouvidos não estavam habituados. Em certa medida, significava uma abertura para outras possibilidades musicais, mas era também de inovação real que "falava" o disco de estreia dos britânicos Portishead. Na realidade, a vocalista Beth Gibbons, o teclista Geoff Barrow e o guitarrista Adrian Utley alargaram as possibilidades sonoras do trip-hop, mesclando cool jazz e até fundos musicais retirados de bandas sonoras.
O ambiente do álbum retratava amosferas fantasmagóricas, sensualidade, melancolia e, em geral, uma elevada dose de negrume. A voz inconfundível de Beth Gibbons dava corpo a uma pleíade de sentimentos tão diversos quanto originais. Duas canções sobressaíam da colecção apresentada: "Sour Times" e "Glory Box". No primeiro caso, aproveitava-se com eficácia um sample de Lalo Schifrin e no último definia-se o papel feminino com a estrofe memorável "Give me a reason to love you".  
Passados 18 anos da sua edição, "Dummy" continua a ser uma referência ímpar dentro do seu espectro musical, aliando a música de dança com a pop e a boa escrita de canções.  Finalmente, o trabalho de 1997 detém o galardão de ambiente sonoro perfeito para os que começaram a namorar, namoram ou pretendem apenas extraír o lado prazeiroso de uma relação.

Lynyrd Skynyrd - O Ceptro do Rock Sulista

A história do mais famoso representante do rock sulista começou num liceu de Jacksonville, na Florida. Pela mão de Ronnie Van Zant (vocalista), Allen Collins (guitarrista) e Gary Rossington (guitarrista), surgiu a primeira encarnação do projecto: My Backyard. Alguns meses depois, juntar-se-iam o baixista Leon Wilkeson e o teclista Billy Powell e a banda muda o nome para Lynyrd Skynyrd, inspirada num retrogrado professor de ginástica, Leonard Skinner. Com Bob Burns no comando da bateria, iniciam um périplo pelo sul dos Estados Unidos da América e num dos seus concertos despertam a atenção do produtor Al Kooper que lhes garante um contrato com a editora MCA. A edição de "Pronounced Leh-Nerd Skin-Erd", em 1973, traz consigo um sucesso retumbante: "Free Bird". O apelo radio friendly da canção e as honras de abertura na tourné de "Quadrophenia", dos The Who, no mesmo ano, alargariam a legião de fãs do conjunto.
Os progressos dos Lynyrd Skynyrd atingiriam o pináculo com o disco "Second Helping", elevado a uma categoria multi-platinada, graças a outro hino do rock sulista: "Sweet Home Alabama".  O lado mais simplista e experimental da sonoridade praticada pelo agrupamento começava a acompanhar os primeiros passos do hard rock , com uma base lírica mais chauvinista, não rejeitando a ostentação de bandeiras da confederação.
No final de 1974, Artimus Pyle substitui Bob Burns e a banda edita o bem sucedido "Nuthin´Fancy". O sucessor, "Gimme Back My Bullets", não atinge o patamar dos trabalhos anteriores e os bons resultados manifestavam-se no formato live, de que resultaria um duplo álbum, "One More from the Road". Nesta fase, em 1976, os Lynyrd Skynyrd eram a banda de eleição dos camionistas e rednecks norte-americanos.
O aprofundamento da fusão de blues, rock e country conheceria um novo episódio com o disco "Street Survivors", editado a 17 de Outubro de 1977. Três dias depois, a tragédia batia à porta da banda, sob a forma de um desastre de avião, que vitimaria Ronnie Van Zant, Steve Gaines e uma das raparigas do coro, Cassie Gaines.
Após o acidente, os Lynyrd Skynyrd separaram-se, mas voltariam à carga, com uma nova formação, tornando-se uma das atrações musicais, no início da década de 90. Para a história ficam dois clássicos:  "Free Bird" e "Sweet Home Alabama", um punhado de grandes canções: "Tuesday´s Gone", "That Smell" e "Gimme Back My Bullets", a famosa marca dos duelos múltiplos com guitarras e a certeza de erguer o troféu da melhor banda do rock sulista.
A escolha de vídeo contemplou uma canção imortal: "Sweet Home Alabama".

Bon Jovi - A Variação Melódica do Metal

No peculiar universo da música popular, os rótulos atribuídos a um cantor ou banda são inúmeros, por vezes injustos, mas funcionam como aferidor de uma etapa ou de um estilo iniciado ou desenvolvido por um artista. Nesse sentido, é justo dizer-se que os Bon Jovi inauguraram a era da suavidade comercial quando aplicada ao hard rock e ao metal.
Tudo começou, em 1984, com o single de sucesso "Runaway". Após a bem sucedida aventura "7800 Fahrenheit", a América consagra o pop-metal da banda com "Slippery When Wet", de 1986. Os seus nove milhões de cópias vendidas em território norte-americano eram mais do que o resultado prático da parceria iniciada com o compositor Desmond Child. Na realidade, o hino da classe trabalhadora "Living On A Prayer" e  a desafiadora "You Give Love A Bad Name", ambas número um nos Tops americanos, representavam dois bons exemplos de sabedoria na composição musical. Mas, é a balada "Wanted Dead Or Alive" que arrebata o título de melhor canção do disco e da banda, com a comparação entre a vida na estrada e o velho oeste, enriquecida pelos arpeggios do guitarrista Richie Sambora. A fórmula vencedora repetir-se-ia em 1988, embora menos estridente,  com "New Jersey", de que resultariam temas como "Bad Medicine", "Born To Be My Baby" ou "Lay Your Hands On Me". Paralelamente, começavam a surgir as primeiras críticas. O sucesso era atribuído ao sorriso aberto e às variações de penteado do vocalista Jon Bon Jovi ou aos coros cantados ad lib. Ainda assim, o agrupamento cimentava a sua posição em canções que apelavam ao romantismo ou ao afecto dos fãs pela banda, tal como "I´ll Be There For You". Os anos 90 seriam generosos para o conjunto. O seu quinto trabalho, "Keep The Faith", juntava sonoridades dançantes, na faixa-título, e músicas embebidas do estilo clássico Bon Jovi, produzindo o êxito "Bed Of Roses". Entretanto, os concertos multiplicavam-se e a noção de banda de estádio vincava-se cada vez mais aos olhos do público e da crítica. A chegada do novo milénio trouxe "Crush" e uma poderosa canção, "It´s My Life", alimentada por um videoclip engenhoso e condinzente com os novos tempos.

Visage, Os Novos Românticos por excelência

A Inglaterra, no início dos anos 80, vivia um período de aborrecimento generalizado e a crise económica herdada da década anterior ainda prevalecia. Na música popular, começavam a surgir os primeiros sinais de libertação da tirania punk. A revolução começou nas discotecas londrinas e numa nova corrente que procurava novas soluções rítmicas, piscando o olho ao glam de David Bowie e à electrónica de uns Kraftwerk.
A história dos Visage começa na discoteca Billy pela mão do vocalista Steve Strange e do DJ Rusty Egan, procurando gravar música própria para servir de ementa à clientela do referido espaço de diversão. O encontro com o guitarrista Midge Ure possibilitou a gravação do primeiro demo, uma cover futurista de "In the Year 2525", de Zager & Evans. Com a chegada do baixista Barry Adamson, do guitarrista John McGeoch e do teclista Dave Formula completava-se o elenco.
Do contrato com a editora Radar Records resultaria o single "Tar", em Setembro de 1979 e no ano seguinte surge o álbum de estreia, "Visage". O pontapé de saída para o movimento dos Novos Românticos começava aqui, assente em ambientes misteriosos, "Mind of a Toy" e "Blocks on Blocks", no ambiente dance rock da faixa título ou num instrumental "embrulhado" num saxofone, "The Dancer". Mas, é no single "Fade to Grey" que o agrupamento atinge o seu pináculo, introduzindo vocalizações femininas em francês, sirenes distantes e sintetizadores pulsantes. Paralelamente, Steve Strange possuia uma habilidade genuína para a moda, flirtando com o melhor estilo Bowie. Depois de "Visage" seguiram-se "The Anvil", de 1982 e o derradeiro "Beat Boys", de 1984. O clássico hipnótico das noites de 80, "Fade to Grey", constitui a escolha de vídeo e a prova de que os Visage foram os reais mentores de um movimento intemporal.

MADONNA - Ray of light

Em 1998, a cidadã Madonna Louise Veronica Ciccone completava 40 anos. O seu percurso já era sobejamente conhecido, alicerçado numa pop de fortes torrentes rítmicas de que "Like A Virgin", "Into The Groove", "Papa Don´t Preach" e a excelente balada "Crazy For You" constituíam os melhores exemplos. Depois de "Erotica", de 1992, a sua carreira apresentava sinais de desgaste preocupantes.
Numa jogada de mestre, Madonna recruta os serviços do produtor William Orbit, estamos em 1997. O resultado desta colaboração viu a luz do dia em Março de 1998 com o nome de "Ray Of Light". Não! Não era mais um disco da diva da pop, era um dos "seus  grandes discos". E provavelmente o primeiro de uma série de trabalhos de actualização sonora e de redescobrimento artístico. O que me impressionou mais em "Ray Of Light" foi a combinação de letras espirituais com batidas techno e trip-hop, sem perder de vista a melodia. Eu nunca fui adepto de música electrónica, mas era impossível ficar indiferente ao punch de "Nothing Really Matters", ao meditativo "Substitute For Love" e, principalmente, à deliciosa amalgama sónica da faixa que dá o título ao álbum.
Numa altura em que "Hard Candy" se aproxima rapidamente dos pontos de venda, lançamento a 28 de Abril. A revista Rolling Stone descreve o novo trabalho como "Inspirado". Sim, "Ray Of Light" é o disco da maturidade. Mas, importa perceber que o epicentro da Madonna atenta às novas realidades começou efectivamente em 1998.

AC/DC - Back in Black

Musicalmente, o ano de 1980 ficaria marcado pelas mortes trágicas de Ian Curtis e de John Lennon. O súbito desaparecimento do vocalista dos AC/DC, no mesmo ano, levantava uma questão complicada: como substituir a face visível do projecto ? A escolha estava longe de ser fácil. Bon Scott era um cantor carismático e personificava o derradeiro outlaw do rock n´roll. No entanto, inspirados nas boas impressões causadas a Scott por um certo vocalista dos Georgie, optariam por Brian Johnson.
As gravações do sucessor de "Highway To Hell" decorreram nas Bahamas, entre Abril e Maio de 1980. Segundo Johnson, "sentiu-se uma presença qualquer". E a ideia de que algumas letras de Bon teriam sido aproveitadas para as sessões, nunca foi totalmente desmentida. O resultado final viu a luz do dia em Agosto do mesmo ano, com resultados retumbantes. À primeira vista, a reacção do público poderia denotar uma espécie de despedida generosa a Bon Scott. Mas, os resultados artísticos revelavam mais do que isso. Na altura, aquela sonoridade era a mais pesada que alguma vez tinha escutado e altamente desaconselhável a audições caseiras. Sem possuír os conhecimentos musicais que hoje tenho, sabia lá no fundo que era contagiante e do melhor que se podia requisitar para uma boa festa que se prezasse. O disco era fantástico, mas "Back In Black" e "Hells Bells" conquistaram-me. A faixa título mostrava que, afinal de contas, a banda não tinha morrido de todo, graças aos poderosos riffs dos irmãos Young e à memorável desbunda de guitarra de Angus Young. Era impossível não abanar a cabeça ao som de um tema que merece o título definitivo de hino de estádio. Se "Back In Black" era notável, "Hells Bells", a música de abertura, não o era menos. A primeira impressão é a de uma missa de finados rock. Afinal de contas, os sinos de abertura apontavam para Bon Scott. A progressão do tema viria a revelar uma combinação engenhosa entre as soluções guitarrísticas de Angus Young e um coro uivante, a meio-gás. Quase não reparei na ausência de Bon Scott, uma vez que Brian Johnson assimilou bem o seu novo papel. Em comum, tinham o gosto pela famosa tríade: sexo, álcool e rock n´roll. Essa garra e impersonificação de tal imaginário percorre o trabalho com uma considerável dose de determinação. Uma palavra para a apologia às escapadelas de "You Shook Me All Night Long" e a outro clássico imediato: "Rock & Roll Ain´t Noise Pollution".

A vitalidade do Álbum Branco

O ano de 1968 ficou marcado por várias convulsões políticas e sociais. No Vietname, a guerra entrava numa escalada que parecia adiar sine die a possibilidade de uma resolução pacífica do conflito. Internamente, os Estados Unidos da América assistiam a dois importantes assassinatos: Martin Luther King, o grande defensor da integração racial dos negros e Robert Kennedy, senador e candidato à investidura democrata nas eleições presidenciais desse ano. Em França, uma série de greves estudantis resultou numa das mais importantes afrontas aos valores da velha sociedade. O Maio de 68 teve implicações políticas muito vastas e para muitos filósofos e historiadores foi o acontecimento revolucionário mais importante do século XX. Os Beatles estavam atentos e o lado B do single "Hey Jude" reflectia as mudanças: "You say you want a revolution well, you know, we all want to change the world". Pouco tempo depois, os Fab Four começam a gravar aquele que seria o seu trabalho mais diversificado e um dos mais ecléticos de qualquer outra banda pop na história. À partida, o duplo Álbum Branco consagrava uma vontade de regresso às origens, expressa na sua capa de fundo branco. No entanto, os tempos também não estavam fáceis para os Beatles. Mal refeitos da morte do seu empresário, Brian Epstein, um ano antes, procuravam navegar contra a maré da desorientação. A tensão em estúdio era evidente: George Harrison e Paul McCartney discutiam frequentemente, a presença de Yoko Ono começava a fazer-se sentir, inúmeras reuniões de negócios e visitas demoradas completavam o rol de acontecimentos. Na ressaca do psicadelismo, as gravações do Álbum Branco foram definidas na perfeição por John Lennon: "Se olharmos para cada uma das canções, era apenas eu e uma banda de suporte, o Paul e uma banda de suporte. Eu gostei, mas acabámos pouco depois".
De qualquer modo, o resultado musical foi brilhante. Um maravilhoso caos espalhado em 30 canções. O tema de abertura, "Back in the U.S.S.R.", traduz a maior aproximação ao universo dos Beach Boys, com Paul McCartney aos comandos da bateria. "Dear Prudence" mostra um Lennon inspirado no episódio Maharishi, assinando uma das suas melhores baladas, com alguns laivos psicadélicos. Por seu lado, George Harrison estava cada vez mais prolífico: "Savoy Truffle", "Piggies", "Long Long Long", mas, principalmente, "While My Guitar Gently Weeps". Os progressos evidenciados na última faixa, denunciam um espírito que está pronto a libertar-se da bolha Lennon/McCartney. De referir que o famoso solo teve a assinatura de Eric Clapton. E o mais famoso baterista da história do rock também teria direito à sua primeira canção: "Don´t Pass Me By", com sabor country. Como na maioria dos discos dos Beatles, a parcela de leão dos temas tem a pena dos seus maiores compositores. Se "Bungallow Bill", "Glass Onion" ou "Honey Pie", por exemploparecem inofensivas, o mesmo já não se pode dizer da portentosa e pioneira aventura hard-rock de "Helter Skelter". A ideia partiu de Paul McCartney: "Li no Melody Maker que os The Who fizeram o tema mais ruídoso na história do rock n´roll e impus o desafio de fazermos algo parecido". Macca seria também o autor de "Martha My Dear", uma homenagem à sua cadela e que mereceu de Lloyd Cole o título de "melhor canção pop jamais feita". Outra das suas canções que supreende pela simplicidade desarmante é "I Will", mas é na roqueira "Birthday" que encontramos uma das últimas e genuínas parcerias Lennon/McCartney, abrilhantada pela presença nos coros de Yoko Ono e de Pattie Harrison. Por seu turno, John Lennon também fazia maravilhas. "Everybody´s Got Something To Hide..." e "Yer Blues" eram boas ofertas rock. Tal como era o excelente pastiche a la anos 50 de "Happiness is a Warm Gun". Para não falar de "Cry Baby Cry" e, principalmente "Sexy Sadie". O título desta canção funcionou como código para o famoso guru indiano, apresentando-o como um hipócrita. Em termos musicais, o piano mantém a tensão do tema, abrilhantada pelo falseto de Lennon. Na cabeça do produtor George Martin, o Álbum Branco deveria ter resultado num disco único, de 40 minutos e com as melhores canções. Mais tarde, Ringo Starr anuía com graça: "Sim, deviamos ter feito o Álbum Branco e o Álbum mais Branco".  Porém, e 47 anos depois, a vitalidade deste trabalho está à vista, assumindo aspectos de frescura e de pioneirismo intemporais. Na realidade, só uma banda como os Beatles poderia fazer uma obra-prima em tais condições. 

Be My Baby - O Single Perfeito

Na história da música popular existem momentos que se tornam irrepetíveis, pela sua ousada produção, correcta introdução de instrumentos e uma voz que sugere diversos sentimentos. "Be My Baby", das Ronettes, é um desses exemplos paradigmáticos. Assente no famoso Wall of Sound do produtor Phil Spector e na magistral interpretação da cantora Veronica Bennett, o single consegue manter a frescura da gravação original aos 52 anos de idade.
Para a geração dos 40, o tema soa familiar, quando associado à banda sonora do popular filme "Dirty Dancing", de 1987.  Mas, ele também é sinónimo de um tempo idílico onde não haviam limites para sonhar e, claro, muita inocência à mistura. A banda composta por Veronica Bennett, Estelle Bennett e Nedra Talley encerraria as actividades em 1966, após sete anos de algum fulgor e de outra canção de realce: "Baby, I Love You". No entanto, e como um dia Brian Wilson referiu: "«Be My Baby» foi o maior disco pop jamais feito". De acordo.

E a maior banda de sempre é...

Ao longo dos muitos anos em que tenho consciência musical, tomei contacto com inúmeras bandas de renome. Muito influenciado pelos anos 80, onde apreciei gente como os Duran Duran, U2 ou Police, entre tantos outros, percorri ainda assim um caminho que me levaria a fascinantes descobertas. Seria ao som de "Roadhouse Blues", que me iniciei nos The Doors. Banda fantástica, com um vocalista e letrista carismático, onde se incluíam ainda excelentes músicos. Outro grande feito na minha caminhada foi o conhecimento de um grupo chamado Led Zeppelin. Eles foram uma das maiores bandas de sempre. Pela noção de rock n´roll pesado, fundido com blues, misticismo e uma grande base instrumental. Os Rolling Stones também ocupariam grande parte do meu tempo. Nunca os confinei ao "Satisfaction", que reune consensos em críticos diletantes. Era a pujança em palco de Jagger, "Jumping Jack Flash", "You Can´t Always Get What You Want", "Start Me Up" e dois álbums ("Sticky Fingers" e "Exile On Main Street"), que faziam toda a diferença.
Recentemente, através de uma reflexão profunda, tentei perceber qual foi a melhor banda de sempre. Considerei todos os nomes atrás referidos, dei o devido valor à "durabilidade" dos Stones, U2, Pink Floyd e até AC/DC, acrescentei os Velvet Underground, Queen, algumas bandas da Britpop e os Radiohead. Tomei em conta vários factores: sucesso de vendas, concertos, impacto social e influência multigeracional. Embora as bandas que citei anteriormente preencham muitos requisitos, são os Beatles que ganham. Os quatro de Liverpool foram de facto melhores. Porquê ? Simplesmente bateram os recordes de vendas de discos na sua época e ainda estão nos melhores de sempre.
As apresentações estavam sempre esgotadas e é bom saber que o conceito de Tour ainda não estava bem desenvolvido: os estádios eram menores e as digressões não tinham a escala planetária a que nos habituámos. Nos discos, e principalmente a partir de 1965, procuravam não se repetir. É deles a obra-prima do psicadelismo, "Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band", bem como o álbum perfeito dos 60´s, "Revolver", o eclético "White Album", o despertar de consciências de "Rubber Soul" e a despedida em beleza de "Abbey Road". Em termos de impacto social a vitória também é deles. Cabeleiras, América parada para os ver no "Ed Sullivan Show", cenas de histeria das fãs onde quer que eles fossem e influência em variadíssimos conjuntos que apareceram na década de 60 e à posteriori.
Os Beatles são possuidores de uma influência transgeracional. Não só nos músicos que seguem as suas pisadas, influenciados pela evolução artística e pela adesão ao experimentalismo que trilharam, bem como nas gerações que cresceram e ainda crescem a ouvir a sua música. Mais ninguém o conseguiu.

domingo, 18 de janeiro de 2015

The Cars: Mestres de 80

Ao surgimento de bandas como os Interpol, Killers ou Franz Ferdinand, não é alheio um fenómeno que dominou as tabelas de vendas de há 30 anos atrás. Com o epicentro situado em Massachussets, os Cars fundiram o rock de garagem com a pop e criaram a receita de maior sucesso na new wave americana de 80.

O encontro de Ric Ocasek (guitarrista e vocalista) e Benjamin Orr (baixista e vocalista), em inícios de 70, serviria de impulso a alguns agrupamentos e, finalmente, aos Cars, em 1976. Elliot Easton (guitarrista principal), Dave Robinson (baterista) e Greg Hawkes (teclista), completavam o elenco.

Uma bem sucedida aventura radiofónica de "Just What I Needed", em 1977, catapulta-os para a gravação do seu primeiro disco, pela editora Elektra Records. Lançado no verão do ano seguinte, "The Cars", permanece nos tops durante dois anos e meio, vendendo cerca de seis milhões de cópias, incluindo mais dois singles de sucesso: "My Best Friend´s Girl" e "Good Times Roll".

Para muitos críticos, este seria o grande álbum do conjunto, mas "Candy-O" conquista, em 1979, o estatuto de platina e fornece um tema de êxito: "Let´s Go". E o primeiro trabalho da década de 80, "Panorama", revela uns Cars mais ousados, mas, ainda assim, alcança o número cinco da tabela de discos mais vendidos nos Estados Unidos da América.

É nesta altura que a banda conhece o famoso pintor-cineasta, Andy Warhol. O artista Nova Iorquino, que já tinha produzido os Velvet Underground, mostrava-se impressionado com o talento do conjunto. E, passados quatro anos, dirige um dos seus mais polémicos videoclips. De referir que em "Hello Again", Warhol faz também uma pequena participação, como barman. 

Ultrapassado 1981, e com ele o êxito do lp "Shake It Up", seguiu-se um período de projectos individuais de Ocasek, Orr e Hawkes. Três anos depois, os Cars assinam o seu trabalho de maior sucesso: "Heartbeat City". Este é o álbum que consagra o agrupamento como estrelas da jovem MTV. Dois clips destacam-se: a balada "Drive" e o já referido "Hello Again".

O que mais espanta neste disco é a qualidade de algumas faixas "menores", principalmente a beleza enigmática e magnética da faixa título e a simplicidade desarmante de Ocasek em "Why Can´t I Have You".  Entretanto, o ano de 1985 traria boas surpresas para os Cars, através de uma boa prestação no Festival Live Aid, enriquecida com a projecção de imagens sobre a fome em África, ao som de "Drive".

Uma colectânea de sucessos, "Greatest Hits", sucederia a "Heartbeat City",
em 1986. E "Door To Door" viria a ser o derradeiro trabalho do conjunto. O último disco com a chancela Cars é desequilibrado. Se a roqueira "Strap Me In" ainda augura bons ventos, o comercialismo gasto de "You Are The Girl" trata de os liquidar.

Os Cars foram mestres num som, o seu som, único e irrepetível. Nele, combinava-se uma certa elegância pop e refrões orelhudos, sem perder de vista o rock n´roll. A morte de Benjamin Orr no ano 2000 pôs fim à carreira de um músico notável e simultaneamente a um regresso não falseado do conjunto. É ele que vemos, justamente, assumir a vocalização do clássico "Just What I Needed", num video de 1978 que ilustra este texto.

MICHAEL JACKSON - Thriller

Muito já foi escrito e falado sobre a obra do senhor Jackson. Parece-me por isso acertado que centre a minha análise num dos melhores álbuns de sempre da música popular, pelo mérito das suas canções. No entanto, e tendo em conta o contexto histórico, não poderei negligenciar a decisiva componente visual, vulgo videoclip, que construiu e perpetuou o mito. Muito antes da espuma dos escândalos e do rótulo de Peter Pan da pop, Michael já era uma estrela por mérito próprio. Primeiro nos Jackson Five e depois em nome individual. Em 1979 assinou o seu primeiro grande momento, "Off The Wall".  Um trabalho onde as bem medidas coordenadas funky e disco, aliadas a uma irrepreensível produção, resultariam em mais de sete milhões de cópias vendidas.
Passados três anos, Jackson voltou a socorrer-se do produtor Quincy Jones e de um excelente lote de músicos, no qual se incluíam, entre outros, o guitarrista Eddie Van Halen e o percussionista Paulinho da Costa. Em termos artísticos, "Thriller" resultou numa diversificada oferta de géneros musicais que começavam no extraordinário apelo dançante de "Wanna Be Startin´Something", passando por um dueto com Paul McCartney, "The Girl Is Mine" e o rock de "Beat It".  
Um dos grandes méritos desta aventura de 1982 foi a concretização da ideia de que a música negra podia conquistar o público branco. Aos 40 milhões de discos vendidos inicialmente também não é alheio o impacto do clip da faixa título. A geração de 80 assistia deliciada à dança de Jackson com um bando de zombies, num bailado de mais de 10 minutos que fez história nos primórdios da MTV.
Seria injusto não mencionar "Billie Jean" e toda a carga autobiográfica que lhe está associada. Num dos melhores temas desta colecção, o nativo de Indiana narra as várias acusações de paternidade de que foi alvo no passado. O sabor R & B e a vocalização convicta valeram ao single dois milhões de cópias adquiridas, o elogio insuspeito de Caetano Veloso e sete semanas de liderança nas tabelas pop americanas, em princípios de 1983.
Recordar "Thriller" em 2015, não é necessariamente um exercício de nostalgia gratuita. Afinal de contas, não é todos os dias que um álbum de nove músicas "liberta" sete singles de sucesso e cuja contagem actual já o situa no patamar dos 110 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo. A 11 de Fevereiro de 2008 foi lançado CD "Thriller - 25th anniversary edition".