sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

David Gilmour, «Dogs» e o porco voador

Contexto: Tema incluído em Animals, álbum editado a 23 de janeiro de 1977. Foi a primeira vez que os Pink Floyd trabalharam no seu estúdio, nessa altura privado, o Britannia Row, em Islington, a norte de Londres, onde também os Joy Division gravariam Closer. Da Islington Green School, ali perto, veio o coro de crianças que cantaria no tema «Another Brick in the Wall – Part 2», três anos depois.
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A letra de «Dogs» é de Roger Waters e a música foi composta por David Gilmour. Embora o guitarrista não se orgulhe especialmente deste trabalho, é o único crédito na composição do álbum que não pertence a Waters. Animals é inspirado por O Triunfo dos Porcos de George Orwell, com Waters a dividir a humanidade em cães, porcos (três diferentes) e carneiros.
O tom geral do disco é agressivo e, em «Dogs», o foco incide nos “corporate climbers”, indivíduos sem escrúpulos que sobem num mundo competitivo, para “serem arrastados por uma pedra”, o peso da importância que atribuem a si mesmos, segundo Waters. A meio da faixa, Waters lê o 23º Salmo através de um Vocoder, tratamento que também é dado aos latidos de cães verdadeiros.
A capa do disco assentou no conceito de colocar um gigantesco porco insuflável a voar entre as torres austeras da Battersea Power Station, o que tornaria o edifício num insólito ponto turístico da capital britânica. Inexplicavelmente, Waters descreveu este suíno como “um símbolo de esperança”, e o enorme balão incorporaria todos os espetáculos posteriores.
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O PORCO VOADOR

A 2 de dezembro de 1976, um grupo de fotógrafos reuniu-se ao amanhecer, na Battersea Power Station, para captar a subida do porco cor-de-rosa. Tinha sido construído na Alemanha pela Ballon Fabrik, a mesma companhia que fizera os Zeppelins. Um atirador estava a postos, com uma espingarda, caso algo corresse mal. No entanto, o hélio não foi suficiente, sendo a sessão adiada para a manhã seguinte. Desta vez, o porco subiu, mas um cabo partiu-se, e o “animal” foi levado pelo vento.
O primeiro a avistá-lo foi o piloto de um jato, que aterrou no Aeroporto de Heathrow e descreveu o que vira. Fizeram-lhe um teste de alcoolémia antes de o levarem a sério. Um helicóptero da polícia seguiu-o até cinco mil pés de altitude, antes de regressar à base. A responsabilidade passou então para as Autoridades da Aviação Civil, sendo emitido o alerta de que um porco com 12 metros de comprimento estava à solta no espaço aéreo da capital.
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Os jornais vespertinos começaram a recolher testemunhos. A Aviação Civil perdeu o porco do radar perto de Kent, quando já voava a uma altitude de 18 mil pés rumo a leste, em direção à Alemanha. “Podemos dizer que o porco regressa a casa”, brincou o responsável da Aviação Civil. Depois de ter causado a consternação dos controladores aéreos de Heathrow, o porco despenhou-se, 30 quilómetros a sudeste de Londres, no condado de Kent.
A imprensa não deixou passar em claro este episódio, pelo que os títulos sucederam-se, “Alerta a bordo: Um porco”, “Se os porcos voassem”, “Cuidado, há um porco a voar por aí!” Mais tarde, um anúncio publicado nos jornais, promovia o álbum com a frase: “Oink, Oink, Woof, Woof, Baaaaa. Novos sons de Animals dos Pink Floyd.” Surgiu uma fotomontagem na imprensa, mostrando um agricultor com um porco debaixo de cada braço. Um pergunta: “Já ouviste o novo dos Floyd?” O outro responde: “Eu sou o novo dos Floyd.”

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OS TRÊS SOLOS

O exemplar trabalho de guitarra foi desenvolvido por Gilmour ao longo de dois anos, em atuações ao vivo, quando o tema se chamava «You Gotta Be Crazy». Os primeiros quatro versos são cantados pelo guitarrista, e os restantes três por Waters.
A gravação dos três solos resulta de meses de experiências e não foi fácil devido às dificuldades que os Pink Floyd encontraram ao autoproduzirem o álbum num novo estúdio. A certa altura, Waters apagou acidentalmente uma parte de guitarra de Gilmour, da qual este muito se orgulhava.
Ao contrário do que é seu hábito, o guitarrista usou uma Fender Telecaster, conhecida pelo timbre mais metálico. A nível de efeitos, como sempre, prima a subtileza. Fala-se no uso do flanger e do phaser, mas a questão torna-se secundária face à expressividade demonstrada. (Há certamente reverb, overdrive e um rotating speaker.)
Estes três solos demonstram as qualidades de David Gilmour: O efeito dramático, já que os solos não são incluídos na música de forma aleatória e contrastam entre si. (Já fizera o mesmo em «Money».) O cuidado em tocar o que melhor se adequa à canção, evitando sobressair apenas pelo virtuosismo. Contenção, bom gosto e o cuidado extremo nas notas que não são tocadas – mais importantes do que aquelas que se tocam, segundo uma filosofia do jazz. Outra grande qualidade de Gilmour é o facto de ter uma noção impecável do tempo – 99 por cento das vezes, o timing das notas é, dir-se-ia, perfeito.
Primeiro solo (1:50)
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O solo que cria o ambiente dramático. Utilizando escalas cromáticas, Gilmour estabelece um crescendo e uma dinâmica exemplares, perfeitamente enquadradas na sonoridade quase claustrofóbica de «Dogs».
Solo intermédio (5:34)
Acompanhando o progresso da letra, este solo é claramente uma interpretação das palavras. Mais intimista, Gilmour deixa espaços intencionais entre as frases, como se se tratasse de um discurso falado. O final parece insinuar que se seguirá um terceiro solo.
Solo final (13:27)
Mais rápido, o solo sintetiza e retoma as ideias dos anteriores, culminando numa frase descendente, interpretada em harmonia, com três guitarras em uníssono.
A guitarra usada foi uma Telecaster Custom de 1959, sunburst e com uma característica incomum, um (pickup) humbucker Gibson PAF, fazendo com que soasse e se parecesse com as Deluxe Telecasters do início dos anos 70. Não se sabe se foi o próprio Gilmour a instalá-lo, já que o músico gostava de experimentar este tipo de mudanças nos instrumentos. Também comprava guitarras em segunda mão, pelo que pode ter sido o anterior dono a fazê-lo. Em Janeiro de 2009, Gilmour referiu à Guitar Player que o humbucker foi substituído por um pickup de Stratocaster.
De referir ainda o trabalho de guitarra acústica, afinada um tom abaixo do normal, e o riff de guitarra elétrica que se repete ao longo da canção – também este arquitetado cuidadosamente e executado com três guitarras em harmonia. E muito fica por dizer. Resta ouvir e aprender…

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