segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

A vitalidade do Álbum Branco

O ano de 1968 ficou marcado por várias convulsões políticas e sociais. No Vietname, a guerra entrava numa escalada que parecia adiar sine die a possibilidade de uma resolução pacífica do conflito. Internamente, os Estados Unidos da América assistiam a dois importantes assassinatos: Martin Luther King, o grande defensor da integração racial dos negros e Robert Kennedy, senador e candidato à investidura democrata nas eleições presidenciais desse ano. Em França, uma série de greves estudantis resultou numa das mais importantes afrontas aos valores da velha sociedade. O Maio de 68 teve implicações políticas muito vastas e para muitos filósofos e historiadores foi o acontecimento revolucionário mais importante do século XX. Os Beatles estavam atentos e o lado B do single "Hey Jude" reflectia as mudanças: "You say you want a revolution well, you know, we all want to change the world". Pouco tempo depois, os Fab Four começam a gravar aquele que seria o seu trabalho mais diversificado e um dos mais ecléticos de qualquer outra banda pop na história. À partida, o duplo Álbum Branco consagrava uma vontade de regresso às origens, expressa na sua capa de fundo branco. No entanto, os tempos também não estavam fáceis para os Beatles. Mal refeitos da morte do seu empresário, Brian Epstein, um ano antes, procuravam navegar contra a maré da desorientação. A tensão em estúdio era evidente: George Harrison e Paul McCartney discutiam frequentemente, a presença de Yoko Ono começava a fazer-se sentir, inúmeras reuniões de negócios e visitas demoradas completavam o rol de acontecimentos. Na ressaca do psicadelismo, as gravações do Álbum Branco foram definidas na perfeição por John Lennon: "Se olharmos para cada uma das canções, era apenas eu e uma banda de suporte, o Paul e uma banda de suporte. Eu gostei, mas acabámos pouco depois".
De qualquer modo, o resultado musical foi brilhante. Um maravilhoso caos espalhado em 30 canções. O tema de abertura, "Back in the U.S.S.R.", traduz a maior aproximação ao universo dos Beach Boys, com Paul McCartney aos comandos da bateria. "Dear Prudence" mostra um Lennon inspirado no episódio Maharishi, assinando uma das suas melhores baladas, com alguns laivos psicadélicos. Por seu lado, George Harrison estava cada vez mais prolífico: "Savoy Truffle", "Piggies", "Long Long Long", mas, principalmente, "While My Guitar Gently Weeps". Os progressos evidenciados na última faixa, denunciam um espírito que está pronto a libertar-se da bolha Lennon/McCartney. De referir que o famoso solo teve a assinatura de Eric Clapton. E o mais famoso baterista da história do rock também teria direito à sua primeira canção: "Don´t Pass Me By", com sabor country. Como na maioria dos discos dos Beatles, a parcela de leão dos temas tem a pena dos seus maiores compositores. Se "Bungallow Bill", "Glass Onion" ou "Honey Pie", por exemploparecem inofensivas, o mesmo já não se pode dizer da portentosa e pioneira aventura hard-rock de "Helter Skelter". A ideia partiu de Paul McCartney: "Li no Melody Maker que os The Who fizeram o tema mais ruídoso na história do rock n´roll e impus o desafio de fazermos algo parecido". Macca seria também o autor de "Martha My Dear", uma homenagem à sua cadela e que mereceu de Lloyd Cole o título de "melhor canção pop jamais feita". Outra das suas canções que supreende pela simplicidade desarmante é "I Will", mas é na roqueira "Birthday" que encontramos uma das últimas e genuínas parcerias Lennon/McCartney, abrilhantada pela presença nos coros de Yoko Ono e de Pattie Harrison. Por seu turno, John Lennon também fazia maravilhas. "Everybody´s Got Something To Hide..." e "Yer Blues" eram boas ofertas rock. Tal como era o excelente pastiche a la anos 50 de "Happiness is a Warm Gun". Para não falar de "Cry Baby Cry" e, principalmente "Sexy Sadie". O título desta canção funcionou como código para o famoso guru indiano, apresentando-o como um hipócrita. Em termos musicais, o piano mantém a tensão do tema, abrilhantada pelo falseto de Lennon. Na cabeça do produtor George Martin, o Álbum Branco deveria ter resultado num disco único, de 40 minutos e com as melhores canções. Mais tarde, Ringo Starr anuía com graça: "Sim, deviamos ter feito o Álbum Branco e o Álbum mais Branco".  Porém, e 47 anos depois, a vitalidade deste trabalho está à vista, assumindo aspectos de frescura e de pioneirismo intemporais. Na realidade, só uma banda como os Beatles poderia fazer uma obra-prima em tais condições. 

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